ESG: uma partitura que está sendo escrita: É com grande satisfação que inauguramos, nesta edição, a série especial ESG - Environmental, Social & Governance, que abrangerá uma sequência de entrevistas com 12 conselheiras certificadas pelo IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
Esta série especial tem por objetivo destacar os propósitos e melhores práticas das empresas em relação à sustentabilidade, responsabilidade social, governança corporativa, suportados por modelos de gestão e de negócios robustos.
A entrevista com Olga Stankevicius Colpo, a primeira mulher a ocupar posição de sócia no Brasil, em uma das principais empresas de auditoria e consultoria do mundo, a PwC, faz a abertura da série ESG: uma partitura que está sendo escrita.
Por quê focalizar ESG? E por quê entrevistar conselheiras de administração certificadas pelo IBGC? O projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, de 12 entrevistas da seção: Orquestra Societária, é movido pelo desejo de ampliar o conhecimento disponível sobre os estudos relevantes e práticas para as organizações, imprescindíveis à preservação do meio-ambiente e bem-estar da sociedade.
Concomitantemente, pretendemos entender como ESG, entre outros tópicos também importantes, é percebido e materializado em melhores práticas por um grupo de profissionais de conselhos de administração muito especial: conselheiras, ainda minoritárias, em um contexto de equilíbrio e diversidade de participações. O que pensam profissionais qualificadas sobre ESG e outras questões de relevo? Como elas percebem o presente e planejam o futuro? Tais perguntas contêm a essência da busca pelos propósitos, melhores práticas e arcabouço intelectual, que movem esta série especial.
Quais critérios foram considerados no convite às conselheiras certificadas a serem entrevistadas? Em primeiro lugar, a origem da certificação: o IBGC, referência nacional e internacional em governança corporativa. O Instituto contribui para o desempenho sustentável das organizações, por meio da geração e disseminação de conhecimento das melhores práticas em governança corporativa, influenciando e representando os mais diversos agentes, visando a uma sociedade melhor.
Com o apoio de Pedro Melo, diretor geral do IBGC, e de profissionais dedicadas à comunicação e certificação digital, entre as quais destacamos Alessandra Costa, foram selecionadas as 12 executivas.
Além de serem conselheiras certificadas pelo IBGC, nossas entrevistadas têm currículos e experiências profissionais que as qualificam a opinar em profundidade sobre os temas propostos neste projeto. Relevantes questões serão abordadas ao longo de suas entrevistas. Temos expectativas tanto no que concerne a convergências diversas quanto a insights específicos de cada profissional. E convidamos os nossos leitores a nos acompanharem nessa gratificante jornada de melhores práticas corporativas, aliadas ao conhecimento acadêmico, com a certeza de que o aprendizado dela decorrente terá grande valor para as pessoas e o nosso planeta.
Entrevista
Olga Stankevicius Colpo, graduada em Psicologia Organizacional, com MBA Executivo Internacional pela FIA-USP e especializações em negócios pela Harvard University, Michigan University, INSEAD e Singularity University, atuou na PwC durante 38 anos, 25 dos quais como sócia. Foi Líder da Divisão de Consultoria em Organization, People & Change para a América do Sul e Central e Líder do Núcleo de Family Business PM. Por mais de seis anos, atuou como CEO da Participações Morro Vermelho.
Desde 2017, assumiu posições como conselheira de administração de diversas organizações: Copel S.A. (4 anos, representando o BNDES até abril/2021), Banco BMG (desde 2017, sendo, atualmente, Vice-Presidente do Conselho), São Martinho S.A. (desde 2020, representando o bloco de controle), Regimar S.A. (desde 2018), Solvi S.A. (desde 2018) e World Childhoood Foundation, Brasil (desde 2011). Tem participado ativamente de diversas atividades no IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, integrando as Comissões de Empresas Familiares, de Inovação e da Banca Certificadora de Conselheiros.
