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A prática de Insider Trading (obtenção de vantagens a partir da negociação de ações com base em informações privilegiadas), está deixando de ser percebida, pelos agentes do mercado, como um crime sem castigo no Brasil, como acontecia há quatro anos quando a Revista RI abordou o assunto. Apesar disso, ainda não diminuiu a percepção de que há mais casos de insider no mercado brasileiro do que se consegue identificar, investigar e punir.
Ao contrário do que possa parecer, as percepções não são contraditórias. Significam que ao mesmo tempo em que se reconhece os avanços na legislação e os esforços das autoridades competentes para punir o insider trader, permanece o fato de que as inúmeras possibilidades de negociação que os mercados comportam tornam difícil a identificação desse tipo de ilícito, em qualquer país. Além disso, existe a questão de que muitas mudanças são recentes e precisam de mais tempo para que seu alcance seja devidamente avaliado.
Entre as mudanças mais relevantes, agentes do mercado apontam a lei 13.506/17, que ampliou o tipo penal – agora qualquer pessoa que use informação privilegiada pode ser punida e ir para a cadeia – e ainda, a parceria da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) com o MPF (Ministério Público Federal), que ampliou o foco dos reguladores no combate a crimes no mercado de capitais.
O maior protagonismo da CVM no combate aos crimes contra o mercado de capitais, deveu-se a um incremento de suas atividades, sobretudo a partir de 2014. Segundo Marcelo Barbosa, presidente da CVM, houve um aperfeiçoamento de sistemas e mecanismos de controle e enforcement, que ganhou força em dezembro de 2014 com a criação de um grupo de trabalho interno para o estudo do insider, que contribuiu para elevar a capacidade e a efetividade da CVM na supervisão e na punição desse ilícito.
Nos últimos anos, também houve um esforço de otimização do trabalho sancionador da CVM. Como exemplo o presidente da CVM cita a redução do tempo de tramitação dos processos instaurados até seu julgamento pelo Colegiado, inclusive aqueles envolvendo insider trading.
“Com isso, ocorreu significativo ganho em celeridade processual. A rápida resposta do regulador, com a efetiva punição dos infratores, é o maior ganho que o mercado pode ter. Ganha-se do ponto de vista preventivo e do corretivo. De todo modo, sempre há espaço para melhorias. E vamos continuar a trabalhar nesse sentido”, afirma Barbosa
Conforme balanço feito pela autarquia, dedeo início de 2014, foram instaurados 38 Processos Administrativos Sancionadores (PAS) envolvendo uso indevido de informação privilegiada. No período foram julgados 26 processos que totalizavam 64 acusações. Foram aplicadas 30 multas, as quais chegaram a 3 vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada, e houve 34 absolvições.
Na parceria com o Ministério Público, o balanço mostra que em 2017, foram feitas 76 comunicações ao MPF comparadas a 54 realizadas em 2016. Desse total, foram efetuadas no ano passado 12 comunicações envolvendo uso indevido de informação privilegiada, incluídos nesse número os casos em que se negociou nos chamados ‘períodos vedados’ previstos no §4° do art. 13 da Instrução CVM nº 358/02. Além do ilícito de insider trading, há outras condutas tipificadas como crime sob fiscalização da CVM, como a manipulação de mercado, realização de ofertas irregulares e o exercício irregular de determinadas atividades.
Quanto ao impacto de cortes de verbas destinados a autarquia pelo governo, o presidente da CVM disse que: “o aperfeiçoamento da atuação da autarquia vem sendo feito de forma gradual e contínua internamente, não tendo sido afetado por contingências externas. Seja como for, a CVM se mantém atenta às questões orçamentárias e de pessoal, problemática antiga na autarquia. Em nossos relatórios de Supervisão Baseada em Risco (SBR), que são públicos, é possível verificar as indicações e preocupações da CVM a respeito.”
Parceria questionada
De acordo com a professora Viviane Muller Prado, da FGV Direito/SP, a parceria entre a CVM e o MPF é precondição para que a esfera penal funcione. Segundo a professora, porém, ainda existem questões a respeito da parceria que precisam ser melhor avaliadas. Entre essas questões estão, por exemplo: quem faz a escolha de dar início a abertura da ação penal no MPF? e quais são as regras de não levar adiante este ou aquele caso?. “Se o caso Sadia mostra que a parceria foi muito frutífera, no caso da OGX, não ficou muito claro como foi a parceria.”
