Governança Corporativa

GOVERNANÇA EM HOME OFFICE: PRINCIPAIS DESAFIOS E OPORTUNIDADES NO CURTO PRAZO

O site de busca google mostra 7,6 bilhões de resultados no intervalo de 1,10 segundos, as pesquisas apontam o aumento de quatro vezes após a segunda quinzena de março de 2020. Protagonista da atualidade o “home office” e a necessidade básica de entender a sua dinâmica na prática, reforça a condição de sobrevivência das empresas em um cenário impactado pela pandemia COVID-19, no qual a adaptabilidade não escolhe segmento, natureza tampouco “porte”. O que há poucos meses era apenas uma tendência que crescia linearmente, torna-se uma realidade no curto prazo, com regra de exponencial.

Nascido nos EUA, com apenas 23 anos de existência, regulamentado há 3 anos no Brasil - em 2017 com a Lei 13.467 - o teletrabalho, home Office, ganhou notoriedade, sobretudo com as tecnologias e melhoria da qualidade das redes de telefonia.

Novos trabalhos impulsionados por esse modelo surgiram reduzindo a distância, custos, movimentando a economia, aumentando o empreendedorismo, trazendo soluções para o mundo globalizado como redução do tempo gasto no trânsito, reduzindo a poluição, otimizando recursos como estrutura da empresa e possibilitando mais qualidade de vida, sobretudo o convívio familiar.

Entretanto, para muitas empresas o modelo de home office ainda era incomum antes da pandemia, mas se tornou uma necessidade “básica” mundial com a COVID-19.

Pesquisa do ReimagineHR, do Gartner, explicou que, até 2030, a demanda por trabalho remoto aumentaria em 30% por conta da entrada total da geração Z no mercado de trabalho.

Segundo dados da Global Analitycals Service, o home office será um modelo adotado por pelo menos 25% das pessoas que trabalham no mundo após a pandemia.

Já a Fundação Getúlio Vargas apontou recentemente que o uso do home office no Brasil deve crescer até 30% em 2020 após a pandemia. Diminuiu o prazo e aumentou a sua relevância.

Acelerado pelas medidas adotadas pelas empresas de todos os portes para o distanciamento social, o modelo traz desafios para a Governança Corporativa no curto prazo, sobretudo pelo senso de urgência das empresas em remodelar as estruturas para os lares dos seus colaboradores.

Assustador também é o aumento exponencial dos processos trabalhistas no Ministério da Justiça brasileiro no período do coronavírus de cerca de 2.000 processos começo de março para quase 20.000 final de maio, boa parte deles derivados do novo contexto.

Surge a necessidade de repensar a gestão, os propósitos e princípios das Organizações, as relações de trabalho, o comportamento dos líderes e liderados, a segurança da informação, sobretudo a proteção do valor da empresa reforçando instâncias de Governança que possam garantir o retorno necessário para a harmonização das diversas necessidades dos seus Stakeholders.

É preciso rever toda estrutura, retomando as linhas de pensamento do empreendedor no estágio inicial do negócio, sobretudo a partir de um fio condutor que provoque aderência entre a gestão tradicional no ambiente da empresa e o novo modelo que está se fazendo remotamente.

Em uma analogia a energia conduzida por um fio condutor (sempre que uma carga é posta sobre influência de um campo magnético, esta sofre uma interação que pode alterar seu movimento) os 8Ps da Governança Corporativa, metodologia criada por Andrade e Rossetti (2012) trazem a luz para o cenário da gestão no contexto pandêmico, uma vez que o conecta aos valores essenciais da boa Governança: transparência, equidade, accountability, compliance e responsabilidade corporativa.

OS P`s DA GOVERNANÇA CORPORATIVA E O HOME OFFICE
A Governança Corporativa se expressa, basicamente, por um sistema de relações entre pelo menos três atores: a propriedade ou acionistas, o conselho de administração e a diretoria executiva. Sobre esta modelagem básica podemos dizer que é a estrutura mínima a ser formalizada em qualquer empreendimento para garantir a sua sustentabilidade ao longo do tempo.