A seguir, acompanhe a entrevista com Olga Colpo, que teve grande riqueza de conteúdo e os temas tratados mereceriam várias sessões adicionais à realizada, para melhor explorar a grande experiência profissional da conselheira.
RI: Como a senhora avalia a evolução do tema ESG ao longo do tempo?
Olga Stankevicius Colpo: Trata-se da evolução mais impactante e talvez madura do TBL – Triple Bottom Line, que emergiu, de forma estruturada, nos anos noventa. É robustecida hoje pelo apoio recebido do Global Compact da Organização das Nações Unidas (ONU), de grandes investidores internacionais e pelo trabalho publicado pelo World Economic Forum, com o apoio das Big 4. Chamando a atenção para as dimensões people, planet and profit, que correspondem, respectivamente, às esferas social, ambiental e econômica de atuação das organizações. Durante anos, a sustentabilidade foi definida em função desse clássico tripé; com o passar do tempo, as práticas ESG chegaram às empresas e demais organizações e aos mercados, agregando, além dessas três dimensões citadas do TBL, a governança corporativa, elemento de integração interdimensional. É importante destacar que o movimento pela sustentabilidade, que iniciou como licença para operar, passou por uma desaceleração, aproximadamente de 1998 a 2008, em função da conjuntura de crise econômica mundial, que fortaleceu outras pautas corporativas. Ao longo do tempo, a sustentabilidade foi sendo resgatada e fortalecida nas empresas e demais organizações, impulsionada pelos organismos internacionais da ONU, com as metas globais, principalmente. As grandes casas começaram a assegurar que não iriam garantir financiamentos e recursos para empresas com operações em qualquer padrão. No fundo, TBL e ESG decorrem da necessidade de que o sistema econômico capitalista incorpore, na prática, novas dimensões, indo muito além da esfera econômica, por questões éticas e de gestão de riscos crescentes (sobrevivência versus colapso). Em ambos os casos, está presente a forte percepção de que as coisas têm que ser feitas de forma diferente. Acredito que esta seja uma percepção disseminada entre muitos líderes organizacionais e que os impactos da pandemia COVID-19 a reforçam ainda mais, pela prioridade em colocar saúde e pessoas em primeiro lugar
RI: Como a governança direciona as empresas e demais organizações a adotarem as melhores práticas ESG?
Olga Colpo: Para dimensionar a importância da governança, cito algumas pesquisas realizadas nos últimos dois anos. A primeira delas - An integrated ESG investment approach -, publicada em 03/12/20 por Didier Cossin, especialista internacional em governança, foi direcionada a proprietários de ativos e conselhos e destaca G drives E and S. Esta pesquisa desenvolveu uma metodologia para uma perspectiva integrada do G em ESG. Foi aplicada nas 100 principais empresas da S&P500 e ressaltou a verdadeira governança como um impulsionador fundamental da qualidade ambiental e social, com resultados de longo prazo. Pela primeira vez, a governança é colocada como fator chave para servir de base e direcionar questões ambientais e sociais. Já em 21/09/21 o World Economic Forum, em parceria com Deloitte, EY, KPMG e PwC, baseou-se nas estruturas existentes e identificou um conjunto de divulgações universais – Métricas de Capitalismo das Partes Interessadas. Desenvolveu um estudo sobre a sustentabilidade de empresas – Stakeholder capitalism: over 50 companies adopt ESG reporting metrics –, o qual elencou quatro dimensões: governança, pessoas, planeta e prosperidade. O estudo tratou, entre outros aspectos, da qualidade da governança corporativa e do relacionamento com stakeholders. Destaco, neste segundo estudo mencionado, que na dimensão prosperidade, geração de riqueza e empregabilidade são considerados imprescindíveis e inseparáveis pelos realizadores da pesquisa. Não existe realmente prosperidade em uma economia, se esta não gerar riqueza e fortalecer oportunidades profissionais. A busca pela prosperidade reside no cerne da busca por uma vida melhor. Geração de riqueza sem empregabilidade e respeito ao planeta e vice-versa não funcionam.