Quanto à capacidade tecnológica do regulador para identificar o ilícito, Viviane lembra que quem tem tecnologia para fazer o monitoramento do mercado é a BSM (Bolsa de Supervisão do Mercado), braço de autorregulação da B3, que é muito significativa na identificação de potenciais ilícitos. A BSM comunica todas as operações consideradas duvidosas e cabe à CVM decidir sobre a averiguação.
A utilização do Termo de Compromisso, que já foi alvo de críticas em relação a atuação da CVM, por ser considerado indutor de insegurança jurídica, agora tem uma avaliação mais positiva. Para a professora, o termo de compromisso é um instrumento interessante porque é um modo mais rápido e econômico para resolver questões que se arrastariam por muito tempo nas esferas da CVM.
Além disso, o Termo de Compromisso permite que sejam feitos acordos em que são pagos valores superiores às multas que a CVM aplicaria caso o investigado fosse considerado culpado, observa. “Com isso, ele é mais econômico para a CVM e melhor para o Tesouro que fica com o valor da multa”. O termo de compromisso põe fim ao processo administrativo sancionador, mas não impede investigação na esfera criminal.
De acordo com dados da CVM, em 2016 e 2017 foram aceitas 18 propostas de termo de compromisso relacionadas a casos envolvendo negociações em posse de informação privilegiada ainda não divulgada ao mercado. Comparando-se com os números de 2014 e 2015, houve um significativo aumento que, conforme o presidente da CVM, se deve em parte a maior celeridade dos trâmites processuais na autarquia.
Identificação do informante
Nas visões de Eli Loria, ex-diretor da CVM e Daniel Kalansky, professor do Insper e fundador e ex-presidente do IBRADEMP (Instituto Brasileiro de Direito Empresarial), sócios do escritório Loria e Kalansky Advogados, a CVM tem realizado uma forte fiscalização com relação às práticas de crimes contra o mercado de capitais.
Falando sobre avanços na atuação da autarquia, os advogados destacam o recém introduzido Acordo Administrativo em Processo de Supervisão, que está previsto na Lei 13.506/2017. “Tal espécie de acordo introduz, na prática, a leniência no âmbito da atuação da CVM, o que tem o potencial de conferir maior eficiência à função sancionadora da autarquia.”
Kalansky ressalta também a quantidade de julgamentos realizados pelo Colegiado da CVM envolvendo insider trading. “Em 2015, do total de 55 julgamentos realizados pela CVM, 9 diziam respeito a insider trading, representando cerca de 16% do total. Em 2016, do total de 62 casos julgados, 4 eram relativos ao ilícito, representando cerca de 6% do total. Já com relação a 2017, temos mais de 7 julgamentos relacionados a esse ilícito”.
Em relação a Lei 13.506/2017, porém, os advogados consideram que há pontos preocupantes. “Temos notado que a CVM tem condenado a atuação de insider com base em provas indiciárias, e temos visto a tendência de condenar o insider secundário (figura criada com a ampliação do tipo penal) sem necessidade de identificação do informante. Tal aspecto nos causa preocupação principalmente em função da criminalização do insider secundário instituído com a lei,” ressaltam os advogados.
No âmbito da identificação de insider trading, os advogados afirmam que a CVM tem pautado sua fiscalização, sobretudo, pelo acompanhamento dos movimentos ocorridos no mercado de capitais em períodos próximos à divulgação de fatos relevantes pelas companhias abertas.
Segundo Loria, diante da detecção de operações suspeitas, como por exemplo a aquisição de grande volume de ações de determinada companhia às vésperas da divulgação de uma informação relevante por parte da mesma, o corpo técnico da autarquia passa a investigar o caso, instaurando processo administrativo sancionador caso reúna número suficiente de indícios da prática do ilícito.
A atuação da autarquia adota um modelo institucional em que prevalece a segregação entre as instâncias investigativas e julgadoras. As superintendências têm plena autonomia para, a seu juízo, e de posse de informações suficientes para a formação da sua convicção, decidir pela instauração ou não de processo administrativo sancionador.
