Há algum tempo assisti o documentário indiano “Elephant Whisperes”, que ganhou o Oscar de melhor documentário. Trata da relação entre um casal de indianos e dois bebês elefantes, Raghu e Amma. O filme abordou questões sensíveis da relação “Homem-Meio Ambiente”. O que mais chamou a atenção foi a redução de espaço imposta à biodiversidade natural. Ao mesmo tempo mostra a importância dessa biodiversidade. Quando a intervenção humana quebra essa circularidade criamos as externalidades ao processo econômico, social, ambiental e demográfico. Como a teoria econômica entende esse problema?
Bem, se esse problema já era crítico antes da Revolução Industrial, não mudou após esse processo de disrupção tecnológica. Com relação ao “E”, a pegada ambiental se intensificou com a maior demanda de recursos minerais, em especial o carvão.
A grande novidade correlata à evolução tecnológica foi a reformulação da organização da produção que fez a Inglaterra mudar sua posição com relação à escravidão em todo o mundo, algum reflexo para o “S”, pois escravidão com maus tratos e falta de liberdade não era compatível com as mudanças em curso. Os custos salariais foram bem compensados pela maior eficiência dos processos produtivos. No mais, continuavam as práticas de racismo, diferenciação de classes, carga de trabalho abusiva, maus tratos, má distribuição de renda.
Quanto ao “G”, a mudança aconteceu através da reformulação dos processos produtivos baseados na relação trabalho-capital físico. Não é o “G” das relações com stakeholders.
Do ponto de vista econômico, os primeiros alertas sobre o problema das externalidades foram do período neoclássico, com o advento do marginalismo e utilitarismo que serviram de base para o que se chama hoje de economia ambiental ou ecológica, do final do século XIX/início do século XX. Originalmente, o pensamento neoclássico tratava da eficiência baseada na receita/custo marginal de produção e na satisfação do consumidor e serviu de base para a criação da análise fundamentalista de ações.
Alfred Marshall (1842-1924), o pai do pensamento marginalista alertava que os conceitos ótimos de eficiência produtiva e satisfação do consumidor poderiam gerar externalidades positivas, mas não eximiam da ocorrência de externalidades negativas, dando mais ênfase para o impacto social do que ambiental.
Henry Sidgwick (1838-1900), economista, filósofo, liberal e utilitarista teve uma preocupação com a gestão de resíduos, “um problema claro de ineficiência” e trocava conversas com Pigou sobre até que ponto a economia, sobre a ótica da competição, poderia resolver esse problema. Sendo ele um liberal queria que os agentes privados resolvessem o problema. Mas a concorrência de preços anulava qualquer possibilidade.
Artur Cecil Pigou (1877-1959), considerado o pai do pensamento do bem-estar social, valorizava também o impacto social, mas foi o primeiro a manifestar preocupação com a poluição, chegando sugerir a adoção de um imposto sobre a emissão de gases poluentes. Formalizou um conceito de externalidade, entendendo, quando positiva, como bem-estar gerado pela atividade econômica, mas quando negativa, oriundos das deseconomias geradas pelo processo produtivo. A questão colocada por Pigou é que quando há diferença entre custo social e custo privado da produção, os agentes sociais e econômicos não se dispõem a pagar essa diferença e a cobrança de impostos para compensar essa ineficiência. Pigou destacou a poluição como um problema social a ser resolvido pelo Estado.
Ronald Coase (1910-2013) defendia uma solução para as externalidades através de negociação direta entre os agentes sociais envolvidos, sem intervenção do Estado. Esse problema foi abordado no paper “O Problema do Custo Social”.
William Nordhaus (1941 -) foi ganhador do Prêmio Nobel de economia junto com Paul Romer, pelos seus estudos de mudanças climáticas e crescimento econômico sustentável. Organizou um livro sobre os temas econômicos modernos junto com Paul Samuelson, este mesmo que contribuiu para o exílio acadêmico de um dos maiores gênios da economia, Nicolas Georgescu-Roegen (1906 – 1994), matemático, estatístico e economista, autor da magnífica obra “A lei da entropia e o processo econômico”.
Georgescu-Roegen criou um problema ao criticar o pensamento econômico de uma maneira geral baseado na hipótese de que a extração de recursos naturais consome energia, desperdiça energia, gera produtos consumidos pela sociedade que também gera resíduos que, no processo de reuso, também gera perda de calor e esse processo é irreversível.
Sua teoria estimulou a criação de novas vertentes da economia, como a economia ecológica ou economia ambiental que seguiram seu caminho desconectadas da economia convencional durante quase todo o século XX. Nesse período destacamos também o rico debate entre Georgescu-Roegen/Herman Daly e Robert Solow/Joseph Stiglitz que mereceria um artigo à parte. Para deixar registrado a diferença de reconhecimento acadêmico dos 4 economistas, Solow e Stiglitz foram prêmio Nobel de economia, apesar de Georgescu-Roegen ter sido chamado de economista dos economistas por Paul Samuelson.
