Governança Corporativa e práticas ASG (Ambiental, Social e Governança) são termos muito usados no meio empresarial, principalmente o privado, como se as preocupações com uma boa gestão e com o bem-estar das pessoas não fossem aplicáveis à administração pública. Mas são. Até porque um município mal gerido não é sustentável. Problemas fiscais, sociais e ambientais enfrentados pela maioria das Prefeituras derivam, principalmente, da falta de planejamento e da má gestão dos recursos.
Vamos começar pelo pilar da Governança ”G”. A crise fiscal, por exemplo, tem afetado diretamente os municípios brasileiros, que contam com cada vez menos recursos para fazer frente às necessidades da população. Sem perspectiva de aumento de receitas, é urgente encontrar meios de controlar as despesas sem perder de vista a qualidade dos serviços, o que dialoga com o aumento da eficiência da máquina pública. Está claro que a pandemia de Covid 19 teve um grande peso na situação atual, mas não se deve colocar a responsabilidade totalmente nela, pois o problema já vinha se agravando há anos.
Diante da crise econômica, que agrava o problema de falta de recursos para investimentos, a profissionalização da gestão pública é fundamental. Pois ela oferece controles e práticas de governança mais modernas, essenciais para os municípios. E o custo de se adotar práticas de governança transforma-se em investimento com retornos evidentes no aspecto da gestão, transparência e reduções de desperdícios e da prevaricação.
Como exemplo da falta de governança, podemos citar dados dos próprios órgãos públicos de controle e fiscalização. Em 2019, antes da pandemia, segundo o Tribunal de Contas da União estimou, existiam 14 mil obras inconclusas no Brasil. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, apenas 1% dessas obras foram paradas por questões judiciais, ou seja, 99% estavam paralisadas por responsabilidade dos entes governamentais.
Há também levantamentos feitos pelo setor privado. Dados da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), apresentados em 2019 (pré-pandemia), deixam claro que o agravamento da situação fiscal dos municípios brasileiros já era uma realidade. Segundo a entidade, 1.856 Prefeituras não eram, àquele tempo, financeiramente sustentáveis. Mais da metade da amostra empenhava 54% das suas receitas em despesa com pessoal. A Firjan estudou 5.337 municípios que, somados, congregavam 98% da população brasileira.
E agora partimos para os outro pilares da sigla ASG, o “A” de ambiental e o “S” de social. Se a sociedade cobra das empresas iniciativas que visem a preservação do meio ambiente e a melhoria de vida das pessoas, imagine das Prefeituras? Cabe a elas definir planos para aumentar os espaços verdes, reduzir desmatamento (quando o município conta com cobertura vegetal nativa), coletar e tratar esgoto, resíduos sólidos e, ter um plano, em parceria com Estados e União para reduzir a pobreza. Aliás, porque escolheríamos prefeitos se eles não tivessem a obrigação de resolver os problemas derivados desses temas?
Uma coisa está atrelada à outra. A governança enquanto melhor prática de gestão é essencial para a saúde financeira dos municípios, mas sua eficácia só é mensurada positivamente se a gestão municipal atingir os objetivos ambientais e sociais. Sendo assim, a governança deve ser o pilar principal de uma estratégia ASG, pois na prática, fazer investimentos em iniciativas de impacto social e ambiental sem uma estrutura de governança bem definida é quase um desperdício. Uma estratégia ASG eficiente deve garantir que as ações sejam transformadas em resultados. Para isso, é necessário estabelecer metas e indicadores claros.
No entanto, precisamos transpor uma barreira para levar a governança nos moldes ASG aos municípios brasileiros. Nem todos os gestores municipais, eleitos pelo voto da população, são conhecedores dessas boas práticas. Talvez a maioria absoluta, principalmente nos municípios localizados nos mais distantes rincões, não tenha nem ideia de como implantar um modelo de gestão profissional.
O que fazer? Ora, a solução está no próprio mercado e nas universidades públicas e privadas que contam com profissionais especializados na implantação de modelos de gestão. A Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP), é um exemplo de instituição que, junto com parceiros do setor privado, está disponibilizando esse tipo de solução às prefeituras.
O Conselho Federal de Administração (CFA) também deu sua contribuição ao criar o índice de Governança Municipal (IGM), com o intuito de auxiliar gestores públicos a entender, através de dados consolidados, quais seriam as possíveis oportunidades de melhorias em seus municípios. O IGM considera áreas como saúde, educação, saneamento e meio ambiente, segurança pública, gestão fiscal, transparência, recursos humanos, planejamento, entre outras, e separa os municípios em categorias conforme a população e renda per capta.
Pela métrica do CFA, a cidade brasileira mais bem pontuada entre aquelas com mais de 100 mil habitantes e renda média igual ou superior a R$ 34.090,00, é São Bernardo do Campo (SP), com IGM de 8,37. Na 21ª colocação, com IGM de 7,43, Belo Horizonte é a primeira capital a aparecer no ranking. São Paulo, maior cidade do Brasil, está em 35º lugar com 7,23. E a métrica foi elaborada para ser justa, já que não se pode comparar cidades ricas com cidades pobres. Em muitos casos, a gestão de um município pequeno é mais eficiente, mesmo com menos recursos, do que a de uma média ou grande cidade.
Como se pode constatar, a união de agentes públicos e privados especializados para a construção de uma agenda de fomento às melhores práticas de governança nos moldes ASG e também para a capacitação da alta gestão municipal pode ser o melhor caminho para eliminarmos o amadorismo vigente em grande parte das cidades brasileiras. De quebra, essa profissionalização contribui para que gestores públicos municipais que busquem outros cargos políticos elegíveis, seja no executivo ou legislativo, o façam com o conhecimento de gestão mais robusto adquirido por meio dessas ações. E toda a sociedade sai vencedora.
Marcos Rodrigues
é executivo C-level, Conselheiro, formado em Administração Industrial pela Politécnica da USP, com MBA na Universidade da Califórnia, Berkeley. É sócio fundador da MRD Consulting e da BR Rating, primeira agência de classificação de risco em governança corporativa.
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