Orquestra Societária

SUSTENTABILIDADE & ESG: UMA JORNADA EM BUSCA DE UM MUNDO MELHOR

Após a icônica entrevista com John Elkington na edição 273, e em continuidade à edição 272 desta Revista RI, apresentamos a segunda parte de nossa análise relacionada à rodada 2 do projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, o qual abrange 12 entrevistas realizadas, em profundidade, com conselheiras de administração altamente qualificadas, certificadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC.

Na presente edição, seguimos focalizando as entrevistas com as conselheiras Débora Santille (ed. 267), Heloisa Belotti Bedicks (268), Gabriela Baumgart (269) e Neusa Maria Bastos Fernandes dos Santos (ed. 270). E além de sugerir aos leitores que (re)leiam tais entrevistas, sugerimos também a (re)leitura daquelas realizadas na rodada 1 do projeto, com as conselheiras Olga Stankevicius Colpo, Cátia Tokoro, Deborah Patrícia Wright e Eliane Aleixo Lustosa, cujas principais conclusões constam na edição da Revista RI - 266.

Passemos, a seguir, aos insights e contribuições, de forma sintética, das entrevistadas sobre as cinco perguntas finais, lembrando que as perguntas 1 a 3 foram analisadas na edição 272.

1. Set mínimo ESG
O quadro 1 apresenta a síntese dos insights das entrevistadas, integrando ou não, conforme sua visão, um set mínimo ESG. São pontos de atenção:

  1. A quase maioria dos insights resultantes da contagem do quadro (19/20) pode ser implementada no âmbito da organização. Uma conselheira sugeriu a criação de leis (via Poder Legislativo – item 1).
  2. Alguns insights correspondem a diretrizes mais amplas, enquanto outros, indicados com asteriscos, a ferramentas e práticas especificas (exemplos: relato integrado, políticas empresariais, agenda temática anual de trabalho etc).
  3. Substancialmente distintas, as respostas, não remetem a uma lista taxativa ou convergente de insights que poderiam integrar um set de ESG; de fato, não se percebem opiniões coincidentes, comprovando a multidisciplinaridade desse tema.
  4. A questão do set é, portanto, multifacetada, o que, por um lado, enriquece o debate, e por outro, dificulta, em certa medida, as decisões que as empresas devem tomar para implementarem práticas ESG com resultados concretos para variados stakeholders. O set necessita, portanto, ser aprofundado, com pesquisas que tornem mais claras as necessidades das empresas que buscam a sustentabilidade e desejem implementar práticas ESG de maneira eficaz.
  5. Mesmo assim, em nossa visão, alguns insights se destacam no quadro, sem perder de vista a importância de outros: visão holística do negócio (item 2); práticas ESG que correspondam às melhores práticas do mercado da empresa (4); alinhamento de interesses entre acionistas / investidores (5); educação e letramento de sócios e conselheiros (6); ESG na estratégia (9.1); PDCA (9.2); indicadores e metas (9.3); e, sensibilização e reconhecimento do propósito (10).

QUADRO 1: SET ORIENTATIVO MÍNIMO ESG (Total: 19, excluído o item 1)

QUADRO 1: SET ORIENTATIVO MÍNIMO ESG (Total: 19, excluído o item 1)

(*) Itens correspondentes a ferramentas/práticas específicas. À direita dos asteriscos, apresenta-se contagem dos itens; o item 9 foi desdobrado em sete tópicos, aqui tratados como insigths distintos. Importante: nem todas as conselheiras concordaram com a ideia de um set (no sentido de algo rígido), mas de um conjunto de práticas recomendáveis. Mesmo assim, suas sugestões foram agregadas ao quadro acima, que deve ser entendido como um set orientativo.

Adicionalmente, destacamos a sugestão de uma conselheira sobre o Brasil, que tem a maior diversidade biológica do mundo; em sua visão, nosso País pode colaborar com o set mínimo de uma agenda de sustentabilidade nacional, visando à criação de valor econômico e social, a partir do uso sustentável de seus recursos naturais.

