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Com a palavra, a BlackRock
Transição. Essa é a palavra definidora quando falamos na criação, necessária e irreversível, de um novo modelo em que fatores Ambientais, Sociais e de Governança são incorporados ao mundo econômico-financeiro. Esse modelo está sendo construído aqui e agora. Estamos mudando nossa forma de consumir, nos comportar e relacionar, gerir equipes e, claro, fazer negócios. No contexto corporativo, uma força que impulsiona o movimento são os investidores. Ora, se a dimensão econômica ainda predomina, é principalmente por meio dela que faremos essa mudança. E esses atores não têm nos decepcionado, estimulando o avanço da agenda ESG de diferentes formas e estratégias, e há muito tempo. Haja vista o lançamento do CDP e do PRI - Principles for Responsible Investments, organizações de gestores ou detentores de ativos que há décadas se comprometem com princípios de gestão responsável e engajam e pressionam as empresas investidas a irem nessa direção. Nesse contexto, é impossível falar de investidores sem citar a BlackRock, maior gestora do mundo, com cerca de US$ 10 trilhões sob gestão.
As famosas cartas anuais do CEO da BlackRock, Larry Fink, a seus clientes ditam tendências e concretizam o quanto o capitalismo vem se transformando. A mensagem de 2020 foi emblemática: “Sustentabilidade se tornará o novo padrão de investimento da BlackRock”, sentenciou Fink para alívio e comemoração de quem, como eu, trabalha há décadas com o tema.
Mas, bem antes disso, a BlackRock já mandava sinais. De 2012 a 2015, a ênfase da carta anual foi na boa governança; em 2016 e 2017, na importância dos stakeholders; em 2018 e 2019, em propósito e liderança. Em 2021, cobrou das empresas investidas seus planos de transição para uma economia de baixo carbono e, em 2022, com o título “O Poder do Capitalismo”, tratou de novo capitalismo, descarbonização, parceria público-privado, o mundo do trabalho e a importância do engajamento dos acionistas em assembleias.
Como todo gigante, BlackRock desperta paixões. A cada novo posicionamento, suas linhas e entrelinhas são avidamente lidas. E polêmicas, claro, acabam sendo inevitáveis. Nesse sentido, nada melhor do que ir à fonte e perguntar. Por isso, decidimos entrevistar o Chairman do Conselho de Administração da BlackRock Brasil, Carlos Takahashi.
Cacá, como é mais conhecido, tem mais de 35 anos de experiência no mercado financeiro brasileiro. Antes de assumir o cargo atual de chairman da BlackRock no Brasil, a maior gestora de recursos do mundo, foi seu CEO, inaugurando a posição na operação brasileira. É vice-presidente da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e coordenador do Grupo Consultivo de Sustentabilidade da entidade. Desenvolveu carreira notável no Banco do Brasil como Presidente da subsidiária responsável pela Gestão de Fundos a BB DTVM e em cargos de liderança, no varejo, corporate banking, private banking e negócios com clientes afluentes. Fez também parte de diversos conselhos, incluindo Neoenergia, TAESA, Banco Votorantim e HAPVIDA. É formado em administração de empresas pela Universidade São Marcos e possui MBA pela Universidade de São Paulo. A seguir, acompanhe a entrevista com um dos líderes mais inspiradores que conheço.
Sonia Consiglio: Cacá, você sempre esteve muito envolvido com as questões de sustentabilidade. Lembro de nossas interações em várias conferências do PRI (Principles for Responsible Investment) ao redor do mundo. Onde e como se deu sua proximidade com essa agenda?
Cacá Takahashi: Meu envolvimento com sustentabilidade veio principalmente da minha educação, da minha família, de origem humilde, que me ensinou a usar os recursos que tínhamos de forma adequada e economicamente viável. O uso consciente da água, tratamento do lixo, o cuidado com o meio ambiente e com a natureza sempre fizeram parte da minha educação familiar. O início da carreira foi no Banco do Brasil, que sempre teve conexão muito forte às questões sociais, levou a bancarização e inclusão financeira pelo Brasil afora, além de apoiar a agricultura familiar e pequenas e médias empresas. Lá tive grandes aprendizados em relação a esse tema. Já na BB DTVM, comecei a dar meus primeiros passos no conhecimento de investimentos sustentáveis e no PRI. Quando encerrei o meu ciclo no Banco do Brasil, quis continuar a minha jornada em uma empresa com projetos relevantes, pessoas talentosas e bons propósitos e encontrei tudo isso na BlackRock. Então foi uma jornada que começou na minha família e evoluiu para o mundo do trabalho e ainda segue. O meu envolvimento com sustentabilidade faz parte da jornada onde ainda aprendo coisas relevantes a cada dia.
