A publicação de Relatórios de Sustentabilidade já faz parte da realidade de grandes empresas brasileiras e, em todo início de ano, os profissionais das empresas se debruçam sobre os preparativos finais para a finalização do documento e a revisão dos indicadores.
Alguns dados recentes mostram, inclusive, que o Brasil está acima da média global quando o assunto é relatório de sustentabilidade empresarial: de 100 companhias brasileiras de maior receita, avaliadas em levantamento divulgado pela KPMG que trata do panorama dos relatórios de sustentabilidade, 85% delas já elaboraram este tipo de relatório. Enquanto isso, a média global é de 80%.
A ampla adesão é, de fato, uma realidade, sobretudo quando olhamos para a evolução desta média: em 1993, ano em que a pesquisa foi publicada pela primeira vez, esse índice global era de 12%.
Mas se por um lado, após quase trinta anos, devemos comemorar o uso de uma prática necessária à transparência, prestação de contas e reputação das organizações, por outro, deve-se reconhecer que o ato de reportar à sociedade, de maneira abrangente, aliando relatórios financeiros e não financeiros, que equiparam indicadores ambientais, sociais e de governança (ESG), ainda é um desafio a ser enfrentado em muitas organizações. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro.
Segundo pesquisa feita em parceria pela Global Reporting Initiative (GRI) e pelo Sustainability Accounting Standards Board (SASB) uma série de relatos de algumas empresas globais confirmam que, mesmo utilizando os dois padrões de forma combinada para relatar suas ações ESG, é um desafio equilibrar a relevância e abrangência dos dados ou avaliar a utilidade deles para stakeholders que não são investidores. Vale lembrar que, enquanto os padrões SASB são focados nos riscos com maior probabilidade de afetar uma condição financeira da empresa, os padrões GRI se concentram nos aspectos econômicos, ambientais e de impacto social.
O que se nota é que apesar de termos muito mais informação do que há trinta anos, os relatórios de sustentabilidade ainda são percebidos como documentos técnicos, pouco integrados a outras informações das companhias, por vezes burocráticos e que nem sempre se propõem a responder questões como: Por que essa empresa é ESG? Qual é a sua jornada evolutiva nas questões ambientais, sociais e de governança nos últimos anos? Como posso comparar os dados entre empresas do mesmo setor e do mesmo porte?
Rumo à convergência
Nos últimos anos, temos visto algumas iniciativas que têm se preocupado com essas questões e se aproximado de experiências de reporte mais abrangentes, coerentes, integradas e que sejam comparáveis. Em 2020, o Fórum Econômico Mundial lançou as Métricas do Capitalismo de Stakeholders (Stakeholder Capitalism Metrics, SCM) que organiza as diretrizes propostas em quatro pilares: pessoas, planeta, princípios de governança e prosperidade. As métricas pretendem acelerar a convergência entre os principais reguladores privados e trazer maior comparabilidade e consistência aos relatórios de divulgações ESG, alinhadas aos objetivos de desenvolvimento sustentável, os ODS.
Durante a Conferência do Clima das Nações Unidas – a COP26, em novembro de 2021, a International Financial Reporting Standards (IFRS), responsável por desenvolver padrões globais de contabilidade e divulgação de sustentabilidade de alta qualidade, anunciou a formação de um novo conselho, o International Sustainability Standards Board (ISSB), para desenvolver uma base global de padrões de divulgação em sustentabilidade, a fim de atender às necessidades de informação dos investidores.
A iniciativa inclui ainda a fusão, até junho de 2022, de organizações líderes de padrões de sustentabilidade, com foco no investidor. Estão entre elas: o Climate Disclosure Standards Board (CDSB) e a Value Reporting Foundation (VRF), que hoje congrega os padrões da International Integrated Reporting Council (IIRC) e do Sustainability Accounting Standards Board (SASB).
O que toda essa movimentação pelo mundo tem deixado claro é que os relatórios, principalmente os anuais que combinam informações financeiras e não financeiras, são muito importantes para mostrar um retrato estratégico da empresa e o caminho que ela está seguindo. Mas só se tornam efetivos se houver maneiras de transformá-los, a partir de uma matriz comum, em verdadeiros instrumentos de gestão e comparabilidade priorizando os indicadores ambientais, sociais e de governança.
Isso deve encontrar motivação não só na pressão de legisladores e demais órgãos reguladores, mas também na prestação de contas a todas as partes interessadas. “O relatório anual, de responsabilidade da administração, deve ser a forma mais abrangente de prestação de informações da organização às partes interessadas”, descreve o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa (IBGC, 2015).
Sabemos que tem avançado um novo modelo de engajamento dos acionistas que os posicionam como agentes da mudança e os incentivam a adotar os indicadores ESG em seus portfólios de investimentos. Mas um bom relatório, além de garantir que executivos e investidores acompanhem a evolução da empresa e de seus impactos ao longo do tempo e aprimorem processos, é capaz de responder diferentes questões a todos os públicos da organização.
Considerando que a governança corporativa é um sistema que envolve os relacionamentos entre todos os stakeholders, é nesse horizonte que os conselheiros e executivos das organizações precisam se apropriar desse documento de forma mais efetiva para a divulgação e acompanhamento de sua estratégia e na construção de relações junto a seus stakeholders.
Valeria Café
é diretora de Vocalização e Influência do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
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