2. ESG na gestão estratégica
Novamente, as entrevistadas apresentaram respostas diferentes, com alguns pontos de convergência. O quadro 2 apresenta a síntese dos insights das entrevistadas. Note-se, no quadro em questão:

  1. Os 16 insights emergentes das entrevistas podem ser distribuídos entre as categorias “gerais” (8 ou 50%) e relacionadas à “construção e implementação da estratégia” (idem).
  2. Alguns insights correspondem a diretrizes mais amplas, enquanto outros, indicados com asteriscos, a ferramentas/práticas específicas (exemplos: mapeamento da cadeia de valor, identificação dos principais stakeholders etc).
  3. Os tópicos do quadro não remetem a uma lista taxativa, mas, ao mesmo tempo, há quatro pontos de convergência realçados (25% dos insights), relacionados a PDCA (1), governança corporativa (4), criação de indicadores e metas (9) e atrelamento de métricas à remuneração de executivos (10).
  4. Em nossa visão, além das convergências acima, e sem perder de vista a importância de todo o conteúdo do quadro 2, há que destacar: o alinhamento ODS-propósito-objetivos estratégicos (2) e os objetivos de ESG abrangidos como objetivos estratégicos (3).

QUADRO 2: ESG NA GESTÃO ESTRATÉGICA (Total: 16)

QUADRO 2: ESG NA GESTÃO ESTRATÉGICA (Total: 16)

(*) Itens correspondentes a ferramentas/práticas específicas.

3. Práticas e outros impactos da pandemia COVID
Uma vez mais, as entrevistadas apresentaram respostas distintas, trazendo-se abaixo breves insights das quatro conselheiras:

  1. A pandemia acelerou tendências de modelos de negócios, a exemplo do e-commerce, da aplicação do trabalho em formato híbrido, do delivery por aplicativos e das plataformas de marketplace, telemedicina e outras. Tudo isso diz respeito a aplicações tecnológicas e o ponto comum é o uso intensivo de TI. A tecnologia continuará a ajudar a integrar ESG nos modelos de negócios, propiciando escalabilidade no acesso a bens e serviços por populações que antes não o tinham, integrando cadeias de fornecimento, propiciando divulgação, treinamentos e qualificações de todos os atores em vários temas, como valores éticos, práticas sustentáveis e muito mais.
  2. O chamado para a mudança é ancorado por ideais, que conquistam cada vez mais seguidores: melhor qualidade de vida, morar fora dos grandes centros urbanos, e, ao mesmo tempo, manter uma atividade profissional. Houve também um crescimento da conscientização da sociedade, em geral, por questões ambientais, sociais e de governança corporativa, e tudo isso fez parte de um processo de mudança de mentalidade, que ficou mais nítido após a pandemia. As novas gerações têm novos valores. Existe uma identificação genuína (ainda que heterogênea e, por vezes, contraditória) desses jovens com a agenda socioambiental. Não por acaso, conceitos como consumo consciente, comércio justo (fair trade), economia circular e cruelty-free vão se incorporando às marcas empresariais.
  3. Em uma era de não abundância, que exige transparência, e em um contexto mais complexo, de policrises, riscos e crises estarão, cada vez mais presentes na vida moderna, que resultam em impactos socioambientais dramáticos. A atuação das empresas foi ressignificada neste contexto, reforçando ainda mais o olhar para todos os stakeholders. Lucro com responsabilidade em um capitalismo de impacto é uma prática a ser considerada por todas as empresas. Elas também terão que ser mais flexíveis e ágeis, dispondo de uma liderança engajada e alinhada ao propósito e valores da organização.
  4. Práticas adotadas pelas empresas na pandemia COVID-19 fortaleceram principalmente aquelas relacionadas ao S de Social, para garantir o bem-estar e a segurança do empregado, a saúde mental, a dignidade e o trabalho decente, a educação de qualidade, a diversidade e inclusão, a equidade de gênero.  Observou-se que algumas áreas na empresa se destacaram com maior protagonismo (RH), uma vez que a vida e a saúde do ser humano estavam muito ameaçadas. Alguns exemplos: planos de saúde com telemedicina, apoio psicológico, cursos de capacitação tecnológica, apoio na compra de equipamentos, horários flexíveis em home office etc.

