Retomada da confiança está em jogo
O mercado espera ver, para crer, se a nova equipe econômica terá autonomia e o necessário apoio político para recolocar a economia brasileira na trajetória de crescimento.
Após se reeleger com 51,6% dos votos, em uma das mais disputadas eleições presidenciais de nossa história, Dilma Rousseff tem em seu segundo mandato a imprescindível missão de reconquistar a confiança entre o governo, empresários e investidores, além de evitar queda na nota de crédito do Brasil pelas agências de rating. Logo a partir do resultado do pleito, a expectativa da nação estava focada nos nomes que comporiam a equipe econômica. A demora na definição e uma série de especulações sobre as possíveis indicações alimentaram ainda mais as incertezas e geraram acentuada volatilidade na bolsa e no câmbio.
Para o Ministério da Fazenda foram ventilados seis nomes - Alexandre Tombini, o presidente do Banco Central; Jaques Wagner, governador da Bahia (PT); Nelson Barbosa, que foi secretário executivo do ministério; Aloizio Mercadante (PT), ministro da Casa Civil; Henrique Meirelles, ex-presidente do BC, e até Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. Porém, foi escolhido um sétimo nome, fora da lista inicial, a partir da recusa de Trabuco: Joaquim Levy, engenheiro naval e PhD em Economia, que deixou o posto de diretor superintendente da Bradesco Asset Management (Bram) para assumir a responsabilidade de orquestrar a retomada da economia do país. Levy foi secretário do Tesouro Nacional no primeiro mandato do governo Lula e também havia atuado no último mandato do tucano FHC como secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda e, depois, como economista-chefe do Ministério do Planejamento. A presidente Dilma Rousseff dicidiu pela manutenção de Alexandre Tombini no Banco Central e nomeou Nelson Barbosa para conduzir o Ministério do Planejamento.
Com intuito de baixar o grau de ansiedade do empresariado e do mercado financeiro, em seu primeiro pronunciamento, Joaquim Levy adiantou alguns planos. A meta de superávit primário em 2015 será de 1,2% do PIB e não será menor de 2% ao ano em 2016 e 2017. “Há compromisso absoluto da presidente de que metas sejam cumpridas”, ressaltou Levy. De janeiro a outubro, o setor público acumula um déficit R$ 11,5 bilhões, pior resultado desde 1997. A redução da relação dívida bruta como percentual do PIB será componente importante para recolocar a inflação no centro da meta de 4,5%. No acumulado de doze meses até outubro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 6,59%, acima do teto estabelecido (6,5%).
Levy também acenou que será interrompida a política de repasses do Tesouro Nacional aos bancos federais. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, indicou trajetória de alta da Selic para conter a inflação e enfatizou que não elevará a oferta de proteção cambial além dos US$ 105,4 bilhões já injetados. “Entendemos que o estoque de swaps atende a demanda”, disse Tombini. Por sua vez, Nelson Barbosa que assumirá a pasta do Planejamento também defendeu a austeridade fiscal e o ganho de eficiência. “Trabalharei em medidas para aumentar a taxa de investimento e produtividade”, afirmou.
Agora, o mercado quer ver para crer. São muitos obstáculos a serem superados pelo “trio da economia” nesse caminho entre o discurso e a prática. “A nomeação de Joaquim Levy só surtirá o efeito necessário se a presidente lhe der autonomia e respaldar medidas efetivas de ajuste fiscal”, destaca Bolívar Lamounier, cientista político e sócio-diretor da Augurium Consultoria. Segundo ele, isso significa que Dilma Rousseff terá que enfrentar uma ala do PT e a corrente de pensamento que se auto-intitula desenvolvimentista. O discurso contraditório da presidente - antes e pós-eleições, tem causado atrito. Luiz Gonzaga Belluzzo, conselheiro econômico de Dilma, encabeça o “Manifesto em defesa do programa vitorioso nas urnas” de intelectuais e militantes de esquerda contra a nomeação de Joaquim Levy e a cotação da senadora Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura. De acordo com o documento, a política econômica será a mesma defendida pela oposição. A petição online tem quase 4 mil assinaturas. O próprio senador e presidente do PSDB, Aécio Neves, divulgou uma nota na qual afirmou que os nomes da equipe econômica não condizem com o que foi prometido por Dilma durante a campanha eleitoral. “As contradições, cada vez maiores, da presidente sinalizam um governo sem planejamento, que não sabe a direção que vai tomar”, criticou Aécio. O discurso dos novos ministros, conforme ele, contraria todas as teses defendidas pelo PT.
