Como a diversidade nos Conselhos pode beneficiar o desempenho das companhias tanto em setores públicos como privados? Com a evolução do papel dos Conselhos de Administração no planejamento estratégico e direcionamento das empresas nos últimos anos, tanto em setores públicos como nos privados, surgem também novos desafios de gerenciamento de riscos e geração de oportunidades, incluindo temas como cibersegurança e inteligência artificial.
Com a transformação das companhias através da tecnologia e demandas por compromisso com a sustentabilidade e integridade, a corrida está cada vez mais acirrada entre as companhias por acesso a capital e novos investidores. Por outro lado, há um aumento de expectativa dos acionistas e maior atuação dos stakeholders com relação ao desempenho dos conselheiros.
É neste sentido que a composição com diversidade de perfis para a melhor tomada de decisão surge como forma de potencializar discussões, ampliando a análise de temas com distintos pontos de vista, com mais profundidade e com a possibilidade de enriquecer o processo de convencimento e formação de opinião de cada conselheiro, na busca de competitividade e melhores resultados nas instituições.
O avanço das estruturas de governança corporativa encontra eco não somente no ambiente brasileiro, mas também está na pauta de investidores e acionistas do mundo todo. Para melhor compreensão do cenário internacional, o Reino Unido já utiliza o modelo “pratique ou explique” há alguns anos a fim de jogar luz ao tema, e os Estados Unidos, na mesma esteira, têm evoluído no tema de diversidade e inclusão. Estes países são referência em melhores práticas de governança, inspirando o Brasil para a construção de companhias mais diversas, iniciando com a diversidade de gênero.
No caso do Reino Unido, o FCA (Financial Conduct Authority) estabeleceu regra na qual os conselhos de administração devem ter o mínimo de 40% de mulheres em sua composição e um integrante considerado não-branco, além de ter a obrigatoriedade de manter em sua liderança pelo menos um membro diverso.
A Nasdaq, segunda maior bolsa de valores dos Estados Unidos, que inclui gigantes da tecnologia, definiu já em 2021, com o aval da SEC – Comissão de Valores Mobiliários americana - propostas de diversidade obrigatórias a companhias listadas, com o objetivo de melhorar a visibilidade dos indicadores e encorajar a adesão de outras empresas como meio de solução ofertada pelo mercado de capitais. Dentre as propostas estão a inclusão de ao menos uma mulher no Conselho de Administração ou indicação de uma categoria sub-representada. Caso não seja atendida a demanda, a companhia deverá explicar o não atendimento e eventual plano para cumprimento da proposta.
Quando a pauta envolve temas mais técnicos, como privacidade, proteção de dados e cibersegurança, conforme pesquisa realizada pela International Association of Privacy Professionals (IAPP), é interessante observar que países europeus, assim como Estados Unidos, Nova Zelândia e Canadá têm liderado na escolha de lideranças femininas para Autoridades e Conselhos, enquanto que países Asiáticos, Africanos e Latino-Americanos, incluindo o Brasil, o predomínio ainda é masculino.
Diante das barreiras enfrentadas no tema de diversidade, alguns movimentos começam a trazer novos horizontes no Brasil e um deles é a recente emissão pela Bolsa de Valores B3 de um ofício que trata, entre outros assuntos, de medidas afirmativas para inclusão de gênero e comunidades sub-representadas na alta liderança das empresas, ou seja, nos Conselhos de Administração e diretorias estatutárias das companhias. Após um período de audiência pública, com a coleta de mais de 250 colaborações, a proposta foi aprovada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para que seja estimulada a adesão e prática entre as principais lideranças das companhias listadas.
Como ponto de destaque é importante ressaltar que há prazo de adaptação, assim como houve no mercado de capitais americano, considerando o cumprimento integral da regra a partir de 2026, com processo em fases. Outro aspecto importante é que a diversidade de gênero com inclusão de uma mulher e um membro de comunidades sub-representadas não pode ser cumulada no mesmo cargo, ou seja, a presença de cada um dos perfis é mandatória.
Na mesma linha do “pratique ou explique”, que visa introduzir mais transparência e acesso a informações aos investidores e à sociedade civil, a intenção não é impor sanções, mas sim gerar conscientização. Com os desafios atuais de uma agenda ESG mais focada, a participação efetiva de stakeholders e introdução de tecnologia e inteligência artificial como aspecto de principal preocupação nas pautas dos Conselhos ao redor do mundo, seja para manter os negócios em andamento ou mesmo para gerar diferencial competitivo, a diversidade contribui de forma efetiva para as recentes discussões sobre ética e uso adequado de ferramentas tecnológicas, por exemplo, considerando o contexto de cada local e setor de operação.
E até aqui falamos de ambientes corporativos, mas é dever do Estado também praticar a diversidade e paridade de gênero em seus órgãos colegiados para que possa propagar em políticas públicas e apoio na construção de leis e normas, além da fiscalização de seu cumprimento, este mesmo olhar e benefício, evitando vieses e decisões com visão limitada de riscos pela ausência de diversidade nas suas autarquias, conselhos e órgãos de decisão.
Diante disso, temos claro que o conjunto de boas práticas de governança corporativa com foco na pluralidade traz um ganho para toda a sociedade, enriquece o debate, amplia o diálogo, torna o ambiente mais inclusivo, , visa trazer além de mais transparência aos investidores, benefícios que geram valor ao ambiente corporativo privado, estendendo-se também ao setor público, com adesão da prática de diversidade e representatividade de gênero em seus órgãos de deliberação, em especial no Poder Executivo e em instituições representativas da sociedade civil.
Patricia Peck
é CEO, sócia fundadora do Peck Advogados; Conselheira Titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD); e Professora de Direito Digital da ESPM.
patriciapeck@peckadv.com.br
Leticia Málaga
é sócia do Peck Advogados.
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