Orquestra Societária

JOÃO CARLOS MARTINS: O MAESTRO NOS ENSINA LIDERANÇA COM HUMILDADE

Nesta edição - que celebra os 20 anos da Revista RI - apresentamos aos nossos leitores, com satisfação, uma entrevista com o maestro João Carlos Martins. Sua breve biografia, aqui apresentada, além de uma explanação sucinta sobre a Fundação Bachiana Filarmônica, atestam um trabalho ímpar em prol da formação de músicos e da democratização da música clássica.

Nesta entrevista, o maestro João Carlos Martins discorre sobre aspectos artísticos, bem como sobre questões de Governança e Gestão relacionadas ao trabalho de uma orquestra musical, abrangendo estratégia, estrutura, processos, pessoas, sistemas de recompensas e, como não poderia deixar de ser, o Modelo de Gestão Sustentável (MGS). Esses elementos da arquitetura organizacional estão representados na Orquestra Societária, na figura abaixo.



A Orquestra Societária é a organização comprometida verdadeiramente, em sua essência, com a Ética e as boas práticas deGovernança Corporativa e de Sustentabilidade, em completa harmonia com sua estratégia, instrumentalizada pelo Modelo de Gestão Sustentável, gerando a Sinfonia Corporativa.

O Modelo de Gestão Sustentável – MGS – é o conjunto de princípios, valores e crenças, que se transpõem em práticas de administração respeitadas, comunicadas e amplamente aplicadas pelos líderes e gestores na organização, suportadas por diversas ferramentas de apoio à gestão, visando a performance sustentável e a satisfação de todos os Stakeholders.

Nessa perspectiva, sugerimos aos nossos leitores atenção aos três seguintes tópicos:

1. A entrevista aqui apresentada faz uma concisa, porém, densa varredura de elementos integrantes da Orquestra Societária. A visão de João Carlos Martins revela grande coerência e equilíbrio entre tais elementos, os quais necessitam ser coordenados, ao lado de toda a complexidade artística inerente à construção de obras musicais.

2. Na representação da Orquestra Societária, a qual alguns de nossos leitores carinhosamente também denominam Orquestra Corporativa, destacamos a figura do maestro, correspondente à Alta Administração e abrangendo os conselhos e as diretorias executivas. Lembrando que o presente artigo foi desenvolvido sob o ângulo de um renomado maestro.

3. Baseada em uma organização real – uma companhia com ações listadas em bolsas de valores no Brasil e no exterior –, a Orquestra Societária também se inspira nas orquestras musicais e em sua lógica de coordenação concomitante de vários aspectos, para que se alcance a Sinfonia Corporativa, o gran finale do esforço de toda a organização (edição 218).

João Carlos Martins tem uma carreira artística e empreendedora extraordinária. Como pianista, tocou com as maiores orquestras dos Estados Unidos e da América Latina, além de algumas das principais orquestras da Ásia e do Leste Europeu. Como maestro, empolgou, por seis vezes, o público nova-iorquino com performances inesquecíveis. Como empreendedor, no que diz respeito à responsabilidade social, trouxe milhares de crianças para o fantástico universo da música clássica.

A campanha de democratização da música clássica conduzida por João Carlos Martins e outros empreendedores já atingiu quase 14 milhões de pessoas ao vivo, com a sua Orquestra Bachiana Filarmônica SESI-SP. Esta é a razão pela qual três documentários produzidos na Europa foram feitos sobre a sua vida, além de um documentário no Brasil. O maestro também foi homenageado pela Escola de Samba Vai-Vai, campeã do Carnaval de São Paulo em 2011, além de ter inspirado um longa-metragem sobre a sua trajetória desde a infância, produzido pela Família Barreto e dirigido por Mauro Lima, com o ator Alexandre Nero e grande elenco. O filme foi lançado no Brasil em 2017, sob o título "João, O Maestro".

