Estatais

GOVERNANÇA NAS EMPRESAS ESTATAIS

Dois fatos - separados por mais de quatro décadas - demonstram a dificuldade de praticar Governança Corporativa em empresas estatais.

São eles:

  1. Em julho de 1971, no boom da bolsa, o ministro da Fazenda Delfim Neto determina que o aumento de capital do Banco do Brasil seja de 50%, mais uma bonificação em ações de 50%. O mercado jogava todas as suas fichas numa dobradinha 100% + 100%. Surpreendidos, investidores iniciam uma venda-pânico somente suavizada três anos depois. Típico comportamento das massas, quando descobrem que pagaram muito por muito pouco.
  2. Em abril de 2015, a presidente da Petrobrás divulga um balanço trimestral auditado, em que caracteriza um desvio de recursos para pagamento de propinas em valor superior a R$ 6 bilhões, fixa um repairment superior a R$ 44 bilhões, decorrente de superfaturamento em obras de montagem e ampliação de unidades de refino e petroquímica, e reconhece dívidas que montam a mais de R$ 300 bilhões. O valor de mercado da companhia se ressente, cai a níveis ao redor de um terço do valor patrimonial, não se recuperam, e arrastam o mercado junto consigo.

Os fatos mostram que o governante público - no caso, a União - não tem mentalidade corporativa. Cuidou de outros aspectos, mas mal se referiu aos acionistas. Nos dois casos, porém, tanto a Petrobrás agora como o Banco do Brasil em 1971 são e foram os carros-chefe do mercado de capitais, suas ações à frente das mais negociadas, sempre preponderaram na formação dos índices da bolsa. Seus preços em queda influenciam quase todo o mercado de ações, gerando um clima de desconforto e desconfiança nos investidores, além de sérios prejuízos financeiros.

Citem-se ainda outros maus exemplos de empresas estatais que prejudicaram o interesse do acionista, envolvendo episódios com a Copel, Nossa Caixa, Banco do Brasil e Celesc, além de destacar os problemas levantados na capitalização da Petrobrás em 2010.

INTERESSE PÚBLICO & CONFLITO DE INTERESSES
O Brasil não é uma exceção. Em quase todos os países existem companhias estatais, e em diversos deles essas companhias pertencem ao governo, mas se organizam como sociedades por ações, e aceitam a participação de acionistas particulares. O investidor em ações dessas companhias deve ter presente que sua operação sempre pode ser influenciada por atos da federação.

Estas particularidades da companhia estatal evidenciam que seu desempenho é orientado pela supremacia do interesse público sobre o privado, e seus administradores não a chefiam segundo os melhores princípios de administração, mas segundo a letra da lei, como está explícito no art. 37 da Constituição Federal. 

Com informações colhidas em atos societários, as estatais alertam acionistas para prejuízos que podem ser causados pela ingerência política do controlador (a União) nas empresas:

  • Na Petrobrás: “o governo brasileiro, na qualidade de acionista controlador, poderá exigir o alcance de certas metas macroeconômicas e sociais que poderão ter um impacto negativo nos resultados operacionais e posição financeira”.
  • Na Eletrobrás: “A Eletrobrás não pode assegurar que não será penalizada pela ANEEL na violação de seus contratos de concessão ou que suas concessões não serão canceladas futuramente”. 

O interesse público representa uma severa limitação ao que se convencionou chamar de boas práticas de governança corporativa, já que o acionista particular deve submeter-se, a qualquer momento, a esse interesse. Nessas empresas, as assembleias de acionistas têm, quase sempre, caráter apenas decorativo.

O presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, Leonardo Pereira, declarou, em entrevista na época da redução das tarifas de energia, que “o governo, quando tem participação em sociedades como a Eletrobrás, tem alguns direitos e pode tomar certas decisões".