Sonia Consiglio: Vamos voltar para os tempos de BB DTVM, a gestora de recursos do Banco do Brasil, que você liderou de 2009 a 2015. Naquele momento, as discussões sobre sustentabilidade estavam ganhando tração entre os investidores, apesar de que, como sabemos, esse não é um movimento novo. Como você avalia a evolução do engajamento da comunidade de investimentos nesta temática? De onde viemos e para onde vamos?
Cacá Takahashi: Costumo dizer que essa é uma jornada e dependendo das nossas lentes podemos enxergar as coisas de uma forma mais positiva ou ainda com muitas melhorias que acontecerão. Fico um pouco mais na turma dos otimistas, daqueles que realmente acreditam que uma evolução importante está acontecendo. Se olharmos para os anos 80 e 90, o olhar sobre a questão da sustentabilidade estava muito mais voltada para temas ambientais e ideológicas A exemplo da Eco 92, ainda que todas as manifestações procurassem sensibilizar as grandes lideranças dos setores público e privado, ainda não havia uma conexão adequada com a economia, mercado financeiro e comunidade dos investidores. Isso começou a acontecer de uma forma mais estruturada e pragmática com o advento do PRI e com o surgimento das três letrinhas que estão em voga hoje, o ESG. De lá pra cá muitas coisas vêm acontecendo, acredito que os primeiros passos tenham sido um pouco mais tímidos, algumas instituições começaram a pensar em produtos para o mercado com esse propósito, algumas instituições começaram a verificar como incorporar os critérios ESG em suas metodologias de gestão e processos e assim por diante. Mas, ainda de forma pontual, surgiram também algumas gestoras de nicho focadas totalmente em investimento sustentáveis, mas de fato havia um questionamento muito grande se esses investimentos realmente gerariam os retornos esperados. Você definiu bem o meu período na BB DTVM entre 2009 a 2015. Foi exatamente ali que enxerguei que tudo estava começando. No ciclo seguinte, após 2016, a discussão ficou muito mais forte e não tive dúvidas que o olhar dos investidores teve uma influência muito grande e por conta de dois fatores: os jovens, ou seja, as novas gerações que começaram a questionar não somente os resultados gerados pelos investimentos, mas também se as questões sociais, ambientais e de governança estavam sendo seguidas para que esses resultados fossem alcançados. Claro que isso também alertou as demais gerações, no meio desse escalada de manifestações cada vez mais claras e objetivas de grandes gestores de investimentos, a exemplo da própria BlackRock, por intermédio do Larry Fink, tiveram grande impacto ao chamar a atenção para a necessidade de priorizar e em dar urgência para a agenda. Além disso, o próprio climático também teve grande importância no desenvolvimento da agenda. No início de 2021, as mudanças climáticas e seus impactos no planeta e na sociedade foram os principais temas do World Economic Forum. Por conta da inesperada pandemia parecia que essa agenda seria postergada. Mas, o senso humanitário, a compaixão e o alerta sobre a severidade dos eventos inesperados, junto com a necessidade de manter o necessário equilíbrio com as questões econômicas, trouxe ainda mais visibilidade para o ESG. Sempre uso uma frase sua, Sonia, que é sobre o ESG sair dos anexos e vir para as primeiras páginas. E agora temos de continuar essa jornada para o ESG ser a nossa obra e, não apenar um capítulo.
Sonia Consiglio: Nesta jornada, quais são os principais desafios para a incorporação dos critérios ESG na gestão de investimentos de forma profunda e perene?
Cacá Takahashi: Quando falamos sobre a incorporação dos critérios ESG na gestão de investimentos, não é simplesmente a criação de um novo produto, portfólio, de um departamento ou área para tratar do assunto, mas sim sobre uma mudança na forma de fazer a gestão dos investimentos, tanto sob a perspectiva do propósito, quanto dos processos e da governança. Isso implica em vários desafios e começa pelo desafio das pessoas, afinal de contas gestão de investimentos é um negócio de pessoas, aliás, todas as atividades empresariais ou corporativas em sua essência dizem respeito a pessoas e não tem como dissociar. Então o primeiro grande desafio, sem dúvida, é a mudança cultural, compreender que se trata de uma responsabilidade de toda a organização, de toda a gestora, não é uma responsabilidade atribuída a alguém especificamente, todas as pessoas têm que ter consciência e clareza disso porque todas elas são parte fundamental no processo de efetiva incorporação desses critérios. As atividades que estão relacionadas com investimentos implicam em uma grande responsabilidade fiduciária e requerem credibilidade, confiança e consistência. E por isso é fundamental que todos tenham conhecimento, compreensão, engajamento e envolvimento com o tema, somente assim terá perenidade e profundidade.