FUNDAÇÃO BACHIANA FILARMÔNICA, SONHO EM CONCRETIZAÇÃO
Sonho de um grupo de músicos e empreendedores brasileiros, entre os quais, o maestro João Carlos Martins, a Fundação Bachiana Filarmônica, entidade sem fins lucrativos e/ou econômicos, foi constituída em 2006, tendo como finalidade apoiar, incentivar, assistir e promover o desenvolvimento de atividades de excelência e referência na formação musical e cultural, especialmente nas artes clássicas e educação musical. A Missão da Fundação Bachiana é promover, através da música, democratização cultural, educação musical, inclusão cultural e social e conscientização ambiental, direcionados a todos os segmentos da sociedade. Sua Visão é tornar-se um referencial no desenvolvimento de suas atividades, através da música clássica de alta qualidade técnica e artística. A Fundação realiza eventos, cursos, ações educacionais e culturais para adultos, jovens e crianças, abrangendo todas as classes sociais, divulgando, valorizando e democratizando a música clássica.

Feitas tais considerações, passemos a palavra ao maestro João Carlos Martins.

RI: A regência de uma orquestra envolve múltiplos aspectos artísticos e gerenciais. Em sua visão, quais são os princípais aspectos artísticos da regência de uma obra musical?

João Carlos Martins: A individualidade do maestro e a personalidade do compositor geram a interpretação criativa, a minha opinião sobre Johann Sebastian Bach, por exemplo. Minha interpretação tem que ter a imagem e demonstrar a mesma emoção gestual de frente para os músicos e de costas para um público de 1.000 a 1.500 pessoas. Em cada gesto, o público está entendendo e sentindo o que o maestro rege. O concerto é igual a tudo o que foi combinado nos ensaios, acertado e melhorado durante as apresentações com a adrenalina do público, ingrediente fundamental.

RI: Quais são os principais aspectos gerenciais da regência? Como eles se relacionam com os aspectos artísticos?

João Carlos Martins: Costuma-se dizer que a música é a régua do mundo. No conjunto dos naipes de uma orquestra – violinos, violas, flautas, trompas, trombones e trompetes, entre outros – nunca um naipe se sobressai ao outro, se não for o seu momento de protagonismo. O balanço da orquestra se dará cada vez que o naipe protagonista tiver o suporte de todos os demais naipes. Cada um tem que saber qual é sua função dentro da orquestra. E o mesmo acontece dentro das empresas, ou seja, espera-se equlíbrio e respeito entre os setores e suas funções.

RI: A execução de uma obra musical pode ser feita de distintas formas e estratégias. Como se constrói uma estratégia para a execução de uma obra dessa natureza? Como regentes e músicos participam dessa construção?

Destaco que 80% da estratégia para execução de uma obra acontecem durante os ensaios, e 20%, com o andamento da música, com a dinâmica e expressividade de parte da melodia. Faz parte da estratégia de concepção da obra o estudo, pelo maestro, da ambientação da época do compositor, de como ele estava no momento em que compôs e de quais foram suas influências, a fim de que a audição que acontece no século XXI possa ser vivida na emoção do século em que foi composta. A estratégia é construída por meio do trabalho do maestro, que prepara o conceito da peça e o clímax, o golden point, será atingido no momento em que a plateia ouvir o resultado de todo o esforço do maestro e músicos, durante o concerto.

RI: Percebemos que as orquestras são organizadas, que há uma distribuição física estruturada de instrumentos e músicos. Essa estrutura é definida conforme a estratégia musical? Se positivo, de que formas?

Sim, a estrutura é montada conforme a concepção, o conceito dado pelo próprio compositor à obra. A estrutura pode ser maior, média e menor, respeitando o século em que a obra foi concebida. As grandes obras tiveram grandes transcrições e há inúmeros exemplos, como Bach, Vivaldi, Beethoven e vários outros. Atualmente, a música vive da arte interpretativa. A criatividade do século XVII, destinada às artes – música, pintura e demais – está, atualmente, concentrada em outras áreas do conhecimento. Estamos vivendo a era da tecnologia criativa e, dessa forma, a arte se une à tecnologia.

RI: Considerando uma dada estratégia musical, bem como a estrutura anteriormente citada, quais são os principais processos de trabalho do regente e dos músicos? E como gerir esses processos para alcançar o sucesso da obra?