RI: Como a pandemia COVID tem impactado empresas e outras organizações?
Olga Colpo: O primeiro impacto, a meu ver, teve a ver com seres humanos. O discurso clássico de que os nossos empregados são o nosso maior patrimônio, muitas vezes incoerente com as práticas organizacionais, teve que se tornar realidade, a partir da eclosão da pandemia. As organizações tiveram que priorizar a saúde física e mental das pessoas como nunca ocorreu no passado. Houve uma necessidade imperiosa de cuidar das pessoas, em prol delas próprias, das operações no dia a dia, dos clientes, fornecedores, das finanças e da reputação organizacional entre outros elementos. Naturalmente, muitas são as organizações e muito distintas são as capacidades de concretização destes cuidados. Em muitas empresas, nem todos os empregos puderam ser mantidos, infelizmente. Mas as pessoas realmente tiveram que ser priorizadas. A ideia de CNPJ´s como guarda-chuvas que meramente abrigam CPF´s, se existia em parte das organizações, teve que ser abandonada na pandemia. As pessoas ficaram no centro do furacão, na complexidade de um emaranhado de CPFs. O processo de aprendizado foi intenso, disruptivo, já que os desafios eram enormes, com riscos concretos de contaminação por um vírus que poderia matar.
RI: O que a pandemia agregou às discussões sobre sustentabilidade e ESG?
Olga Colpo: A COVID foi um momento de ruptura importante, todas as empresas, de vanguarda ou não, estão se mobilizando, de alguma forma, para entender mais profundamente o significado do ESG em sua estratégia e posicionamento. É papel do conselho de administração explicitar o que ESG tem a ver com seu negócio, com o propósito da organização e formular o posicionamento que a empresa quer ter. A pandemia criou uma infinidade de situações inusitadas, nunca vivenciadas. Novas soluções surgiram, na busca por algo muito importante, a resiliência, isto é, a capacidade de resistir bem à crise. Ocorre, todavia, que muitas ações de curto prazo adotadas não são do tipo que simplesmente se desmancharão quando a pandemia arrefecer. Muitas dessas práticas provavelmente seguirão, com ou sem uma pandemia. Houve disrupção em diversas atividades organizacionais e é preciso refletir em profundidade sobre o futuro, com foco no longo prazo. Sem visão de longo prazo, não faz sentido manter novas práticas, isto não é compatível com a sustentabilidade. Adicionalmente, a pandemia COVID expôs mais do que já estavam expostas as mazelas sociais do Brasil e de outros países. É um forte alerta para que organizações repensem o seu modus operandi. E para que revejam a qualidade de sua governança e seus compromissos com a prosperidade e uma vida melhor para todos. A pandemia e a possibilidade de pandemias congêneres no futuro reforçam a importância das dimensões da sustentabilidade presentes no ESG, com fortes implicações em modelos de negócios, estratégias, pessoas, processos e tecnologia.
RI: Ainda sobre a pandemia: a senhora poderia discorrer sobre medidas práticas que as empresas têm tomado para enfrentá-la, com foco em pessoas?
