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TRIBUTAÇÃO: INCERTEZA COM O FIM DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA DIFICULTA INVESTIMENTOS E COMPROMETE RECUPERAÇÃO ECONÔMICA

Certamente as áreas de Relações com Investidores das companhias abertas estão tendo trabalho em dobro - nesta época de publicação do balanço anual - para responder às dúvidas dos stakeholders sobre pagamento de imposto postergado por mais de uma década; e  dos efeitos desse possível desembolso nas contas e no lucro da companhia. O questionamento é um dos efeitos da decisão aprovada no início de fevereiro, por maioria, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A suprema corte aprovou a revisão de decisões judiciais tributárias definitivas permitindo a cobrança de tributos que não foram pagos pelos contribuintes, desde 2007, em caráter retroativo.

Cabe aqui lembrar o início da história que começou na década de 1990, quando se discutia a constitucionalidade da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Na ocasião, este tributo foi declarado inconstitucional em razão de não ter sido respeitado o rito legislativo necessário para a sua criação, que deveria ter ocorrido por meio de lei complementar.

Em 1992, algumas empresas conseguiram na Justiça o direito de não pagar a CSLL, e o caso transitou em julgado. Em 2007, porém, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 15, o STF afirmou que a contribuição era constitucional e deveria ser paga, posição reafirmada 15 anos depois: no dia 8 de fevereiro de 2023.

Logo após o anúncio desta decisão, a Abrasca reuniu mais de 200 associados, que pediram um posicionamento público da entidade para alertar o Supremo sobre os efeitos nocivos desta decisão sobre as empresas, os investimentos e a retomada da economia brasileira. A insegurança quanto ao pagamento ou não do imposto irá forçar as empresas a contingenciar recursos em suas demonstrações financeiras, reduzindo capacidade de investimento e a consequente geração de emprego e renda.

Cabe observar que a Associação não questiona a constitucionalidade da decisão. Contudo, entende que é urgente a modulação dos seus efeitos, em linha com o que prescreve o parágrafo 3º, do artigo 927 do Código de Processo Civil, sob pena de instaurar o caos da insegurança jurídica, de forma permanente, nas questões tributárias, que já são muito complexas.

É difícil estimar o impacto se as empresas tiverem que retroagir para pagar o débito desde 2007. Certamente irá comprometer o caixa e a liquidez das companhias e afugentar investidores, em um momento que requer a retomada econômica do país.

A questão central do pleito da Abrasca é o risco da sua aplicação retroativa no tempo que altera, ex post, os resultados das empresas e pode ensejar a revisão e o retorno de investimentos realizados há décadas, a alteração das contas de balanço das empresas, a revisão do valor de dividendos, inclusive daqueles já distribuídos, além de fortes incertezas quanto aos fluxos de caixa futuros e das provisões e contingências fiscais.

Um problema para a contabilidade e o RI
Outro ponto, consequentemente relevante em função do posicionamento do STF, é a questão do reconhecimento dos efeitos da decisão em relação ao provisionamento ou não de tributos, nas demonstrações contábeis, a partir de fevereiro deste ano.

O Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon) entende que as empresas que publicaram as DFs de 2022 antes de fevereiro não precisam republicar o balanço, mas terão que mencionar nas DFs do primeiro trimestre de 2023 se a decisão do STF impacta ou não a empresa. Quem ainda não fechou as contas do ano passado deve, em nota explicativa, fazer referência ao impacto da medida.

Para auxiliar as empresas, a Comissão de Valores Mobiliários divulgou um ofício circular explicando como incluir no balanço os reflexos da decisão sobre o fim da “coisa julgada”. A iniciativa da autarquia foi muito bem-vinda entre as companhias, mas não esgotou as dúvidas.

Diante de toda a repercussão da medida fica evidente a instabilidade e insegurança jurídica causada pela ausência de modulação da medida do STF.

A segurança jurídica é o ativo intangível mais valioso quando se trata da decisão de investir. Regras incertas afugentam o investimento. Já a percepção de que as regras são claras e há uma cadeia de causas e consequências razoavelmente previsível transforma a incerteza em risco, ou seja, passa a permitir sua mensuração. E tudo o que é mensurável pode ser precificado.

O papel dos tribunais, nesse caso, é tangível. Mais do que tratar de cada caso (prestação jurisdicional), as cortes, quando decidem, também ancoram expectativas. Seja pelo acúmulo de julgados ou por decisões de ampla aplicação, elas informam a sociedade sobre suas posições e, com isso, direcionam o comportamento dos agentes econômicos. Podem ser, portanto, um elemento para aumentar (ou diminuir) a segurança jurídica quando estabelecem um padrão claro (ou falham nesse propósito).

Pela retomada da atividade econômica e recuperação dos níveis de emprego e renda é fundamental que o STF exerça sua prerrogativa de modular os efeitos da decisão aprovada em fevereiro – e, dessa forma, reforçar a segurança jurídica dos agentes econômicos, viabilizando novos projetos de investimento.


Pablo Cesário

é presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br


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