A essas três âncoras podem se somar outras, quando se admite a ativa interação da Organização com outras partes interessadas, no desempenho e nos impactos das corporações. Conforme Andrade e Rossetti (2014), o que define a extensão e os objetivos desse relacionamento é a assimilação – pelos proprietários – de responsabilidades corporativas voltadas para objetivos emergentes, sociais e ambientais, e com atores da cadeia de negócios (a montante e a jusante). É nesse aspecto que reside o principal desafio do home office, durante e pós pandemia da Covid-19, o coronavírus.

Assim como o Coronavírus evidenciou de forma contundente a transversalidade entre as Instâncias de Governança Global , dos Estados Nação e Corporativa transformando o planeta em um campo de prova, no âmbito corporativo esta transversalidade tem “chacoalhado” todas as estruturas internas organizacionais , questionando atribuições , limites de competências, estruturas de poder , revolucionando e redirecionando práticas e conscientizando os colaboradores da sua importância individual e social no trabalho.

Na construção e operação de sistemas de governança, geralmente estão presentes, explícita ou implicitamente, oito “Ps” (Andrade e Rossetti): propriedade; princípios; propósitos; papéis; poder; práticas; pessoas; perenidade ou perpetuidade, cuja representação pode ser sintetizada pela Figura 1 adaptada de Andrade e Rossetti pelas autoras.

Governança em Home Office: Principais Desafios e Oportunidades No Curto Prazo

Focaremos a partir deste ponto cada um desses “P s” explicando-os, contextualizando-os e levantando os principais desafios e oportunidades pertinentes a cada um e que segundo a nossa percepção poderão definir o sucesso ou o fracasso de nossas organizações nesta travessia pandêmica.

Iniciamos pela PROPRIEDADE que é o atributo fundamental e diferenciador das companhias, que define a relação de sua razão de ser com as diretrizes da governança. A organização do capital social é o que define o jogo em cada ciclo de vida da empresa. No contexto de tele trabalho, em empresas abertas, bem estruturadas e consideradas maduras em seu modelo de Governança percebemos uma postergação ou desistência de todas as iniciativas estratégicas que podem modificar drasticamente a composição do seu capital social, vide o embate atual entre a nossa Embraer e Boeing. A Boeing “pisou no freio” desistindo do combinado, e a Embraer por questões de sobrevivência precisa correr atrás do contratado, colocando na briga e co-responsabilizando todos os seus stakeholders. Conseguirá?

Nos médios e pequenos empreendimentos,o verbo de ordem é SOBREVIVER. Garantir o negócio da melhor forma possível ganhando o máximo de tempo, revisando o fluxo de caixa, otimizando o capital de giro, estudando as disponibilidades de linhas créditos, flexibilizando pagamentos e implementando reduções de custos operacionais e não operacionais nos parece ser o dever de casa de todos.

Em empresas familiares, salta as vistas a questão da sobrevivência do negócio na ausência inesperada ou mesmo temporária do fundador ou de seus principais executivos no dia a dia da empresa.O Coronavírus não escolhe quem atacará e todos sabemos de sua letalidade. Entender o quanto o negócio está preparado e o quanto poderá ser impactado por esta ausência é condição “si ne qua non” para a sobrevivência da maioria dos pequenos empreendimentos. A existência formalizada de um bom acordo de acionistas, de protocolos familiares, e de estatutos atualizados, assim como o planejamento para a preparação e motivação dos sucessores podem fazer toda a diferença para o futuro da empresa.

Os PRINCÍPIOS, segundo P, são a base ética da Governança e que deve prevalecer no mundo dos negócios: senso de justiça, transparência, prestação responsável de contas, conformidade legal e responsabilidade corporativa. Traduzem os legados e disseminam as crenças e valores de seus acionistas no dia a dia da empresa. Em home office, realidade empresarial antecipada abruptamente pelo Covid 19,boa parte dos colaboradores empresariais se encontram afastados do convívio do dia a dia e da supervisão direta, e não tiveram a devida preparação física, emocional, psicológica e mental para responderem bem a esta nova modalidade. Em todas as organizações, de qualquer tamanho e ciclo de vida, o momento está checando o quanto seus princípios estão internamente compartilhados e o quanto são externamente sancionados pela opinião pública. Momento do “vamos ver o que realmente temos e o que funciona dentro de casa“. A qualidade dos Códigos de Condutas existentes ou a necessidade de tê-los estão sendo checados.

