Os avanços tecnológicos que culminaram na expansão do acesso e do uso em massa dos celulares, internet e redes sociais provocaram diversas transformações em muitos diferentes setores da vida e da economia. Houve mudanças significativas na forma como as pessoas interagem todos os dias, que foram decorrentes da disseminação, em escala global, desses instrumentos. A instantaneidade e a desfronteirização do acesso a informações são características essenciais da atual realidade moldada por eles.
Nesse contexto, destacam-se as redes sociais que, de forma geral, podem ser entendidas como “plataformas de conexão entre cidadãos”. Elas possibilitam a divulgação de notícias a uma velocidade cada vez maior e para um público cada vez maior. O que pode ser questionado em relação a esse aspecto é o alcance efetivo que eventual mensagem pode ter na prática.
A resposta para tal pergunta dependerá muito da programação dos algoritmos de cada plataforma, o que eles priorizam para cada usuário, assim como das suas práticas de moderação de conteúdo e de impulsionamento, mediante pagamento. Ou seja, ainda há filtros e avais, mas com diferentes contornos. Logo, a aparência de espaço democrático que é atribuída a tais redes, onde, em tese, todos podem publicar e tudo pode ser lido, não é totalmente verdadeira.
Tal movimento também gerou impactos no Mercado de Valores Mobiliários (MVM), os quais foram potencializados pela disseminação do uso dos aplicativos destinados a investidores de varejo. Nesse caso, as redes sociais possibilitaram a transmissão de opiniões e a troca de informações entre diversos públicos de (potenciais) investidores, com diferentes formações, a um custo marginal quase nulo, em virtude da extrema redução dos custos de transação.
Com efeito, as redes sociais possibilitaram que investidores possam se comunicar, discutir e articular tomadas de decisões de investimento em escala massificada. Salienta-se que tal dinâmica tem o potencial de contribuir para reforçar visões, mesmo que elas sejam enviesadas ou especulativas.
Nesse cenário, vem se notando que as publicações realizadas nessas plataformas, por mais que possam não ter um intuito original de impactar diretamente os preços dos valores mobiliários, na prática, podem gerar esse efeito. Isso porque, por meio de uma análise sobre o seu conteúdo, é possível projetar comportamentos de compra e venda, o que tende a se refletir nas formações dos preços.
Apesar do seu caráter aparentemente democrático, essa escala de massa em que a comunicação se desenvolve e as fortes tendências de agregação online dessas plataformas tendem a contribuir para uma ampliação da desigualdade de participação e para uma hierarquização na comunicação. Exemplos concretos desses efeitos consistem nos próprios movimentos desenvolvidos em tais plataformas, os quais são, normalmente, personalizados, ou seja, iniciados por pessoas.
Eventuais movimentos de massa, compostos por inúmeros agentes, tendem a trazer uma falsa sensação de titularidade coletiva. Falsa, porque o poder de direcionar os movimentos de tal coletividade, na prática, geralmente, não é dividido igualmente entre cada participante, mas, sim, concentrado em poucos que, sob o véu de alguma legitimidade conquistada (seja por sua fama, carreira, escolaridade, etc.) perante os usuários dessas plataformas, tendem a conseguir o aval dessas pessoas para influenciá-las e induzi-las. Tais impactos comportamentais são possíveis de serem medidos, inclusive, em métricas em tempo real.
Ressalta-se que tal movimento de massa não é à toa. Ele segue uma lógica decorrente da própria arquitetura das plataformas que utiliza os dados de cada pessoa para direcionar conteúdos, buscando moldar seus pensamentos e comportamentos. Assim, tal movimento deve ser observado dentro da lógica do chamado “capitalismo de vigilância”, conceito cunhado por Shoshana Zuboff. Ele traduziria um novo estágio do capitalismo, em que a coleta massiva de dados a todo momento é utilizada para direcionar interações, desejos e comportamentos.
