A crise do coronavírus trouxe a realidade duas categorias de brasileiros que sempre existiram no Brasil desde seu descobrimento. Os portugueses, nossos descobridores, trouxeram de Portugal a classe dos intocáveis. Os amigos do rei, donos de capitanias hereditárias, e que cada vez mais avançavam sobre a propriedade da nova colônia. Eram intocáveis na suas propriedades e no direito de se apropriar do que era do próximo.
Padre António Vieira em seus sermões no início do século 17 clamava contra essa injustiça e dizia que no Brasil só o preto e o índio iam para a cadeia.
Quatrocentos anos se passaram, e quando vislumbrávamos com esperança de justiça igual para todos fomos surpreendidos com a demissão do ministro da justiça que representava essa esperança no governo Bolsonaro.
Os desmandos do Governo, desde o início da crise do coronavírus, leva à população um sentimento de frustração que mais cedo ou mais tarde terá enormes conseqüências sociais.
Hoje temos cerca de 500 mil funcionários públicos federais na ativa que defendem, não apenas seus interesses, mas de todos aqueles que se anteciparam a eles e estão aposentados com remunerações muito acima da maioria dos brasileiros.
Estão diariamente ativos em Brasília como representantes dos três poderes defendendo quase com exclusividade seus interesses, sejam no legislativo executivo ou judiciário
O perigo do coronavírus para toda a sociedade brasileira, ou seja mais de 210 milhões de brasileiros, tem exigido enorme sacrifício de todos. Discuti-se se deve ser de um jeito ou de outro, mas todos sabem que precisam fazer algum sacrifício para ultrapassar a crise.
Enquanto trabalhadores, pequenos, médios e grandes empresários estão se sacrificando, com a política de isolamento, e assumindo grandes perdas financeiras para todos, os intocáveis da República não admitem sequer não ter garantidos seus salários sem reajustes para os próximos 2 anos, quando deveriam estar admitindo redução de seus atuais salários.
Mas outro ponto que ficou transparente para todos nós foi a impossibilidade de ajudar os brasileiros mais pobres porque são tão pobres que são invisíveis.
As estatísticas no Brasil não são confiáveis mas apesar do esforço que vem sendo feito pela Caixa Econômica há indicação de que pelo menos 30 milhões de brasileiros são invisíveis e impossíveis de receberem a ajuda, que muito justamente merecem.
A redução dos salários dos intocáveis seria suficiente para arcar com os benefícios dos invisíveis sem maiores danos para o déficit público.
Thomás Tosta de Sá
é presidente executivo do CODEMEC - Comitê para o Desenvolvimento do Mercado de Capitais, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
thomas@codemec.org.br