“Joaquim Levy é um exército de um homem só. Me parece improvável que um único sujeito possa representar uma mudança dramática na condução da economia em meio a um governo inteiro que pensa diferente dele”, avalia Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus, casa de análises independente. De acordo com o economista, Levy deverá enfrentar resistências dentro e de fora do governo. Ele destaca que o PT e sua base de apoio, ao longo das eleições, fizeram pesadas críticas ao possível nome para a Fazenda caso Aécio vencesse, que era o de Armínio Fraga. Para Miranda, a Esquerda que votou na Dilma dizia que Fraga era o homem do corte de gastos e do arrocho salarial, mas Levy pode ser considerado mais à Direita do que ele. Armínio é doutor em Economia pela Universidade Princeton (EUA), atuou no Banco Mundial e é historicamente ligado ao mega-investidor George Soros, um dos grandes financiadores do Partido Democrata nos Estados Unidos. Já Levy é doutor em Economia pela Universidade de Chicago e atuou no Fundo Monetário Internacional (FMI). “Pode dar certo, mas há o risco de que a nova composição do governo se esfarele logo no início”, comenta Felipe Miranda da Empiricus.
Para acalmar os ânimos e demonstrar consistência, Levy e Nelson Barbosa frisaram que o trabalho a ser realizado é compatível com os programas sociais. “A continuidade dos processos de inclusão social depende de estabilidade da inflação, do crescimento da economia – que depende da confiança e da manutenção fiscal e monetária. Acho que as duas coisas (medidas de ajuste e manutenção dos programas sociais) não são contraditórias, porque todo o processo social inclui recuperação do crescimento e do governo produzir resultado primário”, comentou Barbosa. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, chegou a negar as acusações contra o posicionamento de Dilma Rousseff. “É evidente que ao aceitar ser ministro, ele (Levy) está aderindo a esse projeto, à filosofia econômica desse projeto”, afirmou. Em defesa da indicação, ele reforçou a boa atuação de Joaquim Levy no Tesouro Nacional no governo Lula. “Ele fez parte de um processo vitorioso da economia.”
No entanto, há especialistas que criticam um outro fator de incoerência. “Ao mesmo tempo em que nomeia Levy, Dilma Rousseff confronta as bases jurídicas da disciplina fiscal”, ressalta Bolívar Lamounier. O governo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei que flexibiliza a meta fiscal do setor público. O texto que deve ser votado elimina o limite de R$ 67 bilhões para o abatimento das desonerações tributárias e dos investimentos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Como os abatimentos serão maiores, será possível cumprir a meta mesmo se o resultado das contas públicas for deficitário. “Esse projeto que visa acabar com a meta é ruim do ponto de vista institucional, não condiz com um governo que vai continuar e que precisa de credibilidade”, diz Solange Srour é economista-chefe da ARX Investimentos do BNY Mellon. Por esse motivo, ela avalia que o novo ministro da Fazenda terá ainda mais trabalho para demonstrar a seriedade do governo no cumprimento das regras. Entretanto, conforme a economista, o objetivo de superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 é factível. Embora modesto, representa o início de um processo gradual e importante no acerto das contas. “Mas o ideal para a estabilização da relação dívida/PIB, com conforto, seria uma meta de superávit primário de 3%, o que é praticamente impossível em uma economia que não avança”, ressalta Solange Srour.
