Diversidade

NEGÓCIOS NEGROS: VANTAGENS E DESVANTAGENS DE UMA ECONOMIA ESTRUTURADA PELO RACISMO

Novos paradigmas e ações antirracistas são necessárias para gerar mudanças econômicas, sociais e trabalhistas para a eliminação do racismo e das vantagens racistas que estratificam o ambiente econômico no país

Negros e negras na condição empreendedora precisam ser reconhecidas como pessoas à frente de um empreendedorismo que se desenvolve no Brasil num contexto econômico racializado, em que o racismo estabelece graus de vantagens e desvantagens de confiança em negócios negros e não-negros. Trata-se de um empreendedorismo forjado no racismo, historicamente, e estruturado por desigualdades raciais, aquele que estabelece dois pesos e duas medidas a depender da origem étnicorracial do empreendedor e da empreendedora.

Quando o ponto de partida não é o mesmo, nem os combustíveis disponíveis para alavancar os negócios estão ao acesso de todas as pessoas que atuam no mesmo campo econômico, a competição empreendedora até o ponto de chegada – o chamado “sucesso” - demanda relativização dos resultados e revisão do ecossistema com vistas à sua responsabilização. Ao rever as trajetórias, é fundamental identificar desigualdades raciais, mobilizar o campo empreendedor para mudanças baseadas em justiça, corrigir dinâmicas que criam e mantêm desvantagens com base no racismo estrutural e pactuar ações antirracistas para assegurar mais equilíbrio e justiça com o propósito de tornar o campo equitativo.

A despeito da trajetória dos empreendimentos negros - em startups, micro ou pequenos empreendimentos em comunidades periféricas ou emergência em setores econômicos -, negras e negros migraram para tal setor econômico por decorrência do denominado “empreendedorismo por necessidade” - o que corresponde a 46% (Sebrae, 2020). Negros e negras são 51% entre pessoas empreendedoras no país (PNAD, 2014), com acentuada expansão de 29% entre agentes, em dez anos (Sebrae, 2015), e movimentação financeira de mais de R$ 3 trilhões (Etnus, 2017).

O caso das empreendedoras e empreendedores negros, maioria no país, é ilustrativo de como as regras do jogo são diferentes e variam de acordo com o perfil dos donos e das donas de negócio. O rendimento médio de negros e negras empreendedoras é 32% inferior ao de empresários e empresárias brancas. Segundo levantamento do Sebrae, as mulheres negras à frente de um negócio são ainda mais prejudicadas, com uma renda média 39% inferior à de um homem branco. Estes dados expressam como vantagens e desvantagens articuladas pelo racismo racializam relações econômicas, empreendimentos, lucros, riscos e tendências. Na atualidade, negras e negros, em sua maioria, migraram e optam pelo empreendedorismo por ter se deparado com as portas fechadas em companhias, corporações e setores econômicos.

Esta é uma discussão atual, visto que o início do trabalho assalariado no Brasil se deu na absorção de mão-de-obra imigrante europeia decorrente de um processo político legalizado pelo incentivo da vinda de pessoas de países de origem germânica, italiana e, posteriormente, asiática. Foi assim que os longos e tenebrosos capítulos da escravização negra africana, que vilipendiou mais de 6 milhões de pessoas e vigorou por quatro séculos e alicerçou a economia brasileira por seis ciclos econômicos: pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro, algodão, café e borracha - passaram para o passado sem reparação e ajustes de contas, abrindo passagem para a chamada industrialização da economia, classe trabalhadora de origem europeia e asiática imigrantes em meio a contingente negro liberto e sobrevivente à própria sorte no comércio de pequeno ganho, trabalho doméstico e informalidade. Como é sabido, o Brasil é o país que mais traficou africanas e africanos e foi o último país do mundo a abolir a escravidão devido a pressões econômicas do mundo em vias de industrialização.

Em 2023, inúmeras negras e negros reconhecem na sua etnicidade o valor agregado aos seus negócios. Práticas afrocentradas e saberes ancestrais regem negócios que se dirigem a um público negro a ser conquistado e a um público não-negro a ser incluído e agente transformador do mercado pelo consumo de produtos de empreendedores e empreendedoras negras. Tema para outros textos é verdade, negros e negras desenvolvem metodologias negras empreendedoras para retomar a magia da comercialização, com foco em sustentabilidade humana, socioambiental, comunitária num contexto de regeneração da economia.

Novamente, negócios negros desenvolvem tecnologias econômicas e sociais ousadas e inventivas para transformar a degradação da economia, em que poucos e poucas crescem enquanto a maioria se degrada e o mundo se esgota em recursos naturais e talentos humanos.

Urge, portanto, investir em novos paradigmas, entre eles, o antirracismo. 

Isabel Clavelin
é gerente do Fundo de Empreendedorismo Negro da BrazilFoundation.
iclavelin@brazilfoundation.org


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