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O amadurecimento de nosso mercado de capitais apresenta situações novas, exigindo sempre instigantes reflexões. Dentre as novéis situações jurídicas que nos são apresentadas, a dos Conselheiros de Administração Representantes dos Empregados está a merecer melhor análise.
É sabido que durante as privatizações federais realizadas nos anos 90 constou dos competentes editais a previsão de que as companhias privatizadas deveriam contemplar a figura do Conselheiro de Administração indicado pelos seus empregados. Posteriormente, em 2001 a Lei das S/A foi alterada para contemplar a faculdade das companhias preverem em seu estatuto “a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os representem”. Em 2010, a existência desse administrador tornou-se obrigatória para todas as empresas públicas e sociedades de economia mista federais.
Um dos aspectos que merece reflexão diz respeito aos deveres desses conselheiros, considerando os diversos interesses envolvidos nas atividades por ele desenvolvidas. Sendo o conselheiro “representante” dos empregados, os interesses destes devem ser considerados no exercício do seu cargo. Sendo o conselheiro também empregado da empresa, há duas ordens de responsabilidades a serem atendidas: as relativas a administrador e aquelas decorrentes da relação de emprego. O assunto torna-se ainda mais complexo se o mesmo profissional, além de empregado e conselheiro, for sindicalista. Neste caso, o profissional veste três camisas: a de Conselheiro de Administração, a de empregado e a de sindicalista. Alguma delas sobrepõe às demais? É possível vestir uma e desvencilhar das outras?
Das três posições, entendemos que a “camisa de conselheiro” sobressai diante das outras duas. Como administrador, o conselheiro deve ter como parâmetro exclusivo de sua conduta o interesse social, ou seja, o interesse da sociedade empresária: buscar sua perenidade e a eficiência em suas atividades. Estes são os maiores deveres de todo o administrador.
Nessa linha, o regramento jurídico impõe ao administrador deveres fiduciários de agir com lealdade e diligência, evitando situações de conflito de interesse. Dúvida alguma pode existir com relação ao dever de lealdade que todo e qualquer administrador deve atender, inclusive o Conselheiro de Administração indicado pelos empregados, em buscar a satisfação do interesse social, respeitando as diretrizes fixadas pelo Conselho de Administração, enquanto órgão colegiado do qual participa e cujas decisões são tomadas por maioria, vinculando a todos.
Convém lembrar o alcance dessas obrigações, tendo como pano de fundo os deveres básicos dos Conselheiros de Administração, quais sejam: agir de boa-fé, de forma colaborativa, transparente e agregadora, especialmente com os seus pares, integrantes do mesmo órgão colegiado, procurando sempre preservar a imagem e a boa reputação da organização.
Assim, no âmbito do órgão colegiado – no Conselho de Administração – o Conselheiro dos Empregados deve compartilhar com seus pares todas as iniciativas tomadas em defesa dos interesses dos funcionários, quer tais medidas sejam realizadas sob a camisa de empregado, quer com a de sindicalista.
Como dito acima, preservar a imagem da companhia é um dos deveres básicos do administrador, o qual deve manter reserva sobre os negócios da companhia. Em outras palavras, informações obtidas enquanto administrador devem ser objeto de sigilo, especialmente aquelas consideradas relevantes para o mercado ou para a preservação do interesse social.
Regra geral as companhias com boas práticas de governança corporativa possuem uma série de regramentos internos, tais como regimentos internos, políticas, diretrizes, código de conduta..., além de adotar um ou mais canais de denúncia ou de comunicação, quer para a utilização dos agentes internos ou dos externos. Esse conjunto de normas vincula todos os administradores da sociedade, inclusive o Conselheiro dos Empregados. Caso o presidente do Conselho de Administração tenha a atribuição de ser o facilitador da interação do Conselho ou do Conselheiro de Administração com a Diretoria, deve o Conselheiro dos Empregados atender a esse procedimento, evitando contatos diretos com a gestão. Na mesma linha, não pode esse profissional se arvorar a ser o Ouvidor da organização, criando um canal de denúncia paralelo ao institucional, para receber denúncias ou reclamações. O “canal de denúncias oficial” da organização deve ser o único a ser utilizado.
Para preservar a imagem da corporação, devem os Conselheiros de Administração agir com cuidado, diligência, tomando as decisões de forma fundamentada, informada, refletida e independente, buscando sempre a satisfação do interesse social. Lembrando que o Conselheiro de Administração não representa a companhia, não deve ele tecer, publicamente, considerações a seu respeito, tampouco das suas políticas ou decisões. Sob este aspecto, recomenda-se que toda a organização tenha uma Política de Porta Vozes.
Ademais, os Conselheiros de Administração não devem se aproveitar indevidamente dos bens sociais, dos instrumentos de comunicação e de integração com a companhia (email, intranet ...), colocados à sua disposição para que possam bem desempenhar suas atribuições. De outra forma, tais instrumentos não devem ser utilizados com o propósito sindicalista.
As atividades sindicais não podem sob qualquer pretexto sobrepor ao cumprimento dos deveres fiduciários do Conselheiro dos Empregados, com destaque no que se refere à obrigação de preservação da boa imagem da companhia e a proteção da informação recebida em razão do cargo de administrador, lembrando que a atividade do conselheiro deve ser, sempre que possível, a de conciliador de interesses. Sob esse aspecto, não vemos com bons olhos as atitudes que tenham por base o discurso da disputa entre capital e trabalho: ambos são fatores indispensáveis ao processo produtivo e ao desenvolvimento das organizações empresárias, devendo-se buscar a integração dos trabalhadores na vida e no desenvolvimento da empresa.
Se de um lado a presença de representante de empregados no Conselho de Administração vem ao encontro da diversidade recomendada aos partícipes desse importante órgão social, um dos pilares da governança das organizações, agregando novas visões aos debates e deliberações do colegiado, de outro, é fundamental que o profissional eleito tenha consciência da relevância da sua função, de modo a desempenhá-la de forma transparente, adequada e responsável. Nessa linha, o exercício dessa nobre função não deve ser confundido com o da atividade sindicalista, ainda que se constate a importância desta última, sendo de todo recomendável que o Conselheiro dos Empregados não participe da administração do competente sindicato, evitando, assim, vestir simultaneamente esta “camisa” que, algumas vezes, exige uma atitude mais combativa.
Experiências recentes evidenciam que estamos vivenciando novas situações de aprendizado a respeito do papel do Conselheiro dos Empregados. Tratando-se de companhias abertas, entendemos que a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, como órgão técnico, possa prestar sua colaboração indicando os limites de atuação desses profissionais, a forma da divulgação das suas posições ou mesmo lembrando-os dos seus deveres fiduciários.
João Laudo de Camargo
é sócio de Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados e coordenador geral do Capítulo IBGC RJ. Procurador do Estado do Rio aposentado. Ex-diretor da CVM e Ex-diretor do BNDESPAR.
jcamargo@bocater.com.br