Esta é fácil de responder e o farei por meio de uma breve história. Uma jovem do interior, com 16 anos, foi estudar no Carnegie Hall, em Nova York. Logo que chegou à cidade, ela não sabia o endereço dessa Escola e perguntou a uma senhora: – por favor, como faço para chegar ao Carnegie Hall? A senhora prontamente respondeu: – Estudando, minha jovem, estudando. Os processos de trabalho do regente e dos músicos se resumem a muito estudo, horas de ensaios e trabalho árduo. Para me manter preparado e com vigor físico para esse projeto de vida, em meus 77 anos, acordo diariamente às seis horas da manhã e caminho cerca de 2 km com pesos nas pernas. Enfim, podemos resumir a resposta com a seguinte máxima: a música se faz com a disciplina de um atleta e a alma de um poeta.

RI: Sobre os músicos – pessoas –, como um regente deve administrá-los, a fim de obter performances superiores? Como obter dos mesmos o melhor que eles têm a oferecer?

Com humildade, admiração e respeito. E muito trabalho. As melhores performances são alcançadas com muito trabalho. Como diz um grande tenista: – se eu fico sem estudar um dia, eu percebo. Se fico dois dias, o público percebe. Já se fico três dias, os críticos percebem. A parte psicológica dos músicos também é muito importante. Treino é treino e jogo é jogo. Acidentes de percurso podem ocorrer durante as apresentações e os músicos estão preparados para sobrepujarem a si mesmos e ultrapassarem seus limites. Todos os concertos têm que ser o melhor de suas vidas, com o domínio dos nervos e das emoções, pois a missão do artista é emocionar o público.

RI: Em sua opinião, quais são as melhores formas de compensação de maestros e músicos, em aspectos tangíveis e intangíveis, por performances muito bem executadas ou mesmo magistrais?

A Fundação Bachiana Filarmônica é aquela que tem o melhor sistema de remuneração por função, a meu ver. Temos 65 músicos bolsistas, entre seniores e júniores, os quais recebem por função, considerando 120 funções ao ano. Os músicos são individualmente remunerados. Somos a única orquestra em que os músicos têm alimentação durante os ensaios e apresentações. A remuneração dos músicos é administrada pela Fundação. Nossa Fundação deve respeitar os preceitos da Constituição Federal e está sujeita à fiscalização plena do Tribunal de Contas da União (TCU). Pela probidade administrativa, a Fundação recebe do Ministério Público (MP) o selo dourado de gestão. Todo o trâmite jurídico foi desenvolvido pelo advogado Ives Gandra.

RI: Por fim, considerando a evolução bem sucedida da Fundação Bachiana Filarmônica ao longo dos anos, entendemos que existe um Modelo de Gestão Sustentável que a mantém. Quais são suas principais características?

No Brasil ou em qualquer lugar do mundo onde estejamos, temos grande responsabilidade com a democratização e a divulgação da música clássica. Assim, como orquestra de ponta, trabalhamos com parcerias e somos, portanto, financiados pela iniciativa privada. São 65 músicos, mantidos com bolsas de estudos seniores e para jovens. Temos 30 jovens com ensino de ponta no Brasil. Fazem parte desse trabalho o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos próprios professores. Com o apoio da iniciativa privada e do SESI, realizamos um sonho, após o acidente que prejudiciou as minhas mãos. Meu trabalho é integralmente voluntário, o que dá maior credibilidade para escolher e formar uma orquestra livre para fazer com que a música esteja em primeiro lugar. Enfatizo ainda que a convivência entre os músicos é pautada pela solidariedade. Somos ao todo 66 pessoas convivendo em um ambiente de alegria. Cada encontro é motivo para um sorriso em cada músico – e no maestro, é claro! Concluo dizendo que o Modelo de Gestão Sustentável da Fundação Bachiana Filarmônica é suportado pela colaboração baseada em muito trabalho, credibilidade, solidariedade e liderança com humildade.

A partir das considerações do maestro João Carlos Martins, enfatizamos que, de fato, a música tem o grande poder, a mágica de mudar e mesmo de salvar vidas humanas, de várias formas, independentemente de classe social ou contexto pessoal. Ao mesmo tempo, lições advindas da realidade prática de uma orquestra musical têm muito a ensinar à governança e gestão das organizações de todos os tipos, se houver disposição para aprender e... humildade.
 

CIDA HESS
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica BrandÃo
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com

 


Continua...