A atuação do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, no segundo governo Dilma será posta à prova, segundo analistas. “Ele foi subserviente ao Planalto e não perseguiu o centro da meta da inflação, não fez um bom trabalho”, critica Felipe Miranda. “Avalio que o mercado não gostou muito do desempenho do Tombini. A atuação dele pode ser considerada, no máximo, neutra”, acrescenta André Rocha, analista de investimentos que conduz o blog “O Estrategista”. Mas, segundo ele, diante do tímido crescimento da economia, sinalização de novas altas da Selic e ajuste fiscal, a inflação deverá regredir.
Para colocar em andamento diversas medidas e reformas necessárias, Dilma Rousseff enfrentará também uma oposição mais fortalecida, após a disputa apertada com Aécio Neves. “A presidente terá que lidar também com as demandas das metrópoles azuladas (com maioria de votos no Aécio)”, comentou Maria Cristina Fernandes, editora de Política do Valor Econômico.
Petrobras depreciada: reversão?
A corrupção é outra causa de desconfiança ao governo dentro e fora do Brasil, principalmente com o escândalo que veio à tona envolvendo a Petrobras. “É preciso levar a fundo as investigações, punir os culpados e colocar profissionais que tenham credibilidade nos postos chaves da companhia”, afirma Milton Luiz Milioni, analista de investimentos.
Mas o cenário é de muita incerteza. “Ainda não é possível saber a dimensão do arrastão na política e na economia com os desdobramentos da Operação Lava Jato da Polícia Federal”, disse Cláudia Safatle, diretora adjunta de redação do jornal Valor Econômico em Brasília. Ela lembrou que a estatal representa mais de 5% do PIB e é a maior demandadora de serviços do país. “A Petrobras terá dificuldades para captar recursos para financiar seu ambicioso plano de investimentos”, comentou. A companhia também está com alto nível de endividamento e precisa fazer a rolagem. “Sem o balanço auditado essas negociações ficam difíceis”, completa o analista André Rocha.
No exterior, a Securities and Exchange Commission (SEC), a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, está investigando a Petrobras, o que poderá implicar em severas e “salgadas” penalidades. “As investigações ocorrem pelo fato da Petrobras ter prejudicado acionistas minoritários norte-americanos, inclusive fundos de pensão”, destaca Bolívar Lamounier.
Com inúmeras denúncias de corrupção e com seu modelo de gestão criticado no mercado financeiro, a Petrobras foi a empresa que mais perdeu valor na bolsa durante o governo Dilma Rousseff, segundo levantamento da consultoria Economática. O estudo refere-se ao valor nominal (não considera a inflação) de mercado de 272 companhias negociadas BM&FBovespa entre em 31 de dezembro 2010 e 24 de novembro de 2014. Nesse período, o valor da Petrobras caiu dramaticamente, de R$ 380,2 bilhões para R$ 179,6 bilhões.
“Ao segurar os reajustes dos combustíveis por muito tempo, a empresa importava derivados de petróleo por preços elevados e acabava gerando caixa negativo na distribuição, aumentando o endividamento”, explica André Rocha sobre a criticada ingerência do governo federal que prejudicou a companhia.
Para Paulo Esteves, analista-chefe da Gradual Investimentos, devido ao grande porte da Petrobras, os escândalos tendem a contaminar o mercado de capitais. “Os desdobramentos desse caso podem encarecer, inclusive, o custo de captação de outras empresas brasileiras, o que é prejudicial em uma situação que está se criando de menor liquidez internacional de recursos”, ressalta Esteves.
Economia devagar e ajustes em 2015
O PIB deverá fechar 2014 com um avanço ínfimo de 0,19%, segundo relatório Focus, divulgado pelo Banco Central no início de dezembro. Pelo levantamento, a inflação ficará em 6,43%, perto do teto, e a Selic em 11,5%. Há um ano e meio, a maioria dos analistas acreditava que o PIB poderia crescer cerca de 4% em 2014, mas a decepção foi grande.