Sonia Consiglio: Uma pesquisa mundial da Russell Reynolds indicou que a preocupação dos executivos brasileiros com sustentabilidade supera a média global. Na pergunta sobre o quanto o CEO está comprometido com essa agenda, a resposta Brasil foi de 49% enquanto a média global ficou em 43%. Como você, que já foi e interage com os CEOs brasileiros e mundiais há décadas, avalia esse dado? E qual a importância da liderança para o avanço da sustentabilidade?
Cacá Takahashi: Os dados da pesquisa são muito interessantes e estão alinhados com as nossas percepções. Muito se fala sobre o estágio em que a pauta de sustentabilidade se encontra no hemisfério norte e quanto a Europa e os Estados Unidos estão avançados. Mas quero chamar atenção sobre a grande receptividade das companhias brasileiras em relação à sustentabilidade, especialmente das lideranças, uma abertura muito grande e muita vontade de aprender sobre o assunto. Outro exemplo são as inúmeras lives e painéis que aconteceram nesses últimos anos em função da pandemia com a participação de CEOs e CFOs, onde podemos notar claramente um envolvimento muito grande das lideranças com o assunto, então creio que esse resultado obtido pela pesquisa mostra um posicionamento muito positivo em relação às regiões que entendíamos que estavam mais avançadas. Neste aspecto a liderança tem um papel fundamental, e ela que dá o tom e que inspira a todos se engajarem e seguir nesse caminho. É o peso da caneta que de forma positiva faz acontecer.
Sonia Consiglio: A Anbima, onde você é vice-presidente e coordenador do Grupo Consultivo de Sustentabilidade, vem fazendo um trabalho muito consistente que passa inclusive, pela criação desse importante colegiado em 2019. Qual é a pauta da Associação, suas prioridades e planos?
Cacá Takahashi: Sim de fato, o tema sustentabilidade é extremamente estratégico na Anbima. Lembrando que em 2015 já havia criado um grupo de trabalho para tratar de sustentabilidade e dentre as diversas iniciativas bem sucedidas eu queria destacar o primeiro Guia ASG que a Anbima lançou e que além de trazer um conteúdo bastante importante com referências e literatura de outros mercados, também trouxe as primeiras orientações de boas práticas na incorporação dos aspectos ASG nas análises dos investimentos. Considerando o crescimento da importância do tema e também a evolução da indústria local, a Anbima entendeu que deveria dar um novo status ao assunto dentro da Associação. Por isso, em 2019 foi criado o grupo Consultivo de Sustentabilidade, com representantes do mercado financeiro. O grupo escolheu três frentes prioritárias a primeira relacionada a base de dados, outra relacionada a boas práticas e, a terceira, sobre educação. Além disso, realizamos a pesquisa “Retrato da Sustentabilidade do Mercado de Capitais” com o intuito de entender não somente de forma quantitativa, mas também qualitativa em que estágio o mercado se encontra quando se fala de sustentabilidade. Outra iniciativa foi a revisão dos critérios de identificação dos fundos ASG, buscando inspiração no que tem sido feito em outras geografias, como Europa e no Reino Unido. O grupo que atuou nesses temas procurou trazer não somente as orientações que têm sido dadas pelos reguladores lá fora, como também adaptando aqui a nossa realidade e ao nosso estágio atual. Na minha leitura é que chegamos num trabalho muito bom, pois nos critérios de identificação foram contemplados tanto aspectos princípios lógicos, quanto prescritivos de uma forma muito equilibrada, tratando tanto do lado da gestora, como do produto, o que é muito importante quando falamos em evitar o greenwashing. Em relação ao apoio ao investidor, neste primeiro momento, estamos incluindo os fundos de renda fixa e renda variável na identificação de investimento sustentáveis. Já estamos trabalhando com uma audiência pública para tratar dos FIDCs, em breve, vamos tratar dos multimercados e também das demais categorias e ter tudo concluído até o final do ano. Uma outra iniciativa trata da disseminação das melhores práticas nacionais e internacionais na estruturação no mercado de capitais que será lançado em breve e teremos um documento contemplando essas orientações. Ainda, em relação a boas práticas, considerando os novos critérios de identificação de investimentos sustentáveis que serão objeto de supervisão da autorregulação, assim como o retrato da indústria obtido na pesquisa, promovemos a atualização do Guia ASG que traz agora um trabalho bastante robusto contemplando todos esses avanços. Finalmente, a terceira frente de educação que se divide em duas prioridades: a profissional com uma revisão das certificações e dos cursos, e a segunda, voltada para educação dos investidores para a disseminação das informações sobre ESG para o mercado como um todo. Vale lembrar ainda que o grupo de trabalho de diversidade realizou uma pesquisa específica para obter o retrato do mercado financeiro com o intuito de proporcionar maior diversidade de gênero, diversidade racial, além de maior inclusividade para todos dessa indústria. Enfim, a Anbima, como uma associação plural tem uma responsabilidade muito grande e esperamos que com essas iniciativas e com outras que estão por vir, contribuir para que os temas sustentabilidade, ASG, diversidade evoluam de uma forma positiva no mercado financeiro, de investimentos e de capitais.