A teoria do crescimento prevaleceu, mas a pergunta sobre a possibilidade de crescermos indefinidamente baseado na extração de recursos finitos continuou em aberto. É possível? Esta é uma questão basilar dentro do pensamento econômico atual e sua discussão merece atenção especial, mas é complicado continuarmos a debatê-la baseado nos mesmos paradigmas dos últimos 150 anos.
Em que velocidade estamos? Se processo é lento talvez a mudanças não esteja acontecendo na velocidade necessária exigida pelas mudanças climáticas, ou talvez o pensamento subconsciente nos diga que o problema não exista e, acreditamos. Calcular taxas de desconto sem levar em consideração o Risco ESG mostra resistência na mudança dos preços relativos. Quer dizer se existem subsídios para combustíveis fósseis eles devem continuar. Por outro lado, pedir subsídios para energias renováveis é um absurdo. Então nada muda.
A questão que se apresenta na prática é que o Risco ESG resulta em uma taxa, que pode ser calculada facilmente se existisse o imposto pigouviano. Se não temos alternativa seria outra forma de tributo ou de um preço estabelecido via mercado de carbono. Quanto ao “Social” que valor damos para questões como racismo estrutural, escravidão, desigualdade de renda nas empresas e na sociedade.
A história brasileira revela uma ocupação não organizada do Estado na defesa do meio ambiente. O primeiro grande esforço está na constituição brasileira de 1988 que mostra em seu artigo 225 um arcabouço normativo dos mais avançados do mundo, mas que não é suportado por instituições de Estado adequadas por carência de recursos humanos, materiais e fiscais. A rigor, a política fiscal do Governo tem dificuldade de inserir os segmentos ambientais de responsabilidade do Estado em sua política fiscal.
É importante que o meio ambiente seja colocado com a devida prioridade comparado à educação, saúde, habitação, saneamento, forças armadas. Tenho escrito em vários artigos sobre a escassez de recursos fiscais para as instituições ambientais, não chegando a 0,1% do orçamento. A rigor, nosso orçamento público não tem uma preocupação ESG, pelo menos no “E”. Esse movimento está começando apenas no século XXI.
O Brasil teve sucesso na implementação de conservação e fiscalização de políticas ambientais até 2012, retomando o crescimento desde então. Mas de acordo com dados do PRODES, o desmatamento na Amazônia legal desde 1988, quando foi promulgada a nova Constituição, chegou a 9,2% da área total da Amazônia legal. Estamos perto do ponto de não retorno.
Implementar uma bioeconomia formal baseado nos recursos naturais renováveis na Amazônia vai depender de segurança das fronteiras, de estabelecer o desmatamento ilegal zero e manter a fauna e a flora em seu status atual, se possível reflorestando áreas recém desmatadas, de criar um ambiente institucional que permita a criação de oportunidades de negócios para a população local e um política de crédito e financiamento adequado para micro, pequenas e médias empresas.
Na área oceânica, segurança, conservação e fiscalização são igualmente importantes, pois temos entre 4,5 milhões e 5,7 milhões de km2, considerando-se o limite de 350 milhas náuticas. Além do mais aumenta o nível de atividade das instituições ambientais.
Para exercer todas essas ações é importante definirmos o Estado que queremos, o que é prioritário em termos de objetivos econômicos, sociais, ambientais e institucionais. E para isso, o Governo precisa fazer escolhas, caso contrário há risco de aumento de carga tributária e mais perda de competitividade. Uma das escolhas é debater qual o tamanho que queremos para o Estado empresário.
Temos 13 milhões de km2 de área terrestre e oceânica. Temos condições de nos organizar economicamente, manter nossa cobertura florestal, nossa área oceânica, fauna e flora. Não precisamos comprimir “os espaços dos nossos elefantes Raghu”. Temos de entender que a biodiversidade é tão importante para as florestas que são importantes para as águas e para o clima que são importantes para a agricultura ....até chegar à implementação da gestão de resíduos.
O Brasil é um país privilegiado, com grande potencial econômico e social, temos restrições ambientais, que são estratégicas para nós e para o mundo, não precisa desmatar basta regenerar as terras degradadas, implementar a bioeconomia na Amazônia, Cerrado e Pantanal, porque não e, finalmente, acabar com práticas de escravidão, racismo e desigualdades de oportunidades e renda. Isso não pode se transformar em legado.
A corrida do ouro não agrega valor.
Eduardo Werneck
é presidente do Conselho de Administração da APIMEC Brasil.
eduardo.werneck@apimec.com.br