Para o governo, foi do "interesse público" colocar em prática uma política para o setor elétrico, mesmo que a custo de perdas impostas às empresas concessionárias, entre as quais a Eletrobrás. Essa política resultou em queda das tarifas de energia, como quis o governo, em busca de prestígio, com o resultado final que apenas agora conhecemos.

ABRINDO A DISCUSSÃO
A União precisa da companhia que o mercado ajudou a capitalizar ao participar dela como acionista, mas é descuidada com o seu desempenho no mercado de ações, ao mesmo tempo em que é exigente ao subordinar a administração dessa empresa às diversas repartições apontadas neste texto.

Adicionalmente, a União impede qualquer possibilidade de algum investidor disputar-lhe o controle da companhia, que é uma das características dos mercados acionários mais importantes, onde apenas ações ordinárias são negociadas.

Este impedimento me leva - utopicamente, claro! - a afirmar que a União não deve ter ações de suas empresas submetidas à cotação em mercados organizados, e as companhias não devem ser listadas em bolsa de valores, nem ter ações oferecidas em mercados organizados. O governo tem possibilidades ilimitadas de obter capital para suas empresas nos mercados de crédito local, como já fez diversas vezes.

Já que minha posição não é viável, ao menos as bolsas deviam evitar que ações de companhias estatais compusessem os portfólios de seus índices, já que a experiência de mais de 47 anos demonstrou como essas ações influenciam – às vezes desastradamente – o comportamento dos indicadores de mercado.

ESTRUTURA OFICIAL DAS COMPANHIAS ESTATAIS
A empresa estatal é um bem patrimonial da União. Pertencem ainda à União, entre outros, os recursos minerais, incluindo os do subsolo. Em muitos casos, estes recursos são objeto de exploração pelas empresas estatais, como a Petrobrás e a Eletrobrás.

A União é representada, na administração das empresas públicas e estatais, por diferentes instrumentos de controle e desempenho:

  • No Ministério da Fazenda, pela CGPAR - Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (governança corporativa nas empresas estatais federais e administração de participações societárias da União). Três ministros representam essa Comissão: do Planejamento, da Fazenda e da Casa Civil da Presidência da República;
  • No Ministério da Fazenda, pela COPAR – Coordenação Geral de Participações Societárias (administração dos valores mobiliários representativos de participações da União e seus respectivos rendimentos e direitos);
  • No Ministério do Planejamento, pelo DEST - Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (políticas e diretrizes);
  • No Ministério onde está locada (diretrizes). Exemplos: Petrobrás e Eletrobrás pertencem ao Ministério das Minas e Energia, o BNDES ao Ministério do Desenvolvimento, a Embrapa ao Ministério da Agricultura.

Compete aos dirigentes de órgãos da administração pública federal e aos representantes da União, nos conselhos de administração e fiscal dessas empresas, adotar as medidas necessárias à observância das diretrizes e estratégias da CGPAR.

O Procurador Geral da Fazenda Nacional, pessoalmente ou por representante nomeado, participa das assembleias de acionistas e deliberações de sócios das sociedades controladas diretamente pela União.

Quando são companhias estatais com participação acionária de particulares, elas ainda se submetem no Brasil à legislação da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, e às normas da bolsa de valores quando são empresas listadas, com ações negociadas. Por fim, quando são admitidas à negociação em bolsas estrangeiras, com ações ou depositary receipts, obedecem às legislações dos países-sede dessas bolsas. Tanto Petrobrás quanto Eletrobrás são negociadas nas bolsas de valores de Nova York (NYSE) e Madrid (Latibex). A Petrobrás informou recentemente ter cerca de 800 mil acionistas, e há uma estimativa de que 200 mil tenham negociado suas participações nas bolsas estrangeiras.

 

Luiz Fernando Rudge
é consultor financeiro, foi editor de Economia e Finanças do jornal Folha de S. Paulo e do jornal “Investimento”, da Gazeta Mercantil; e autor de livros sobre mercado financeiro, mercado do ouro e dicionário de finanças.
rudge@enfin.com.br


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