Olga Colpo: Em quase todos os conselhos em que atuo, foi criada uma força tarefa para lidar com as questões relacionadas à saúde e o que fazer para manter as pessoas em campo, em setores vitais à sociedade. Em uma das empresas, foram estabelecidas reuniões semanais de monitoramento com a diretoria e o conselho, outras implantaram gabinete de crise, para analisar todos os impactos decorrentes, começando com saúde, bem-estar, segurança e impacto nos negócios. Em diversas situações, onde foi possível adotar modelos de home office e híbridos, os protocolos começaram a funcionar. A comunicação e a transparência foram essenciais, sem as quais não existiria engajamento. A saúde, conforme dito anteriormente, se tornou preocupação primordial. E não apenas saúde física, mas também mental. A pauta dos comitês criados foi e continua sendo substanciosa e os desafios com as pessoas têm sido muitos. Para os serviços essenciais à sociedade, em que empregados não têm como entrar em distanciamento social, como obter sua cooperação em um contexto de medo de contaminação, de adoecer e perder a vida? Somente por meio de muito cuidado com a sua saúde, via diversas proteções de ordem física, e de comunicação contínua ouvindo a “voz” da ponta, com um chamado à dedicação em prol dos seres humanos que realmente precisam dos serviços por eles prestados. Consideremos, em seguida, os empregados alocados, conforme sua atividade, ao sistema de home office e teletrabalho. Pessoas podem ter diferentes formas de lidar com essa condição. Para parte delas, tal sistema de trabalho é bem-vindo, mas nem todas têm as condições requeridas para trabalharem de forma confortável e serena em seus respectivos ambientes domésticos. Ademais, nem todas as pessoas se sentem bem não tendo contato fisicamente direto com outras pessoas. Home office, trabalho híbrido ou presencial é uma equação a ser resolvida, sem fórmula única, alinhando necessidades organizacionais às pessoais, não esquecendo que o ser humano é um ser relacional, para o qual algum nível de contato físico é e será necessário, inclusive como fonte de inovação e sentimento de pertencimento. Novamente, é preciso que a comunicação entre em cena, ouvindo e buscando ajudar no possível. Em termos práticos, como as necessidades de comunicação têm sido supridas? Através de campanhas de conscientização, de mobilização social, que têm a tecnologia como aliada principal. A transformação digital nas empresas, um processo que já estava em curso, se acelerou consideravelmente, em prol das necessidades de logística e de comunicação. Como os comitês de saúde e os conselhos de administração, de forma mais ampla, podem trabalhar considerando esse contexto de crise? Os conselheiros precisam dispor de informações e bons indicadores para a melhor conexão possível com a realidade, com o que está ocorrendo por toda a organização. Aliás, essa consideração vale não apenas para os empregados e a saúde, mas também para clientes, fornecedores, finanças, reputação e outros. Novos painéis de controle com bons indicadores e boas explicações sobre os mesmos são fundamentais para os conselheiros terem ciência sobre o que está ocorrendo, a fim de que tomem boas decisões. O núcleo desta resposta, até este ponto, esteve no impacto para as pessoas e sua saúde, para a empresa e para a sociedade. A pandemia trouxe outros desafios de grande monta, incluindo novas tratativas com clientes e fornecedores, para preservar as relações comerciais, forjar soluções inovadoras e de redução/controle de custos. Em alguns setores, os gastos se elevaram substancialmente, para não dizer exponencialmente. Tudo isso vem demandando considerável energia de conselhos e diretorias executivas e aproximando a grande onda da transformação digital para rever modelos de negócio e de operação. Por fim, eu não poderia deixar de destacar a aproximação dos próprios conselhos de administração, entre os conselheiros, bem como entre estes e diretores. Acredito que todos tiveram que responder aos desafios da pandemia e, portanto, a comunicação, parceria e confiança precisaram ser intensificadas. Apesar do distanciamento social, em minha opinião, a comunicação e parceria na cúpula das empresas ganhou em qualidade e intensidade.
RI: Em sua opinião, as medidas citadas são consistentes com ESG?
