INVESTIMENTOS ALTERNATIVOS: a disrupção do mercado tradicional
O que artistas como o modernista Di Cavalcanti, a dama do abstracionismo Tomie Ohtake, o naif Alfredo Volpi, o cantor Paulo Ricardo e o compositor Toquinho têm em comum? Pertencentes a movimentos culturais distintos, todos compartilham a mesma história de sucesso e pioneirismo nos segmentos artísticos que representam e agora protagonizam uma mudança radical no mundo dos investimentos financeiros. Suas obras e músicas se tornaram ativos financeiros e passaram a compor a carteira de investidores comuns. Esta é a revolução que a Hurst Capital, primeira plataforma de investimentos alternativos da América Latina tem trazido ao mercado, ao possibilitar que as pessoas físicas invistam em ativos até então inacessíveis e, em alguns casos, impensáveis, como o Metaverso. Nessa entrevista exclusiva à Revista RI, seu sócio fundador e CEO, Arthur Farache, conta como tudo começou e o que ainda está por vir.
RI: Conte um pouco sobre a sua trajetória e como surgiu a Hurst Capital?
Arthur Farache: Sou formado em direito pela USP. Durante minha carreira atuei como advogado em grandes escritórios e instituições financeiras, até que, em 2013, decidi sair do Citibank para empreender. Criei com sucesso duas empresas antes da Hurst Capital, a última, o Desfixa, era voltada para descomplicar a renda fixa para o investidor e foi vendida em outubro de 2017. E é neste mesmo ano que surge a Hurst Capital. Inicialmente tínhamos como foco o legal finance, ou financiamento legal, mecanismo pelo qual autores de processos judiciais têm as despesas com advogados e custas judiciais de seus processos financiadas por investidores. Ao adentrarmos no mercado vimos a oportunidade que os precatórios davam aos investidores e lançamos a primeira plataforma brasileira que permitia às pessoas físicas investirem em ativos reais com ênfase nos títulos públicos judiciais, em 2019. A partir daí, começamos a olhar para os ativos alternativos e vimos nos royalties musicais uma excelente oportunidade como investimento. A primeira operação foi lançada em meados de 2020. Com o passar do tempo, foram surgindo novas teses, como os investimentos em obra de arte e, mais recentemente, em cinema. Em 2022, batemos recorde na distribuição de rendimentos. Um total de R$ 18.274.732,37 foram pagos para 14.962 investidores que adquiriram os tokens de 102 operações, o que corresponde a uma média de ganho por operação de R$ 179,16 mil. No ano passado, foram lançadas 135 operações novas, que captaram um total de R$ 86,53 milhões, o que demonstra o apetite do brasileiro por ativos alternativos. O crescimento foi de 35% em relação a 2021, quando lançamos 100 operações.
RI: Pode explicar o que são ativos alternativos e quais são os diferenciais que atraem os investidores?
Arthur Farache: Ativos reais ou investimentos alternativos são uma classe de ativos que não tem correlação com a Bolsa de Valores e o mercado financeiro tradicional, por isso não sofrem com a volatilidade diária desses mercados. Essa modalidade faz parte da economia real e está diretamente ligada à capacidade produtiva e à geração de riquezas de uma sociedade. São também conhecidos como ativos reais, que envolvem o investimento em algo palpável e físico, ou seja, tudo o que existe no “mundo real”. Os investimentos alternativos são uma categoria ampla que engloba vários tipos diferentes de investimentos. Normalmente são imóveis, metais preciosos, commodities, fundos de hedge e private equity e dívida privada, mas englobam também royalties musicais, vinhos raros, obras de arte e outros. Combinar investimentos tradicionais e ativos alternativos em um portfólio – com uma alocação de ativos que faça sentido para sua estratégia e objetivos específicos – pode ajudar a mitigar perdas quando o mercado se move mais baixo, e capturar ganhos quando o mercado se move mais alto. Tal comportamento é uma tendência mundial. Segundo o relatório Preqin, que apresentou uma pesquisa realizada ao final de 2019 com 500 investidores institucionais internacionais, 71% dos entrevistados acreditavam que o potencial de maiores retornos dos ativos privados faz o risco de liquidez valer a pena. Além disso, 37% planejavam aumentar a exposição a ativos alternativos em 2020. Uma alocação de ativos ideal deve combinar 45% em renda fixa + reserva de emergência, 30% em renda variável e 25% em ativos alternativos. Esse método pode ser interessante, pois mescla a segurança da renda fixa (e a liquidez de uma reserva de emergência ainda dentro dessa modalidade) e a rentabilidade da renda variável. O “tempero” fica por conta da porcentagem aplicada em alternativos. Ainda pouco disseminados no Brasil, eles unem o melhor dos dois mundos: maior estabilidade da renda fixa com a maior rentabilidade da renda variável. Ao adotar uma estratégia que reúna essas três classes de ativos, é possível de fato aproveitar os benefícios de cada uma das aplicações e compensar o lado ruim.