Sonia Consiglio: Achei curioso que o Grupo Consultivo de Sustentabilidade da Anbima faz parte de um bloco chamado de “Grupos Consultivos para Temas Emergentes”. Acredita que em algum momento ele irá compor a categoria de “Grupos Consultivos Permanentes” da Anbima?
Cacá Takahashi: Essa é uma pergunta muito interessante e bem oportuna porque no final das contas talvez muitos não saibam, mas a Anbima realizou nos últimos anos, uma reestruturação em todos os seus organismos de Governança para melhorar a gestão de todos os temas sob sua responsabilidade e a interação com os diversos colaboradores que atuam em Fóruns, Comissões e assim por diante. Neste contexto, foram criados os grupos consultivos que se reportam diretamente a diretoria e tem a função de tratar de temas estratégicos e relevantes para o mercado e a sustentabilidade foi elevada para o nível do consultivo. Este grupo consultivo é permanente, sendo a sustentabilidade totalmente prioritária dentro da associação.
Sonia Consiglio: Você é chairman da BlackRock e já participou também de vários Conselhos. Muito ainda discutimos sobre a necessidade de se inserir sustentabilidade na estratégia corporativa. Os temas ESG chegaram de fato aos Conselhos de Administração? Eles estão preparados para colocar isso em prática??
Cacá Takahashi: De uma maneira geral eu não tenho dúvidas de que os temas ESG chegaram na pauta dos conselhos de administração, o desafio agora é como os conselhos devem atuar para ajudar a implementar e a acompanhar as medidas necessárias para incorporar o ESG na estratégia de longo prazo da companhia e não ficarem presas aos objetivos de curto e médio prazos e envolvidas em questões operacionais. Neste ponto, a BlackRock tem Insistido na responsabilidade do conselho em torno das estratégias de longo prazo e nas medidas que precisam implementadas para garantir a transição para uma economia descarbonizada, por exemplo, assegurando resultados consistentes e sustentáveis. Este entendimento é cada vez maior e o avanço é muito relevante ainda que haja assimetria de conhecimento entre companhias e setores da economia. A procura por maior profundidade no conhecimento do assunto também é bastante evidente e diversas instituições que atuam no campo educacional da governança têm oferecido cursos, palestras e debates para conselheiros, abordando os diversos aspectos do ESG . O IBGC, exemplo, além de incorporar o ESG na agenda de seus diversos cursos, já tem um sobre comitês ESG. Temos um grande desafio no aprofundamento do conhecimento - que é de todos nós - e na execução e implementação de forma transformacional.
Sonia Consiglio: A BlackRock é um gigante: maior gestora de recursos do mundo, com cerca de US$ 10 trilhões sob gestão. Qualquer movimento de vocês mexe com toda a estrutura do mundo dos negócios. Não é de hoje que as famosas cartas do Larry Fink endereçam questões ESG: boa governança, propósito, liderança, engajamento de stakeholders, economia de baixo carbono... Mas a carta de 2020, quando vocês anunciaram que “sustentabilidade se tornaria o padrão de investimentos da gestora”, foi um divisor de águas para o meio. Como vocês chegaram a esse posicionamento tão incisivo? Como a BlackRock entende essa agenda e sua responsabilidade nela?