O quadro 3 apresenta a síntese dos insights das entrevistadas, observando-se:

  1. Os 30 insights emergentes podem ser distribuídos entre as categorias “mudanças e tendências mais amplas” (20 ou 67%), “modelos de negócios” (4 ou 13%) e “práticas adotadas” (6 ou 20%).
  2. As respostas não remetem a uma lista taxativa; tampouco se percebem pontos de convergência, exceto no caso da prática de trabalho híbrido (prática 9) e de horários flexíveis em home office (14), considerando ambos os insights como formas de trabalho mais flexíveis para empregados.
  3. Nos 20 insigths em que as quatro entrevistadas trataram de mudanças e tendências mais amplas advindas da pandemia COVID, se não há convergências, tampouco se pode afirmar que há incongruências.
  4. Modelos de negócios e práticas de trabalho receberam, comparativamente, menos menções, advindas das entrevistadas 1 e 4 (respectivamente, 4 e 6 insights). Mesmo assim, elas são significativas, pois vários negócios tiveram que repensar em profundidade seu modus operandi.

A pandemia COVID foi objeto das quatro primeiras entrevistas do projeto ESG (rodada 1 – primeiros insights) e retornará na rodada 3 (final) do projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita.

QUADRO 3: IMPACTOS DA PANDEMIA COVID (Total: 30)

QUADRO 3: IMPACTOS DA PANDEMIA COVID (Total: 30)

Os itens 1, 4, 6, 7 e 8 foram desdobrados em seus tópicos respectivos, aqui tratados como insigths distintos. Áreas realçadas indicam visualmente convergências de visões entre conselheiras.

O que percebemos, com base no quadro 3 e nas considerações anteriores é que, se por um lado há dificuldade de entender mudanças concretas em práticas de trabalho que favoreçam ESG, objeto da pergunta endereçada às entrevistadas (afinal, práticas utilizadas durante a pandemia remanescerão? Se positivo, em que medida?), por outro lado, existe a percepção de que o macroambiente mudou.

O modo de pensar de muitas pessoas e suas visões sobre como seria um mundo melhor, a nosso ver, são consistentes com a sustentabilidade e ESG. Ao mesmo tempo, percebemos que as percepções humanas se assemelham a um mix entre anseios mais abstratos e difusos (exemplo: melhoria da qualidade de vida) e anseios mais concretos e específicos (morar fora de centros urbanos, mantendo atividade profissional).

Destacamos aqui, em especial, no plano das empresas, a necessidade de atenção ou maior atenção à gestão de riscos (itens 5 e 7.1 a 7.5) e ao S do vértice Social de ESG (7.1 a 7.5). Já no plano da sociedade, identificamos a também necessidade de favorecer o S, bem como o desejo de mais qualidade de vida, especialmente no trabalho (itens 2 e 3).

RUMO À RODADA FINAL
Novas investigações resultam da rodada 2 para a rodada (final) do projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, prevendo-se quatro entrevistas inéditas com conselheiras de administração certificadas pelo IBGC. Investigaremos as seguintes questões:

  1. Quais práticas, entre diretrizes e ferramentas de gestão sustentável, deverão adotar os sócios e líderes de uma organização para se diferenciarem em práticas da dimensão S do ESG?
  2. Entre as práticas supracitadas, quais são as mais críticas em termos da gestão estratégica e de riscos? E quais derivaram ou foram fortemente intensificadas pela pandemia COVID?
  3. Qual é o set mínimo ESG?
  4. Qual é a sua opinião sobre a entrevista com John Elkington na edição da Revista RI 273, especificamente, quando ele fala sobre a necessidade de revolução?

Finalizando, e como sempre temos feito, convidamos os leitores a nos enviarem contribuições, críticas e sugestões ao nosso projeto. Agradecemos as recomendações e sugestões recebidas durante esse longo projeto, cujas partes 1 e 2 fazem parte integrante da tese de doutorado de Cida Hess, concluída com louvor em junho.

Cida Hess
é CEO da Orquestra Societária Business, doutora em Sustentabilidade pelo PPGEP da UNIP/SP, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUCSP, economista e contadora, com MBA em finanças pelo IBMEC. Executiva, conselheira, palestrante, coordenadora da Comissão Temática de Finanças e Contabilidade e professora da Board Academy. Colunista da Revista RI desde 2014 e do Portal Acionista desde 2019.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica Brandão
é Chair do Conselho Consultivo da Orquestra Societária Business, mestre em Administração pela PUC Minas, com pós-graduação em gestão estratégica pela UFMG e MBA em finanças pelo IBMEC. Engenheira eletricista e graduanda em Direito, tem atuado como executiva, conselheira (inclusive da Apimec-MG) e consultora, além de professora. Colunista da Revista RI desde 2008 e do Portal Acionista desde 2019.
mbran2015@gmail.com


Continua...