Segundo Andrade e Rossetti, o terceiro P são os PROPÓSITOS, que traduzem o significado da existência da empresa, através do seu planejamento estratégico e evidenciado nas declarações da missão e visão empresarial. Definem os objetivos que atenderão o retorno esperado de longo prazo dos acionistas e a máxima harmonização de interesses das outras partes interessadas da empresa. Nesta instância, são definidos tanto o posicionamento competitivo quanto as melhores estratégias para a gestão e para o negócios. Com Coronavirus , em home office as empresas em geral estão focadas em gerenciar a crise e sentimos que ainda, com pouca atenção até o momento, em planejar a retomada. Reiteramos que sobreviver e garantir a Propriedade, no nosso ponto de vista, é atualmente a preocupação máxima dos administradores e isso na prática significa:

  • manter e proteger os fluxos de caixa,
  • reduzir custos,
  • promover e minimizar os impactos negativos do trabalho remoto,
  • transformar etapas do modelo de negócio em serviços online e
  • buscar alternativas de suprimento e operação.

Quanto as empresas abertas e mais estruturadas acrescentamos mais um importante fator nesta questão dos Propósitos, que ficou mais visível durante a pandemia:o cuidado necessário com o relacionamento e a comunicação estratégica com os investidores institucionais. Esses stakeholders tem se mostrado a cada dia que passa mais ativistas e seletivos na escolha ou manutenção do seu capital em empresas. Nos chamou a atenção na última semana de maio a exclusão das ações das brasileiras Vale e Eletrobrás, da carteira do maior fundo soberano do mundo, o norueguês Norges Bank. Estes investidores são formadores de opinião e podem influenciar outros fundos e grupos a aumentarem também a sua seletividade com ativos que levem em conta as questões do data driven ESG: Environment, Social e Governance. Embora engatinhando no Brasil, as questões ESG tem ganhado força nos Estados Unidos e já são bem relevantes para os investidores europeus.

Com o teletrabalho acontecendo e os inusitados desafios advindos da Covid 19, a segregação de PAPÉIS, as atribuições, os limites de alçada e responsabilidades de funções e atividades administrativas tão caras a Governança estão sendo duramente impactados. O inusitado e o senso de urgência no combate ao vírus desestruturaram o que anteriormente estava claramente definido, e estão introduzindo diferentes estruturas e modelos de negócio demandantes de novas tarefas, responsabilidades e alçadas. A redefinição dos PAPÉIS, nosso quarto P, será talvez o fator crítico de sucesso comum a todas as organizações, de todos os portes, independente do seu ciclo de vida. Cada Instituição, através destas novas funções e alçadas definirá nas empresas a nova estrutura de PODER o quinto P. Esta redefinição determinará o novo Papel e alçadas dos Conselhos de Administração e da Diretoria Executiva, sinalizando o estilo do relacionamento interno nas organizações. Teremos um Conselho com características mais orientadoras ou mais executivas?

Na instância PODER, definido pela maneira que se articulam as negociações e se estabelecem as relações entre os principais órgãos de governança, em tempo de coronavírus tem-se evidenciado o estilo e a eficácia do estilo de gestão existente. Em termos bem práticos, isso significa perceber o que vale dentro da empresa para as pessoas progredirem: o mérito ou o quem indica? O quanto os nossos líderes internos são considerados os campeões da causa para suas respectivas equipes ou não? E principalmente o quanto conseguirão gerar de resultados com boa parte de sua equipe em home office. A qualidade dos gestores e suas entregas estarão no foco da alta administração.

Até aqui, os 5 Ps comentados: Propriedade, Princípios, Propósito, Papéis e Poder são definidos pelos proprietários e serão exercidos pelos administradores (Conselheiros e Diretores executivos) escolhidos responsáveis pelo direcionamento da companhia e pela geração de resultados.