Cacá Takahashi: É praticamente inevitável falar do envolvimento da BlackRock com tema sustentabilidade sem fazer referências às famosas cartas do nosso fundador Larry Fink. Mas, é bom lembrar da história da BlackRock, como ela foi fundada e quais foram as escolhas que fez desde o seu nascimento. A primeira foi ser exclusivamente uma gestora de recursos de terceiros, a segunda ser muito focada e forte na gestão de riscos, pois no entendimento dos seus fundadores, a gestão de riscos seria extremamente relevante quando a tratamos de gestão de recursos de terceiros e, finalmente, a tecnologia. Além disso, destaco nossa missão de ajudar as pessoas a conquistarem o bem-estar financeiro no longo prazo. Esses pilares sem dúvida foram fundamentais para construir essa história em direção à sustentabilidade. Uma outra questão que destaco é a cultura da empresa em relação aos seus colaboradores, temos uma frase aqui que traduz nossa filosofia: One BlackRock, cujo significado é uma única BlackRock com unicidade e inclusividade, isso traz uma visão colaborativa do trabalho em equipe incrível que fazemos. Falei tudo isso para afirmar que é um caminho natural que a BlackRock vem seguindo desde a sua fundação. Claro que nos últimos anos, como uma observadora muito próxima e atenta a tudo, especialmente nos seus investidores, notando o que vinha acontecendo na sociedade, a voz das novas gerações e compreendendo o seu papel no envolvimento com os grandes temas do mundo e os impactos nos investimentos. O Larry Fink começou a utilizar suas cartas para sensibilizar os presidentes e membros dos conselhos sobre a necessidade de terem um claro propósito de longo prazo, preocupações com a governança alinhada aos objetivos estratégicos. Além alertar sobre o papel do setor privado efetivamente assumir o seu papel nas transformações necessárias. Sem dúvida a carta de 2020 representa um marco extraordinário na história da BlackRock, na medida em que assumimos que a sustentabilidade passaria a ser o padrão dos investimentos e, portanto, ela trataria todo o seu portfólio dessa maneira e fazendo a transição para o ESG. A carta também reforçou a importância e a urgência de tratar dos riscos de investimentos decorrentes das mudanças climáticas e a transição para uma economia descarbonizada e a relevância dos conselhos em incorporar estes aspectos nas estratégias de longo prazo das empresas. Outro ponto importante foi a questão da diversidade, inclusividade e equidade, como valores essenciais para a construção de uma empresa e de uma sociedade melhores e fortes em todos os aspectos. Enfim , um caminho natural que foi se consolidando ao longo do tempo. Chegamos em 2022. A última carta além de consolidar diversos temas apontados nas anteriores, destaca os riscos climáticos como risco de investimentos e posiciona a BlackRock e o seu papel como uma gestora de recursos de terceiros no âmbito da sustentabilidade, não por ser ambientalista, mas por ser capitalista, que é a razão de sua atividade. E novamente, reforçando sua responsabilidade fiduciária em atender às expectativas dos seus clientes, dos seus investidores e, indo além, tratando da responsabilidade da BlackRock junto a todos os seus stakeholders.
Sonia Consiglio: Qual foi o objetivo da BlackRock no relatório “2022 Climate related shareholder proposals more prescriptive than 2021” onde vocês anunciaram que apoiariam menos propostas climáticas na temporada de assembleias 2022.