Segundo o presidente da CVM, na supervisão um dos principais focos é assegurar a simetria informacional entre os participantes do mercado. “Nesse sentido, a prevenção e o combate ao uso de informação privilegiada ocorrem por meio de várias frentes, dentre elas a fiscalização de rotina, a colaboração com reguladores de outros mercados e o contato permanente com a B3”, ressalta Marcelo Barbosa.
Revolução cultural
A preocupação em coibir práticas de insider e manipulações do mercado de modo geral não ficou restrita aos reguladores. Edmar Prado Lopes Neto, presidente do Conselho de Administração do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores), salienta que a prática também está mira das companhias. “Está havendo uma maior atenção por parte das companhias em melhorar suas práticas de governança corporativa, com maior preocupação com as questões éticas para coibir ilícito”, avalia.
Em sua avaliação, a operação Lava-Jato está puxando uma mudança cultural, levando as empresas a se estruturar cada vez mais para coibir fraudes de qualquer tipo, melhorando práticas de governança e controles de risco. “O mercado como um todo está sendo cobrado na direção de ser mais transparente, sob pena de sofrer punições”. Um exemplo foi o caso da CCR, que viu seu valor de mercado sofrer uma redução de cerca de R$ 5 bilhões, imediatamente após ter seu nome envolvido em delações dentro da Lava-Jato.
Entre as medidas para melhorar a governança das companhias, Prado Lopes destaca a instrução 586 da CVM, que exige que as companhias abertas divulguem informações sobre a adoção das práticas de governança previstas no Código Brasileiro de Governança Corporativa - Companhias Abertas, que segue o modelo “Pratique ou Explique”. Lopes também ressalta como muito positiva a rápida e forte atuação no caso da JBS e ainda a ampliação do tipo penal e a elevação do valor das multas que podem ser cobradas de culpados em processos administrativos da CVM.
Na atuação dos reguladores, Richard Blanchet, membro do Conselho de Administração do IBGC, afirma que há uma percepção de avanço no combate à prática do insider trading no país em função da recente confirmação, pelo STF, da condenação de ex-administradores da Sadia a penas de reclusão e multa. E ainda da prisão preventiva dos acionistas controladores do Grupo J&F e da condenação de Eike Batista pela CVM.
Blanchet também ressalta a existência de um maior ativismo da CVM na atuação contra a prática de insider. Na avaliação dele, é importante que se avance na estruturação e capacitação da CVM, que ainda sofre com falta de recursos.
Impacto negativo
Para Maria Isabel do Prado Bocater, sócia do Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, a demora no julgamento dos processos pelos tribunais ainda tem impacto muito negativo na percepção em relação à punição de práticas de insider. Para ela, a prisão dos irmãos Batista, da JBS, não tem impacto relevante para uma melhor avaliação sobre a celeridade da justiça porque foi fruto de circunstancias peculiares, por ser um caso dentro da Lava-Jato.
Segundo a advogada, casos como o da Mundial, que ficou conhecido como “Bolha do Alicate”, por exemplo, ainda apontam para uma grande morosidade da justiça. O caso, que começou em 2011, só foi julgado no fim de 2016, mas foi para a segunda instancia onde tramita até hoje. No julgamento de 2016, feito na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, Michael Ceitlin, na época presidente da Mundial (que teria divulgado fatos relevantes com boas notícias), e um agente autônomo de investimentos, Rafael Ferri, foram condenados a três anos e nove meses de prisão.
Na atuação dos reguladores, Bocater observa que partir de 2015 a CVM fez um movimento maior com foco no combate ao insider trading, buscando aperfeiçoar o monitoramento que teve efeito pedagógico no mercado. Entre as medidas de aperfeiçoamento na punição ao insider, destaca o aumento no valor das multas aplicadas pela CVM. A multa pode ser equivalente a três vezes o montante da vantagem obtida ou a perda evitada.
Interesse do MPF
Para Pedro Lanna Ribeiro, sócio do LCCF Advogados, a maior mudança ocorrida de 2014 para cá foi o aumento do interesse em relação ao crime de insider trade por parte do MPF. “Ao contrário do que ocorria anteriormente, o MPF está prestando mais atenção a esse tipo de crime. Agora o MPF inicia sua investigação de crime independente da CVM”, destaca.
