Por 23 anos o Mercado de Capitais conviveu com uma instrução que regulamentou atividades voltadas para as ofertas públicas. Esta é uma área que sempre esteve associada à inovação, criatividade e velocidade de mudanças. No entanto, convivemos até 2003 com uma regulação que permaneceu desde os anos 80.
As informações exigidas até então eram focadas nos formulários de informações financeiras e, exceto para aqueles que tinham grande proximidade com as informações da empresa e do setor, pouco poderiam esclarecer para uma tomada de decisão do investidor. O investimento nestas ofertas acabava por concentrar em um seleto grupo com conhecimento prévio do assunto.
Alternativamente, para reduzir a assimetria de informações, o próprio mercado, através da autorregulação adotou de forma adaptada algumas regras de divulgação da informação sobre a oferta definidas pela IOSCO – Internacional Organization of Securities Commissions. Ao mesmo tempo, a Bolsa de Valores brasileira concentrava grandes esforços para popularizar a entrada de novos investidores criando as regras do Novo Mercado.
A partir de 2003 a CVM fez uma ampla reforma que culminou na publicação de nova Instrução, que inovou e também incorporou estas práticas do mercado já iniciadas e as tornou obrigatórias. Com o advento desta publicação, passamos a ter uma regulação comparável às práticas globais adotadas no mercado internacional.
Mas o mercado é ágil e clamava por atualizações e adoção de flexibilizações que permitissem a entrada de novos emissores no mercado. Baseados no conceito existente no mercado americano, sob a ótica de que em se tratando de um investidor com conhecimento suficiente, os investidores qualificados, a tutela do regulador pode ser amenizada, CVM e mercado iniciaram novo debate. Vale destacar que tais investidores são os fundos de pensão, endownments, gestores de investimento, com estrutura suficiente para avaliar sobre a viabilidade do investimento. No caso americano, autorizados por regulação da SEC – Securities Exchange Comission através da Rule144A, Reg. S e Reg D, intermediários podem distribuir títulos de dívida e ações, obedecendo os parâmetros desta regulação sem o registro prévio.
Em resposta aos anseios do mercado, a CVM- Comissão de Valores Mobiliários publicou em 2008 a Instrução 476, que passou a permitir ofertas públicas de operações de crédito sem o registro prévio. Neste caso também, dentro de parâmetros que poderiam de fato dispensar a tutela do regulador. A partir de uma curva de aprendizado, novas modernizações foram incorporadas, incluindo as ofertas de ações nesta mesma condição.
E desde então a modernização iniciada com a Instrução nº 400 tem pautado os avanços regulatórios e permitido os ajustes necessários ao desenvolvimento do mercado. Ainda que tenha decorrido tempo semelhante à regulação da década de 80, a autarquia não se deixou esmorecer. Ao longo dos anos, várias atualizações foram implementadas de maneira a permanecer em sintonia com o mercado.
A se basear na audiência pública editada pela CVM no início de 2021 é possível verificar que pretende promover uma revisão profunda e o aperfeiçoamento das normas sobre ofertas públicas, trabalhando a pleno vapor para manter o ritmo pari passu com a criatividade e necessidade do mercado.
Na audiência pública propõe um novo arcabouço regulatório das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários. Na pauta várias mudanças relevantes e novas flexibilidades para conceder registros automáticos para as ofertas públicas. Agilidade e flexibilidade estão em vários pontos da proposta e são aplicáveis a partir de uma matriz onde cada tipo de oferta pública estará sujeita a regras a partir da combinação de valor mobiliário, a natureza da oferta, o investidor a que se destina e alguns outros fatores. Novamente, o tratamento dado à oferta está ligado ao conhecimento e nível de profissionalização do investidor a que ela destina e a possibilidade de maior liberdade nas questões em que sobejar pela tutela do regulador. Esta liberdade, assim como em outros mercados, é acompanhada pela fiscalização da autarquia e de acordo com essa mesma matriz, a responsabilidade de intermediários, ofertantes e seus executivos são preservados no seu radar e assim como a melhoria de informações do mercado de capitais de maneira ampla, oferecendo maior transparência e mitigando assimetrias. Mas a agilidade vai além do registro automático e também sugere redução dos prazos para o rito ordinário do pedido de registro.
Mas a grande novidade apresentada na audiência é sem dúvida a possibilidade de ampliar o conceito de instituição intermediária, permitindo a entrada de novos players, atualmente aptos a exercer a atividade, mas impedidos pela atual regulação. Para este caso, propõe a inédita discussão de admitir não apenas instituições financeiras, mas outras sociedades. Um grande passo para aumentar a concorrência na intermediação de ofertas públicas e permitir que empresas aptas e desassistidas por grandes instituições tenham acesso ao mercado.
Todas estas mudanças têm por finalidade fomentar o desenvolvimento do Mercado de Capitais brasileiro, que tem apresentado bons resultados em termos de liquidez e aumento de investidores no mercado de ações, mas ainda engatinhando no mercado renda fixa no que diz respeito à liquidez e número de participantes. Esta última aliás, motivo de discussões há décadas, sobre inciativas que possam aumentar a liquidez no mercado de renda fixa brasileiro.
Mas as discussões não param. Velhas e novas pautas pairam nas mesas daqueles que discutem o mercado. Questões como o fato de a função do agente fiduciário continuar restrita às Instituições Financeiras previamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil. Aparentemente permitir que a regra sugerida na audiência pública para as instituições intermediárias seja estendida a estes prestadores de serviços seria bem factível. E ainda resta a mais antiga das pautas, a liquidez do mercado de renda fixa, cuja padronização das escrituras de debêntures sempre foi uma discussão para alcançá-la, mas difícil mesmo é explicar para o investidor estrangeiro e até mesmo para os locais não habituados com o produto, que o cálculo dos juros é com base em um ano de 252 dias.
O que de fato se pode constatar é que estamos trilhando na direção correta e com ótimas perspectivas de agilidade e flexibilidade. Sem dúvida, um grande passo rumo modernização do mercado de capitais brasileiro.
Mara Limonge Macedo
é diretora de Relações com Empresas e Eventos da Apimec Brasil e membro do Conselho de Administração da Cearapar.
limonge.mara@gmail.com