Olga Colpo: Governança corporativa deve buscar sustentabilidade a longo prazo, ESG tem visão de longo prazo. Portanto, as medidas mencionadas precisam ser consistentes com a visão de longo prazo, demandando reflexão profunda e ações evolutivas de curto e médio prazos. Muitas medidas foram, inicialmente, uma resposta de curto prazo à pandemia, à necessidade de buscar resiliência, sobreviver – e sobreviver bem – em um quadro de grandes incertezas. Agora, está chegando o momento da consistência! A crise COVID trouxe novas perguntas, tais como: O que fazer? Como servir aos clientes? Como lidar com fornecedores? Com trabalho presencial? À distância? Empregando um sistema híbrido? Em quais atividades? Para quais pessoas? Durante quanto tempo? E quanto à saúde física dos empregados? E quanto à saúde mental? O que tudo isso tem a ver com inovação, evolução e transformação digital? Como integrar positivamente a requerida disruptura tecnológica, hábitos de consumo e expectativa das novas gerações? Houve disrupção na forma como as pessoas trabalhavam, em vários setores e em muitas empresas. Novas perguntas surgiram, conforme as mencionadas anteriormente. Dúvidas permanecem, quando se raciocina com visão de longo prazo. Estamos ainda em transição e se alguém disser que sabe a resposta correta, desconfiarei. A tendência maior é de que as empresas adotem sistemas híbridos, mas ainda é cedo para confirmar. Em suma, trabalhar com foco excessivo em necessidades imediatas, sem refletir sobre o futuro, não é consistente com a lógica ESG. É preciso pensar a curto e longo prazos. O curto prazo não pode ser desconsiderado, mas não pode substituir a visão mais abrangente do futuro a ser criado.
RI: Sobre pessoas: o que significa pensar nas pessoas sob a ótica ESG?
Olga Colpo: Significa realmente se preocupar com elas, as pessoas, em aspectos objetivos e subjetivos, e – temos que reforçar – com visão de longo prazo. Significa incluir diversidade em seu amplo sentido, respeito e parceria. Há alguns anos, participamos da audiência de uma palestra nos EUA, em que a pessoa que palestrava indagou aos presentes: quem perguntou o que o seu filho quer fazer, quando crescer, nos últimos anos? E nos últimos meses? E nos últimos 10 dias? Quanto mais as perguntas avançavam, menos as pessoas levantavam suas mãos, em resposta positiva às perguntas citadas. Estimular e ouvir o outro abre opções inimagináveis. Este breve exemplo é muito importante, por nos indicar que por mais que isso nos dê muito mais trabalho, temos que nos importar com as pessoas. Temos que nos importar com os nossos colaboradores, com os seus sonhos. Com o que o trabalho significa para eles. Fonte de renda? Fonte de saúde física e mental? Fonte de aprendizado e troca? Existem outros significados? Trata-se de um esforço que, ainda que seja extenuante, não pode ser desconsiderado. Em tempo, no que concerne à saúde física e mental de empregados, aproveito a oportunidade para destacar, junto aos leitores da Revista RI, os estudos da pesquisadora Marina von Zuben de Arruda Camargo, do Instituto de Pesquisas do Hospital das Clínicas, doutoranda em Neurociências pela Universidade de São Paulo – USP. Novos tempos exigem de nós mais conhecimentos sobre a saúde das pessoas nas organizações e as pesquisas que contribuam para aumentar tal conhecimento são muito importantes e benvindas.
RI: A senhora acredita que ESG muda o modelo de gestão das organizações?
Olga Colpo: Não tenho dúvida de que sim, de que ESG redesenha o modelo de gestão das organizações. E acrescento que temas como modelos de negócio, modelos de governança e gestão e ESG estão, definitivamente, na órbita e são de responsabilidade dos conselhos de administração. Sobre gestão, há que destacar, primeiramente, que os conselhos de administração são provedores de diretrizes estratégicas, e precisam entender as fragilidades da estrutura e fortalecer a gestão – e vice-versa. Ou seja, a separação entre governança e gestão não implica delegação de diretrizes fundamentais para toda a empresa, as quais devem ser dadas pelos conselhos de administração. Governança e gestão são duas faces da moeda organizacional, sem gestão não há governança e sem governança, não há direcionamento estratégico claro e monitoramento seguro. Em segundo lugar, além de estarem antenados com o mundo, correntes e tendências, lembramos que conselheiros trabalham com fatos e dados, com indicadores, com painéis de indicadores. E quando as organizações passam a ter indicadores próprios em sincronia com aqueles mais amplos de melhoria das condições socioambientais, a exemplo dos grandes indicadores da Organização das Nações Unidas (ONU), em seu plano de metas 2030, não tenho dúvida de que isso muda não só o modelo de gestão, como também as práticas de gestão. Os modelos de negócio e de gestão, impulsionados pela crise pandêmica, têm sofrido diversos impactos, com desdobramentos nas estratégias, estruturas, nos processos e para as pessoas. Aliás, em variadas frentes, a palavra melhor não é impacto, é disrupção. O que obriga a reflexões profundas sobre o presente e as perspectivas futuras. A organizações precisam criar resiliência e consistência organizacional, operacional, tecnológica etc.