RI: Como a tokenização revolucionou o mercado financeiro?
Arthur Farache: O mercado financeiro é um dos grandes afetados pela era da transformação digital, principalmente no que se trata de investimento. As novas tecnologias, como o Blockchain (ledger digitalizado compartilhado que não pode ser alterado uma vez que uma transação tenha sido registrada e verificada) e DLT (sigla de distributed ledger que significa tecnologia distribuída de livro-razão) permitem que qualquer ativo seja transformado em Token. E a tokenização vai ser tão revolucionária para o mercado de capitais quanto foi a securitização, ocorrida no início dos anos 2000. Os tokens representam uma fração pequena do valor total do ativo, o que os torna acessíveis a pequenos investidores, e capazes de proporcionarliquidez ao ativo de referência. A tecnologia provê toda segurança ao investidor restando a ele saber o que há por trás dos chamados security tokens ou STO, na sigla em inglês, ou ainda tokens de segurança.
RI: Hoje as carteiras dos investidores brasileiros têm baixíssima exposição aos ativos alternativos. Como mudar este cenário?
Arthur Farache: Esse tipo de ativo sempre existiu, mas ainda é pouco conhecido do mercado financeiro. Tradicionalmente a classe de alternativos estava disponível apenas a grandes investidores ou dentro de seus próprios nichos. Sua popularização inicia depois da crise financeira de 2008, quando clientes institucionais começaram a buscar de forma mais intensa opções sem correlação direta com o volátil mercado tradicional. O surgimento de plataformas de investimento contribuiu para democratizar esse mercado entre as pessoas físicas, pois, até então, era preciso ter uma grande quantia de recursos para investir em alternativos, seja para comprar um imóvel ou uma obra de arte, por exemplo. Hoje, com cerca de R$ 10 mil disponíveis, é possível investir em royalties musicais, precatórios, obras de arte, vinhos e carros antigos, crowdfunding imobiliário, entre outros. Nosso trabalho agora tem sido para tornar o mundo dos alternativos mais conhecido dos investidores, através da atuação de escritórios de agentes autônomos. Para isso, firmamos uma parceria com a EQI Investimentos para lançar no mercado o primeiro escritório de agentes autônomos com atuação no mercado financeiro tradicional e ativos reais. Daremos mais opções para que o investidor atinja seus objetivos de rentabilidade com mais segurança por contarem com assessores especializados, ampliando a participação dos ativos alternativos em seu portfólio.
RI: Como ocorrerão as parcerias com assessores de investimentos?
Arthur Farache: A Hurst tem trabalhado para ampliar sua presença também com assessores de investimento e agentes autônomos. Nós identificamos um gap no mercado porque as assessorias de investimento, por estarem ligadas a grandes bancos, acabam trabalhando apenas com ativos tradicionais. E vimos uma oportunidade em trazer uma solução diferenciada para estes parceiros. Além de poder distribuir os ativos que estão na plataforma, eles podem também estruturar uma operação exclusiva para eles. É um esforço que corrobora a iniciativa de ampliar o acesso do investidor mais tradicional a ativos alternativos. O tamanho deste mercado é gigante, de 23 mil CNPJs cadastrados na CVM e nossa meta é distribuir R$ 30 milhões em ativos.
RI: Quais ativos alternativos a Hurst oferece hoje e o que deve vir no futuro?
Arthur Farache: Hoje a Hurst oferece investimentos em royalties musicais, royalties de cinema, precatórios, ativos imobiliários, criptomoedas, metaverso e em obras de arte. No ano passado, ofertamos royalties científicos, mas o produto ainda é muito novo e teve pouca aceitação dos investidores. Nosso objetivo é financiar projetos diversos na área cultural e entretenimento. Além das já citadas, existe a possibilidade de apoio a shows musicais, espetáculos teatrais, entre outros, não só no Brasil, mas em outros países. Também tem uma tese nova sendo desenvolvida e que vai mexer com o investidor brasileiro. Mas ainda não posso falar nada.