Este ano foi marcado pela alta volatilidade na bolsa e, também, pelo compasso de espera. As ofertas iniciais de ações (IPOs) ficaram retidas, mesmo com diversas empresas na fila, preparadas para lançar suas operações. O único lançamento registrado foi da Ourofino, especializada em produtos veterinários, no mês de outubro. A desaceleração da economia não motivou as organizações a realizarem investimentos. Mas de acordo com o analista Milton Luiz Milioni o mercado de capitais vive uma crise de confiança em relação às regras vigentes. Somente a recuperação da credibilidade trará um movimento virtuoso. “As empresas não realizaram IPOs este ano porque o custo do capital é muito alto. O acionista exige uma remuneração adicional pelo risco. Quando o risco diminuir, as empresas vão abrir capital para financiar o desenvolvimento”, destaca. Segundo ele, o mercado de capitais precisa ser fortalecido nos próximos anos. Hoje, as empresas listadas em bolsa não representam a economia brasileira em seu tamanho e leque de setores.
Contudo, a situação seguirá desafiadora e com necessidade de muitas mudanças na agenda. Um estudo do Bank of America Merrill Lynch indica que 2015 será um ano de ajustes fiscais no Brasil com objetivo de evitar a perda do grau de investimento. O banco prevê que a economia crescerá cerca de 1% no próximo ano, com inflação de 6,2% pela pressão dos reajustes nas tarifas dos transportes públicos, da energia elétrica e da gasolina. A Selic será de 12%. As previsões são um pouco mais otimistas do que o boletim Focus no qual os analistas projetam aumento de somente 0,77% na atividade econômica e inflação de 7,2%, ainda mais elevada. Para a Arx Investimentos do BNY Mellon, o PIB brasileiro terá um incremento de somente 0,5% em 2015, com inflação ainda perto do teto.
O documento Bank of America Merrill Lynch também aponta prováveis aumentos de impostos. Dentre as possíveis medidas, o fim dos cortes de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a volta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina e até uma opção mais complicada de ser aprovada devido ao Congresso fragmentado que é o retorno da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). O relatório indica ainda que as concessões serão fundamentais para a redução dos gargalos logísticos.
“Claramente, o modelo de estímulo ao consumo sem favorecer a produção está esgotado”, afirma Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria Empresarial e comentarista do programa Manhattan Connection. Ele defende que o governo foque na simplificação da legislação tributária, na reforma das leis trabalhistas, nos investimentos em infraestrutura e na qualidade da educação, ou seja, em uma consistente melhoria do ambiente de negócios. “A própria presidente Dilma já reconheceu a necessidade de mudança”, diz Amorim.
O jornalista Michael Reid, colunista da revista The Economist, lançou um livro com o título “A ascensão conturbada de uma potência global” (The troubled rise of a global power). No livro, ele conta que a economia brasileira, na história recente, vive em um “cabo de guerra” entre a esperança e o desapontamento. A revista britânica, em novembro de 2009, estampou em sua capa a “emblemática” imagem do Cristo Redentor decolando do pico do Corcovado com o título “O Brasil decola”. A matéria abordava o potencial energético do país, o crescimento do setor de agronegócios e a boa condução da gestão macroeconômica com elogios ao então presidente do BC, Henrique Meirelles. Em setembro de 2013, a mesma publicação, uma das mais importantes do mundo, destacou as dúvidas sobre a decolagem: "O Brasil estragou tudo?". Na capa, o Cristo apareceu caindo, depois de fazer um vôo torto pelos céus. Michael Reid, em seu livro, reconhece a importância do avanço da classe C e dá o devido mérito a todas as conquistas partir dos programas sociais mas analisa os fatores que levaram à decepção, entre eles, as excessivas intervenções do Estado, controle de preços, leniência no combate à inflação e a não realização de reformas importantes como a trabalhista e a previdenciária. Ele menciona ainda a baixa poupança doméstica e insuficiente taxa de investimentos como porcentagem do PIB. Para Reid, esses aspectos devem ser endereçados para que o Brasil alce vôo. È esperar para ver...