AMEC | Opinião | Educação Financeira | Em Pauta | Enfoque |
Espaço Apimec | Fórum Abrasca | IBRI Notícias | Mercado de Capitais |
Opinião | Orquestra Societária | Ponto de Vista |
Recentemente, por meio de artigo publicado em jornal de grande circulação, Zander Navarro, funcionário de carreira da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) com extensa experiência na companhia, teceu críticas à empresa e foi demitido em seguida - sob a alegação de que teve atitude desagregadora em desacordo com o Código de Ética da organização.
Em artigo posterior, publicado no mesmo jornal, o ex-presidente da Embrapa, Pedro de Camargo Neto, reforçou muito as críticas, enfatizando as grandes mudanças tecnológicas em curso e o desafio da empresa para acompanhá-las.
Não conhecemos a Embrapa o suficiente para expressar opinião específica sobre ela, mas este caso expõe o maior desafio de Governança Corporativa de qualquer organização: manter-se relevante no ambiente em que atua. Quanto mais cresce, maior a complexidade interna e mais desafiadora passa a ser a tomada de decisões. A empresa fica lenta e tem dificuldade em fazer movimentos estratégicos significativos, com qualidade e no momento certo. São tantos interesses internos, tantas visões diferentes, e o resultado disso é que a organização se torna paralisada, hierarquizada e autoritária.
Tem jeito ou isso é um resultado inexorável? Tem jeito, sim. Muitas organizações conseguem ser ágeis e competitivas, mas a visão de Governança precisa evoluir. Vamos ilustrar com uma situação bem simples. Quando estamos dirigindo nosso carro, fazemos o que queremos com ele. Aceleramos, brecamos, viramos à esquerda ou à direita, para onde quisermos, pois ele está sob nosso comando. O fato é que levamos este paradigma para todas as situações, queremos que as coisas funcionem assim, simples. Ter que convencer, mobilizar é mais complicado, daí porque é tão desafiador democratizarmos a decisão e buscarmos um modelo de Governança mais robusto.
Todavia, nunca precisamos tanto de decisões democráticas, não porque queremos, mas porque não é só a complexidade interna que importa, mas a externa também. Está cada vez mais difícil entender a realidade externa, e precisamos mobilizar todas as ideias e conhecimentos para entendê-la, encontrarmos as soluções e, finalmente, implantá-las com qualidade e velocidade. Isto só se faz com pessoas comprometidas, preparadas e organizadas, e não as encontramos facilmente.
Quando um profissional vem a público, é porque os canais internos estão obstruídos. São atitudes desesperadas porque não se é ouvido. Há um cerceamento explícito ou implícito, uma busca silenciosa pela conformidade. Muitos compartilham da opinião do “rebelde”, mas não têm coragem de acompanhá-lo, enquanto outros estão acomodados demais para reagir. Ao longo do tempo, este ambiente reduz a vitalidade da organização. É quando percebemos que estamos em uma organização burocrática.
É neste ponto que questionamos a Governança Corporativa. É papel do Conselho de Administração, principal órgão da Governança, zelar pela capacidade competitiva da empresa no curto e longo prazo. Ele não pode permitir que esta situação se instale. Contudo, Governança segue hoje um viés de Controle e Compliance tão forte que muitos chegam a confundi-la com estes dois aspectos, distorcendo completamente seu conceito. O foco em controle é tão grande que até o Código de Conduta, idealizado para inspirar e mobilizar profissionais da companhia, é utilizado como um instrumento de coação.
O papel de controle do Conselho é, sem dúvida, importante, mas há muitos outros tão relevantes quanto. Vamos nos concentrar aqui a tratar o papel de Mentor, pois é o que deve cuidar para que a vitalidade da organização não se reduza em hipótese alguma - até pelo contrário, que aumente. A vontade e o entusiasmo de todos que fazem parte da companhia é o maior sinal de “saúde” de uma companhia. Ter orgulho de pertencer, ter espaço para se desenvolver cria uma energia vital fabulosa, fundamental para manter a empresa relevante no ambiente em que atua.
Voltemos à Embrapa. Em artigo posterior ao de Navarro, Pedro de Camargo Neto, ex-presidente, reforça as críticas feitas por ele, afirmando que a companhia deixou-se levar pelos louros do passado e perdeu a conexão com a realidade. Nada mais comum de se encontrar nas organizações. Neste caso, então, podemos ter uma equipe orgulhosa e comprometida, mas com o passado e não com o futuro. Todos olhando pelo retrovisor.
Como evitar? Mais uma vez, o Conselho está numa posição privilegiada para este papel. O que faz um Mentor quando pedimos sua ajuda a um problema pessoal que enfrentamos? Ele vai recomendar: primeiro precisamos nos entender, nos situarmos, não é isto? Então este deve ser o papel do Conselho enquanto Mentor: manter os gestores e acionistas com os pés no chão. A posição na estrutura é ideal para isso, já que o Conselho está próximo ao negócio, sem vivê-lo no dia a dia.
O Conselho cioso desta sua responsabilidade cria um painel de informações apropriado, colocando no radar questões que vão além do dia a dia. Monitora as mudanças em curso e questiona competências da companhia para lidar com elas. Orienta os gestores a trabalhar para manter, aprimorar ou descartar competências organizacionais de forma a manter-se competitiva ao longo do tempo.
Os tempos são outros, os melhores profissionais são irrequietos, exigentes e migram para as organizações que lhes ofereçam espaço e estímulos para a realização de seus propósitos. Precisamos criar ambientes abertos, democráticos para que possam se desenvolver. O ambiente externo, por sua vez, também está mais competitivo. Quem imaginaria que teríamos tanta tecnologia no setor agrícola? Pois é, e o mundo digital está só começando. Há muito ainda o que mudarmos. Precisamos ter uma Governança Corporativa forte para conduzir as organizações nestes novos tempos. O caso da Embrapa ilustra bem os dilemas envolvidos.
Wilson Carnevalli Filho
é sócio-diretor da Ekilibra.
carnevalli@ekilibra.com.br