RI: Como a Hurst irá se tornar uma plataforma de investimento para a cultura?
Arthur Farache: Acabamos de lançar uma nova marca, a MUV, para financiar e gerenciar a produção de shows musicais e outros projetos na área da economia criativa como espetáculos diversos, cinema, entre outros. O setor movimenta bilhões anualmente somente no Brasil e oferece inúmeras oportunidades para investidores que buscam rentabilidade alta com risco menor do que o existente no mercado financeiro tradicional. O nome MUV foi criado a partir do substantivo “movimento”, definido como sendo um conjunto de ações de um grupo de pessoas mobilizadas por um mesmo fim. A MUV estará focada em operações de investimentos em produções artísticas, mas também poderá contribuir com o setor comprando os direitos das obras ou por meio de parcerias estratégicas para que produtores tenham acesso a financiamento e criando uma rede segura, transparente e confiável para fomentar o setor. A MUV também ficará responsável pelas operações de royalties musicais, até o momento operado pela Músicas do Brasil, braço empresarial da Hurst que deixará de existir.
RI: Chama também a atenção os investimentos em obra de arte, que sempre foram tidos como algo de milionários. Como começou e o que motivou a Hurst a ingressar neste mercado?
Arthur Farache: Obra de arte é um ativo totalmente descorrelacionado do mercado financeiro tradicional. Não importa se o Real se desvalorizou, se a Bolsa de Valores caiu ou se a taxa básica de juros subiu ou desceu. O valor de uma obra de arte é definido por um mercado à parte, que normalmente não é afetado por crises econômicas. E, se o mercado doméstico estiver difícil, é possível leiloar com ganhos financeiros no exterior. Foi com base nesta visão que decidimos ingressar neste mercado em 2021, quando lançamos nossa primeira operação envolvendo três telas do expoente da arte cinética, Abraham Palatnik. Na ocasião, a rentabilidade projetada era de 17,36% ao ano em prazo de 24 a 36 meses. Embora as telas, juntas, valessem mais de R$ 650 mil, qualquer um com R$10 mil disponíveis poderia aproveitar a oportunidade e se tornar proprietário, mesmo que parcialmente, de um ativo muito valioso. Isso porque nós tokenizamos as obras com base na tecnologia blockchain, a mesma usada na criptomoeda bitcoin e que garante a autenticidade e toda segurança legal para os investidores. A primeira operação foi um grande sucesso de aceitação e de rentabilidade. Treze meses depois, foi concluída com valorização de 27%, dez pontos percentuais acima do previsto. O resultado serviu de estímulo, tanto para a Hurst quanto para os investidores, interessados em repetir os ganhos. Assim, logo após a primeira experiência com Palatnik, na Hurst originamos uma nova operação com telas do modernista Di Cavalcanti. Na sequência vieram operações com obras do concretista Luiz Sacilotto, da dama do abstracionismo, Tomie Ohtake e das representantes do concretismo e do construtivismo, respectivamente, Judith Lauand e Jandyra Waters. Agora em fevereiro último começou uma nova operação com o naif Alfredo Volpi, também com aporte a partir de R$ 5 mil e rentabilidade anual no cenário base de 23,51% em um prazo de 12 a 24 meses. Em 2022, distribuímos R$ 821 mil de ganhos entre os investidores de obras de arte. No período foram lançadas sete novas operações que envolveram nomes como Tomie Ohtake e as citadas artistas centenárias, Judith Lauand e Jandyra Waters. No total, o volume de investimentos somou R$ 3,588 milhões e as operações ainda não foram encerradas.
RI: E o Metaverso, como funciona?
Arthur Farache: Em setembro do ano passado, lançamos nossa primeira operação voltada ao Metaverso. A Metaverse Basket - Cripto do Brasil investiu em uma cesta de criptoativos de exposição diversificada composta por cinco das principais moedas virtuais usadas na construção de estruturas internacionais do Metaverso. São elas: APE, Mana, Sand, AXS e Theta. Os investidores ficam expostos à tecnologia blockchain e segmentos da cadeia de valor do Metaverso e se beneficiam com o desenvolvimento desse setor, que conta com grandes empresas e artistas investindo e desenvolvendo o meio, tais como: Nike, Adidas, Gucci, Samsung, Justin Bieber, Neymar, Madonna, entre outros. As moedas virtuais escolhidas para a cesta da operação foram as cinco mais utilizadas nos projetos de desenvolvimento do Metaverso, usadas nos ambientes virtuais construídos, como se cada um deles fosse uma nação diferente. Traçando um paralelo com o mundo real, funciona da seguinte forma: no Brasil, para construir qualquer obra precisamos usar o real, que é a moeda corrente, nos Estados Unidos é o dólar. No Metaverso também. Cada mundo criado tem sua própria moeda. E assim como existe câmbio entre dólar e real, existe entre esses criptoativos e as moedas físicas de qualquer país. O Metaverso pode ser considerado como a versão digital do mundo em que vivemos, com localidades 3D interligadas, onde os humanos podem se conectar virtualmente. Nesses ambientes, as pessoas podem passear com os amigos, visitar prédios, comprar bens e serviços, participar de eventos e construir versões digitais de seus negócios e empresas. Em outras palavras, é uma convergência das vidas físicas e digitais, a criação de uma comunidade virtual unificada onde é possível trabalhar, brincar, relaxar, fazer transações e socializar.