RI: A senhora acredita que ESG é abrangente o suficiente para contemplar todas as dimensões do capitalismo?
Olga Colpo: ESG é um poderoso caminho, na verdade mostra um comprometimento, uma interdependência e uma conectividade muito forte entre curto, médio e longo prazos. É suficiente? Não! Junto com a inovação, a transformação digital, o conjunto de mudanças na sociedade, nos hábitos de consumo, nos valores, na família, ESG é uma porta estruturada de entrada e pode até ser usado como ferramenta poderosa, com abrangência suficiente para fortalecer a sustentabilidade das organizações, em uma perspectiva de longo prazo. ESG, antes de tudo, é um propósito estratégico, que coloca respeito e sustentabilidade no centro da equação, e que, aliado a outras ferramentas de gestão, pode melhor empoderar organizações, inclusive na conjuntura capitalista. Não tenho dúvidas de que ESG é abrangente, principalmente porque envolve todas as questões globais do planeta, dos objetivos da ONU de desenvolvimento sustentável. Mas terá que obrigatoriamente evoluir, pois conjuga questões complexas – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, transformação digital, revolução das novas gerações. Penso que nos mostrará que exigem várias rotas de saída, e isso não está tão formatado ainda. ESG é uma partitura que está sendo escrita! Compete às pessoas, acadêmicos, pesquisadores, organizações, em suma, àqueles que querem estar presentes no futuro, analisarem, inferirem e saírem do contexto das Demonstrações Financeiras anuais e trimestrais, que são importantes, não há dúvidas, mas insuficientes. Existem organizações altamente valiosas; o que elas apresentam de concreto? Planos sólidos consistentes, além do resultado, do propósito; elas definem como farão a travessia para o futuro que pretendem construir. As empresas que se empoderarem, se qualificarem e fizerem uma boa leitura sobre riscos e oportunidades presentes e potencialmente possíveis poderão ser pioneiras, desenvolvendo resiliência e, concomitantemente, uma atitude inovadora em relação ao futuro. O capitalismo, conforme afirmamos anteriormente – e sempre é relevante reforçar –, precisa ir muito além da dimensão econômica, não apenas por uma questão de ética, mas também de riscos. Nesse sentido, ESG pode ajudar substancialmente as organizações, por sua estruturação abrangente. Mas, ao mesmo tempo, ESG não pode ser visto como solução para todos os desafios que existem à frente dos conselhos e das diretorias executivas.
RI: Como uma empresa – ou outra organização – deve introduzir o tema ESG nas agendas dos conselhos de administração?
Olga Colpo: Primeiramente, é preciso reconhecer que ESG é tema de cúpula organizacional, de governança corporativa. Dito isto, no âmbito dos conselhos de administração, é preciso que os conceitos sobre o tema sejam esclarecidos. E que se discuta e se defina com clareza a qualidade da governança que se pretende ter, nos fronts ambiental, social e econômico, bem como no que respeita ao compromisso com a geração de valor e oportunidades profissionais que contribuem efetivamente para a prosperidade.
RI: Como a senhora percebe o contexto brasileiro e a sustentabilidade das empresas que aqui operam?