Dessa forma, tendo em vista que essa questão estrutural do sistema em que as redes sociais estão inseridas diz respeito à modulação comportamental dos seus usuários, não é possível descolá-la da análise dos movimentos em massa. Atualmente, os desenhos e as formas de funcionamento das plataformas são construídos a fim de incentivar o tempo de tela, as interações e o consumo de produtos e experiências oferecidos pelos clientes dessas companhias.
É sempre importante lembrar que é muito possível que o conteúdo acessado/visualizado/curtido “gratuitamente” pelos usuários tenha sido financiado por alguém, a fim de buscar moldar seu comportamento, apesar de tal informação ser, geralmente, oculta para o público em geral. O alcance em massa oferecido por essas plataformas dificilmente é gratuito. Logo, movimentos em massa em redes sociais, geralmente, têm um preço.
Da mesma forma que são gerados padrões de comportamento de consumo na era do capitalismo de vigilância, pode-se dizer que também estão sendo gerados padrões de operações no MVM, decorrentes do uso das redes sociais. Isso porque, elas são utilizadas como meios para a estruturação de padrões comportamentais de forma generalizada, inclusive em escala global. Logo, os mercados de ações não ficariam fora da influência de tal fenômeno.
Adicionalmente, alerta-se para o fato de que as redes sociais podem vir a ser utilizadas como instrumentos para a manipulação e fraudes, uma vez que participantes podem publicar informações enganosas sobre suas opiniões e recomendações sobre determinados ativos, ao mesmo tempo em que, na verdade, se comportam de forma contrária, no MVM, em relação ao que reportam em tais redes. Em muitos casos, as pessoas tentam se valer de eventuais efeitos de movimentos de massa que tais plataformas são capazes de gerar, buscando se antecipar a demandas que elas próprias buscam criar, tornando-se verdadeiras profetas de profecias autorrealizáveis, dependendo do número de pessoas que acompanham e endossam seus direcionamentos.
A influência das redes sociais sobre os investidores de varejo surgiu como um tema comum em pesquisas realizadas pela IOSCO com os seus membros. Embora as redes sociais possam oferecer certas vantagens para eles, como melhor acesso e disseminação de informações, incluindo educação financeira, elas também apresentam diversos riscos, como os relacionados à propagação de esquemas, à oferta de instrumentos de investimentos inadequados aos seus respectivos perfis, dentre outros. A falta de supervisão regulatória em certos casos pode contribuir para exacerbar os potenciais riscos. Tomando tudo isso em consideração, esses riscos podem criar um ambiente onde os investidores de varejo podem incorrer em perdas.
O principal alerta que se faz para pessoas que utilizam as redes sociais para as suas decisões de investimento diz respeito à necessidade de análise quanto à efetiva motivação de determinada publicação acessada nessas plataformas. Em um quadro de comunicação hierarquizada e de falta de transparência, corre-se o risco de muitas pessoas acabarem se transformando em massa de manobra, sem se darem conta disso.
Assim, sob discursos que defendam um suposto “empoderamento” financeiro, é possível que diversas pessoas venham a ser induzidas e ludibriadas. Nesse contexto, alerta-se para a necessidade da busca pelo desenvolvimento de um real senso crítico dos investidores, sobretudo pessoas naturais, face os conteúdos acessados e consumidos nas redes sociais, em um cenário cada vez maior de modulação comportamental.
Júlia Dantas Saavedra
é Advogada, Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Foi visiting scholar no Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law, em Heidelberg, na Alemanha, tendo recebido Grant Fellowship da Max-Planck-Society e Bolsa de Excelência FGV Direito Rio – Max Planck Institute. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Vencedora do XVII Prêmio ANBIMA de Mercado de Capitais e do XIII Prêmio Imprensa de Educação ao Investidor do Comitê Consultivo de Educação da Comissão de Valores Mobiliários, na categoria revista.
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