RI: Recentemente, a empresa anunciou que se tornou um ecossistema. O que isso significa? Qual o impacto desta mudança na governança corporativa da empresa?
Arthur Farache: A Hurst Capital deixou de ser plataforma e se transformou em ecossistema de investimentos alternativos, ou seja, somos um grupo de empresas complementares ligadas a um objetivo comum. Para isso, fizemos o spin-off para formação de outras cinco empresas de originação de ativos, cada uma em um segmento diferente. Sendo assim, a Hurst, que originava, estruturava e distribuía investimentos alternativos, passou a estruturar e distribuir de ativos das empresas que fazem parte do ecossistema e também de outras que queiram se utilizar do canal para oferecerem seus produtos. A remodelagem do negócio foi necessária para que pudéssemos continuar nosso processo de expansão e as originadoras pudessem explorar todo seu potencial de crescimento em cada tese. A aquisição de duas startups, os aplicativos Renda Fixa e Dividendos.me, também pesou na decisão. Para crescer, é preciso abrir mão de ser uma empresa única. Se transformar em ser ecossistema significa aumentar o fluxo de negócios e as oportunidades para os investidores. Trouxemos muita gente boa e precisávamos dar mais autonomia. Aceitaremos distribuir em nossa base, ativos de outros originadores que trouxerem bons produtos e se encaixarem em nosso perfil de transparência e de preocupação com a segurança dos ativos.
RI: Como são feitas as análises dos ativos que a plataforma oferece?
Arthur Farache: A análise depende de que ativo estamos falando. Quando nos referimos a royalties musicais, por exemplo, as operações se iniciam por meio de um contrato direto entre o originador e o artista detentor dos direitos de autor e conexos referentes às obras musicais e litero musicais, bem como dos fonogramas, conforme especificamente detalhados por meio de um contrato de cessão ou licenciamento de direitos patrimoniais. Por meio destes contratos com os artistas, o originador se torna titular de uma fração dos recebíveis, por determinado período de tempo ou ad eternum, que serão gerados a partir da reprodução das referidas músicas no tempo. Os recebíveis estão atrelados ao número de vezes em que determinada obra musical e o fonograma serão executados publicamente ou reproduzidos em diferentes ambientes e plataformas que gerem, ao titular dos royalties de música, o direito ao recebimento de determinada quantia por tal reprodução. Para a precificação, avaliamos os valores arrecadados pelo artista no passado, fazemos a projeção do fluxo de caixa futuro do artista levando em consideração as variantes do mercado da música e entramos em acordo com o artista. Em obras de arte não é qualquer tela que se transforma em ativo para investimentos. A escolha das obras que serão tokenizadas passam por uma minuciosa avaliação técnica antes de serem adquiridas, originadas e oferecidas ao mercado. Especialistas são contratados para verificarem a autenticidade, a aceitação e reputação da obra no mercado e a devida valorização nos últimos anos. No caso da operação atual com Alfredo Volpi, foram analisadas 120 transações de suas obras nos últimos 16 anos em leilões nas principais bases de dados do mercado de arte nacional e internacional. Consideramos apenas os trabalhos produzidos entre os anos 1960 e 1980 e identificamos uma valorização, em média, satisfatória ao longo de todo o período, o que nos deu a certeza de que investir no artista é um bom negócio. Por fim, vale a pena falar das análises dos ativos judiciais, que são feitas por uma equipe altamente especializada. Antes de comprar um precatório, por exemplo, esta equipe faz uma avaliação de jurimetria, que olha para quando efetivamente o ativo poderá ser pago e o valor que é possível ser comprado pela empresa.