Olga Colpo: No que tange ao ambiente corporativo, acredito que os temas sustentabilidade e ESG vêm sendo substancialmente disseminados. Naturalmente, existe forte assimetria entre diferentes setores e organizações. Mas acredito, no que tange a empresas de maior porte, que os dirigentes daquelas que ainda não se moveram, ou pouco fizeram para trazer conceitos como sustentabilidade e ESG às suas práticas, no mínimo, devem estar se sentindo incomodados ou preocupados. Isto porque em algum momento, suas organizações serão cobradas, seja por clientes, fornecedores, o Estado ou a sociedade, de modo mais amplo. Ou até por mais de um desses stakeholders, concomitantemente. No que respeita às empresas cujos conselhos tenho integrado, posso dizer que o trabalho do conselho e dos comitês, aliados a campanhas, têm dado bons frutos, com adesão massiva à vacinação que, em nosso País, mesmo tendo sido iniciada com atraso, tem colhido bons resultados. Tivemos poucos casos de resistência à vacina e com os devidos respeito e esclarecimentos às pessoas, os potenciais problemas foram resolvidos. Não posso deixar de dizer que a forte cultura de vacinação do nosso País contribuiu para que a resistência fosse realmente pequena e superada. E quanto ao Brasil? E quanto às organizações e demais empresas, especialmente aquelas de menor porte? Acredito que independentemente das escolhas eleitorais a serem feitas pelos brasileiros neste ano de 2022, muito terá que ser feito. Temos desafios pesados, como crises social, sanitária não controlada, global de suprimentos/logística, alta pesada de combustíveis, são várias são as questões de curto e longo prazos, e isso afeta todos os setores e todos os portes de empresa. A governança do nosso País é complexa, em um território de dimensões continentais, com grandes disparidades sociais. Precisamos evoluir em variadas frentes, provendo condições para que o Brasil, como um todo, possa avançar na direção da prosperidade do seu povo, com criação de riqueza e empregabilidade. Se avanços institucionais e de ordem prática não ocorrerem, há risco considerável de grande ampliação do descompasso entre o Brasil que os brasileiros merecem e o Brasil real.
RI: Finalizando, a senhora poderia compartilhar com os leitores da Revista RI um momento altamente gratificante de sua profícua trajetória profissional?
Olga Colpo: O caminho percorrido tem sido extenso, intenso, gratificante e é difícil escolher um único momento. Tive a feliz oportunidade de contribuir, profissionalmente, em conjunto com vários colegas da PwC, para grandes mudanças em distintas organizações. O trabalho nos conselhos de administração dos quais participo também tem sido muito desafiador. O que escolher? Bem, eu mencionaria aos leitores da Revista RI o enfrentamento que tivermos que fazer na PwC, há anos, de uma nova situação: a obrigatoriedade de troca das firmas de auditoria, a cada cinco anos. Como tínhamos a liderança em auditar empresas de capital aberto no Rio, não existia espaço para o rodízio e manutenção da liderança. Por meio de uma iniciativa denominada Projeto Muda Rio, liderando por Henrique Luz, pudemos enfrentar uma situação que parecia ameaçadora ao nosso negócio, gerindo a mudança, requalificando profissionais e renovando a oferta de serviços. Foi muito gratificante e, para mim, é algo inesquecível, pois o sucesso do projeto, apesar das imensas dificuldades, foi alcançado através do espírito de equipe, que conseguiu criar soluções robustas.
NOTA: Links recomendados pela conselheira Olga Stankevicius Colpo, citados na entrevista:
- An Integrated ESG Investment Approach (Didier Cossin, December 3, 2020) - www.linkedin.com/pulse/integrated-esg-investment-approach-didier-cossin/
- Stakeholder Capitalism: over 50 companies adopt ESG reporting metrics (September 21, 2021) - www.weforum.org/our-impact/stakeholder-capitalism-50-companies-adopt-esg-reporting-metrics/
- COP26 Download: O Brasil é muito mais solução do que um problema (evento promovido pelo IBGC em 22/11/21, especialistas que estiveram em Glasgow falam das principais decisões da conferência em um contexto que saiu de crise para emergência climática). - www.ibgc.org.br/blog/cop26-evento-ibgc-chapter-zero-brazil
Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com