Na avaliação de Ribeiro, essa mudança acompanhou a conjuntura política e a vasta teia de práticas de corrupção desvendada pela Lava Jato. Para ele, o caso mais emblemático de punição de crimes contra o mercado de capitais foi o da OGX. O empresário Eike Batista já foi condenado a pagar mais de R$ 22,4 milhões em multas pela CVM. Na justiça, os processos ainda tramitam em primeira instância, na 3ª Vara Federal Criminal.
Redução nos EUA
No mercado americano nota-se uma redução da prática de insider trading que, de acordo Cyntha Catiett, diretora gerente da área de riscos globais da FTI Consulting, é atribuída a dois fatores ainda questionáveis: a administração Trump e mudanças na liderança da SEC (Securities Exchange Commission, regulador do mercado americano).
Segundo Catiett, a atribuição da redução da prática de insider à administração Trump, faz parte de um estudo realizado pela professora Urska Velikonja, da Georgetown University. Conforme o estudo, o declino é evidência de uma abordagem mais “amigável” da administração de Trump frente a Wall Street.
Mas a queda também por estar relacionada a uma redução das empresas listadas na bolsa americana e a atuações anteriores da SEC. Artigo publicado na revista Forbes mostra que o número de empresas listadas na bolsa caiu 50% nos últimos 20 anos (segundo um estudo do Credit Suisse em março de 2017).
Diz ainda que a redução de execuções da SEC contra empresas listadas na bolsa (no ano fiscal terminado em 30 de setembro daquele ano) pode ser resultado de “táticas agressivas” de execução da SEC praticadas de dois a três anos fiscais anteriores, que deixaram menos investigações para ser executados no ano passado.
De acordo com a diretora da FTI Consulting, as investigações de execução da SEC são complexas e sua duração depende muito da qualidade e complexidade das evidências apresentadas. As investigações envolvem o pessoal da sua Divisão de Execução (Enforcement Division) obtendo, voluntariamente ou por intimação, documentos, registros e depoimentos, por exemplo.
Na investigação, a análise na primeira rodada de evidência é extremamente importante e serve como base para uma recomendação de execução. “A investigação também inclui coordenação com outras agências e autoridades federais para a coleta de evidências e dependendo da carga de trabalho da equipe da SEC”, acrescenta a diretora.
De 2013 para cá, a justiça americana condenou 169 réus à prisão, sendo que 56 receberam penas de reclusão de mais de cinco anos, conforme dados publicados na mídia. No período, a Justiça americana julgou 264 casos sobre insider. A quantidade condiz com o tamanho do mercado americano, cujo volume de ativos negociados em bolsa é 30 vezes maior que o do Brasil.
Dado a sua robustez, o mercado americano é sempre olhado, mas, na avaliação de Viviane Prado não deve ser copiado. Nos EUA a jurisprudência é muito complexa, mas a atuação da justiça é rápida e exemplar, lembra a professora. A lei americana estabelece pena máxima de 20 anos pelo crime. Além disso, a SEC tem muito mais poder que a CVM. A SEC pode, por exemplo, quebrar o sigilo telefônico de um suspeito o que seria impensável para a CVM.
Diferentemente do que ocorre com a SEC, a CVM é obrigada a comunicar ao MPF todo indício de crime que encontra durante seu trabalho de supervisão. A comunicação é feita em até 15 dias após parecer da procuradoria da CVM. Se o MPF tem ciência de uma notícia-crime, ele é obrigado a investigá-la e levar à frente a denúncia, afirma a professora da FGV.
Perfil do infrator
De acordo o estudo da FGV, há mais gente de mercado envolvido nas investigações de insider, mas o maior número de punidos tem sido o de administradores das companhias. No livro “Insider Trading: Norma, Instituições e Mecanismos de combate no Brasil”, escrito pela professora Viviane Muller Prado, juntamente os professores Nora Rachman e Renato Vilela, também da FGV Direito, publicado em 2016, de 2002 a 2015, dos 137 indiciados por pratica de insider foram punidos 16 administradores de companhias.
Fazendo um perfil da mentalidade de que quem pratica crimes contra o mercado de capitais, Renato Santos, sócio da S2 Consultoria, empresa especializada em prevenir e tratar atos de fraude e assédio nas organizações, e coordenador do MBA em Gestão de Riscos e Compliance da Trevisan Escola de Negócios, estabeleceu a seguinte caracterização: