AMEC | Opinião

CELEBRIDADES NOS BOARDS

Desafios da governança corporativa na era da economia da atenção
Em 1997, o físico Michael Goldhaber publicou seu famoso artigo “Attention Shoppers” na revista Wired, trazendo ao público uma ideia inovadora: aquilo que chamávamos de economia da informação era, na verdade, a economia da atenção. Ou seja, a ideia de que a atenção das pessoas é, na verdade, a mais valiosa moeda da era digital.

Com base nesta visão, ele previu duas coisas: a primeira, que o fluxo de atenção substituiria a importância do dinheiro. E a segunda, que a importância daqueles que detém a atenção, como as celebridades, cresceria em detrimento daqueles que permanecerem no anonimato.

Mais de vinte anos depois, a nova onda de chegada de celebridades a conselhos de administração de grandes empresas mostra que Goldhaber não apenas estava certo, mas que talvez casos como a nomeação da cantora Anitta ao conselho do Nubank se tornem muito mais comuns daqui pra frente.

Verdade seja dita, a ideia de associar o capital de uma personalidade ao de uma marca é uma ideia antiga e que vem sendo aplicada com sucesso pela publicidade há décadas. Até mesmo no mundo corporativo, nomear ex-ministros de Estado para conselhos de administração em busca de prestígio para o board era uma prática comum, conhecida como o “Conselho de Notáveis”. A diferença desta vez é que, em meio à economia da atenção, aqueles que têm a capacidade de engajar o público estão sendo alçados a papéis decisórios e estratégicos - e estas não necessariamente são as figuras tradicionais do universo corporativo.

Avaliando especificamente o caso da cantora, trata-se de uma artista com sucesso inegável na gestão de sua carreira e forte conexão com um público prioritário para a empresa, que por sua vez, é reconhecida por ser customer-centric. Neste sentido, ter um membro no board com a capacidade de representar o próprio cliente parece ser um movimento alinhado à uma estratégia coesa, mais ampla e de longo prazo. O raciocínio ficou evidente, por exemplo, no lançamento de um cartão de crédito premium da marca com participação da conselheira, para não entrarmos na questão do conflito de interesse pelo fato dela também atuar prestadora de serviços artísticos para a companhia.

Mas o papel de um conselheiro de administração é complexo. Ainda que cada conselheiro tenha sua especialidade desenvolvida ao longo da carreira, há pré-requisitos básicos para o cargo. Experiência no setor de atuação da empresa não é algo determinante quando se considera novos olhares estratégicos, mas conhecimentos sobre áreas complexas como governança, economia e legislação fazem parte do currículo de qualquer board member. A maior parte das críticas até o momento seria justamente pelo fato da experiência profissional da cantora não atender a tais critérios, especialmente por se tratar de uma instituição financeira.

É importante lembrar que a nomeação de Anitta também surge em meio aos debates sobre inclusão dentro do capitalismo de stakeholders. A ideia é que o board possa refletir todos os públicos de relacionamento da empresa, representando visões diversas em termos de gênero, formação, etnia ou situação socioeconômica, entre outros. Nessa transformação, é possível que a expertise trazida por novos conselheiros que representem minorias não corresponda ao perfil tradicional.

Ainda que estes novos conselheiros não estejam sozinhos, nem sejam maioria no board, deverão ser capazes de compreender questões complexas de legislação, estratégia e finanças, além da boa e velha governança. E é nesse momento que é preciso levar os riscos em consideração.

Riscos na excentricidade das personalidades
A associação intrínseca de uma empresa à marca pessoal de um indivíduo, quando feita sem planejamento, pode levar a resultados indesejados. Por isso, empresas devem avaliar criteriosamente o uso do board para capitalizar com a economia da atenção sem um propósito e uma estratégia definidos.

O novo membro do board deve, minimamente, estar alinhado à cultura da empresa e ciente de que suas ações podem causar flutuações de mercado ou até processos sancionadores. Exemplo recente foi a queda das ações da Coca-Cola após o jogador de futebol Cristiano Ronaldo ter se recusado a posar com garrafas do refrigerante em uma entrevista coletiva.

O atleta não é um membro da empresa, o que nos leva a avaliar os riscos quando atitudes intempestivas surgem, de fato, no board. Nesse sentido, talvez o exemplo mais complexo seja o de Elon Musk e da Tesla. Ainda que boa parte da estratégia da montadora dependa do gênio criativo de seu fundador, a companhia já sofreu penalidades e segue no radar dos reguladores americanos devido às comunicações inapropriadas nas redes sociais de seu fundador que podem, no limite, se qualificar como manipulação de mercado.

A partir do momento que a influência atinge classes de ativos inteiros - como no caso dos tweets de Musk sobre o bitcoin, ou o apoio de celebridades a SPACs - estamos diante de um risco sistêmico que deve ser mitigado com apoio da regulação.

No Brasil, por exemplo, já há esforços nesse sentido, como comunicações da Comissão de Valores Mobiliários a respeito da participação de representantes de empresas em lives, além do tradicional período de silêncio. No entanto, dada a velocidade das transformações que estão ocorrendo no mercado e do desenvolvimento de novas mídias, é possível que surjam cada vez mais áreas cinzentas. Inclusive, o tema “influenciadores digitais” entrou na agenda regulatória da Autarquia para 2022.

A despeito dos evidentes riscos, isso não significa que as empresas devem se abster de inovar, nem que os conselhos não devem fazer parte dessa transformação. Mas é preciso que o façam baseados em uma estratégia, com apoio de um processo de onboarding abrangente e uma cultura voltada ao respeito às regras para evitar futuros embaraços regulatórios e jurídicos ou a perda de credibilidade perante os stakeholders.

Fábio Coelho
é presidente da Amec - Associação de Investidores no Mercado de Capitais.
fabio.coelho@amecbrasil.org.br


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