Como sexto P temos as PRÁTICAS, sendo altamente impactadas pela introdução do home office na dinâmica empresarial. As práticas visam o estabelecimento de canais fluidos de informação e de um bom e consensual sistema de tomada de decisões e acompanhamento das ações decorrentes. Na ausência de novos acordos, protocolos de entendimento e de regras formais que suportem o home office, práticas oportunistas e conflitos de interesse tem se avolumado no dia a dia empresarial e modelos informais de gestão tem sido criados, colocando em risco a funcionalidade dos sistemas e processos. A Integridade e resiliência das empresas estão sendo testadas ao máximo com o tele trabalho e a função compliance altamente demandada. Os sistemas de fiscalização e controle estão sendo avaliados e analisados sob o ponto de vista da garantia da blindagem da empresa quanto a oportunismos de agentes envolvidos e novos riscos operacionais já percebidos. Práticas e Processos são suportados por PESSOAS, nosso penúltimo P.

PESSOAS, elemento- chave dos sistemas de Governança Corporativa. São as condutoras do conjunto de legados e objetivos que dão vida e continuidade às operações corporativas. A Covid-19 e modalidade home office tem estimulado novos comportamentos e promovido o fortalecimento de conscientizações coletivas na direção da:

  • Valorização do que é realmente útil e pertinente
  • Compreensão da importância individual e social
  • Compreensão da importância das atitudes individuais para a vida em sociedade
  • Valorização do sistema democrático e de suas garantias, entre elas a liberdade de ir e vir.
  • Valorização da prática da Integridade ética por todos os agentes econômicos, públicos e privados
  • Disposição em participar de movimentos que conduzam “à construção de um mundo melhor.”

Nossos colaboradores voltarão as atividades de forma diferente, exigindo das empresas um RH mais estratégico e atuante na Gestão de Pessoas. Se fará necessário o desenvolvimento e a implementação de soluções cognitivas que permitam diagnóstico de clima, identificação de carências de formação, técnica e comportamental, e que apoie continuamente o desenvolvimento dos colaboradores.

E por último, o P da PERENIDADE, fortemente dependente dos 7 P s precedentes, define-se como objetivo síntese das companhias, sustentada por bons resultados econômicos- financeiros, sociais e ambientais. Em tempos de pandemia, a sobrevivência no curto prazo das empresas passou a ser o norte principal, percebemos o aumento a propensão a inovação, nos negócios e gestão, a necessidade de plataformizar componentes operacionais para uma gestão remota e datificada e redesenhar os acessos através de uma automação inteligente e holística em toda a empresa.

É fato que o nosso até então jovem coadjuvante home office, elevado ao nível de protagonista pela pandemia necessita de ajustes para se estabelecer como gestão remota, e nesse caso, como em uma obra inspirada em fatos reais, deve se valer de todos os requisitos desafiadores e potencialidades da narrativa da gestão para obter bons resultados, dos elementos essenciais aos fundamentais e estabelecendo congruência entre o que se propõe, o que é feito e o que se entrega.

E como todo cenário necessita de energia do elenco para composição da cena, o que desponta no atual momento e o que está por vir mostram sinais de que as empresas de naturezas e portes distintos, sobretudo seus líderes responsáveis pelas tomadas de decisão têm como aliados o fio condutor 8Ps da Governança e a sustentabilidade o norteador no curto prazo para garantia da sobrevivência e construção do seu legado.

Adriana de Andrade Sole
é Conselheira de Administração certificada pelo IBGC desde 2010.Engenheira Eletricista, pós graduada em Gestão de Negócios e Engenharia Econômica. Palestrante e Consultora em temas ligados a Governança Corporativa, Compliance, Riscos e Códigos de Conduta. Pesquisadora da Fundação Gorceix, Co autora dos livros Governança Corporativa : Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências; Código de Conduta: A Ponte entre a Ética e Organização.
adrianasole@globo.com

Júnia Flávia de Carvalho
é diretora executiva da Oito Consultoria; Consultora de Projetos de Sustentabilidade, Inovação, Comportamento Humano, Programas Comportamentais, Desenvolvimento de Lideranças e Cultura Organizacional. MBA em Gestão Estratégica de Negócios, é Palestrante e Coordenadora do MBA em Inovação e Sustentabilidade na PUC Minas. Idealizadora do canal Oito Conexão Liderança & Propósito no Youtube.
juniacarvalho@oitoconsultoria.com.br


Continua...