Cacá Takahashi: Ao observar todas as cartas do Larry Fink e relatórios da área de Stewardship - responsável pelos posicionamentos da BlackRock junto às empresas investidas, atuando através do engajamento e do voto e, de forma independente - noto uma total coerência em relação aos posicionamentos anteriores. As cartas e comunicados da gestora sempre trataram os riscos climáticos como riscos de investimento e também foram enfáticas ao tratar da responsabilidade dos conselhos de administração em terem um planejamento estratégico de longo prazo, de forma consistente, que proporcione a lucratividade necessária para ajudar os investidores a atingirem seus objetivos contemplando os aspectos ESG em suas estratégias e incorporação na gestão dos seus negócios. Além da inclusão das questões ambientais como os riscos climáticos e a transição para uma economia descarbonizada, assim como as medidas de boa governança e a remuneração de executivos alinhada com objetivos de longo prazo. Na BlackRock, as questões de sustentabilidade sempre estiverem conectadas com os aspectos econômicos e lucratividade, pois, temos convicção que somente desta forma, conseguiremos fazer a transição para o “net zero” de forma adequada, compreendendo as atividades empresarias, e as demandas dos investidores e demais stakeholders para, efetivamente, ajudar a promover a transição. Os recentes desafios que estamos enfrentando - com as tensões geopolíticas e também com a pressão nos mercados de energia - têm trazido implicações macroeconômicas, incluindo a preocupante escalada inflacionária. Por isso, o alerta em relação às propostas de curto prazo dos acionistas que possam a colocar em risco a transição que tem que ser feita e a forma como tem que ser feita. Por exemplo, em uma empresa que atua no setor tradicional de energia seria mais relevante votar a favor do corte no financiamento de suas atividades ou num plano de gestão efetivo e consistente que contemple uma transição para uma energia limpa que mitigue os riscos de sua atividade e traga oportunidades de melhores retornos no longo prazo? São estas considerações que são abordadas no relatório, reforçando o nosso compromisso fiduciário para aqueles que confiam seus investimentos à BlackRock, bem como o seu posicionamento da última carta de Larry Fink, O Poder do Capitalismo, onde um dos destaques é que as expectativas de retorno de longo prazo têm que estar alinhadas com as exigências de cada stakeholder, proporcionado a adequada transição para a nova economia. O nosso relatório demonstra ainda que além da coerência com os nossos propósitos e valores, sensibilidade e atenção aos eventos extraordinários e, sobretudo, o compromisso da BlackRock com a total transparência em seus posicionamentos, de tal forma que, tanto os investidores que confiam seus recursos para a nossa gestão, quanto as empresas investidas e demais stakeholders, saibam exatamente quais são nossos compromissos e expectativas para realizarmos a transição que precisamos promover.
Sonia Consiglio: 2030, ano do atingimento dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está logo ali. A pandemia tornou ainda mais desafiadora uma tarefa que já não era simples. Qual sua visão sobre esse contexto? Chegaremos firmes e fortes em 2030 ou deixaremos muita tarefa não concluída pelo caminho?
Cacá Takahashi: Realmente, temos um grande desafio para atingirmos as metas ODS até 2030, sobretudo em função da razoável distância entre os países que mais avançaram no cumprimento dos objetivos e aqueles que estão mais atrasados. O SDG Index de 2021, que faz o ranking da evolução dos países, traz nas primeiras posições os países nórdicos com índices em torno de 85 e nas últimas posições os países do continente africano com índices que se situam abaixo de 50, o Brasil se encontra em posição intermediaria (61ª posição) com 71 pontos. Entre as 17 ODS que avançaram estão as que tratam de inovação, industrialização e infraestrutura. A que mais evoluiu foi a voltada para consumo responsável e produção. A ODS que trata da erradicação da pobreza avançou mais do que a “fome zero”. Temos muitas assimetrias nos avanços, tanto geográficos, quanto em relação aos objetivos. A pandemia, no geral, não provocou o retrocesso, mas com certeza impactou alguns temas relevantes e ainda pode seguir impactando alguns objetivos, como por exemplo, o crescimento econômico e trabalho decente e saúde e bem-estar. Talvez no todo até cheguemos muito próximos aos objetivos, mas alguns pontos merecem algumas reflexões: estamos mesmo construindo uma societária justa, inclusiva e igualitária? Estamos avançando nos temas básicos que precisam ser cuidados?
Sonia Consiglio: Você é um dos líderes mais inspiradores que conheço. Ocupa posições almejadas em influência e poder, mas sempre se mantém o mesmo: uma pessoa que compõe, que reconhece o valor do outro e cultiva a humildade. De onde vêm essas suas qualidades que, infelizmente, não são tão comuns?
Cacá Takahashi: Primeiro, estou muito longe disso e sigo aprendendo a cada dia, com cada pessoa com quem tenho privilégio de me relacionar. Venho de uma origem muito humilde como muitos que venceram e seguem enfrentando desafios. Perdi meu pai, funileiro mecânico sem estudo formal, ainda adolescente, além de diversos exemplos, dele eu guardo uma frase que me guia, sempre: Respeito a qualquer pessoa, não importa quem seja. Esta frase, em sua simplicidade, tem uma enorme profundidade, e até hoje sigo encontrando novos aprendizados nela. Você só consegue compor, reconhecer os valores dos outros, ser inclusivo, ser um ouvidor atento, compreender as pessoas, se você respeitar verdadeiramente. “Qualquer pessoa, não importa quem seja”, me trouxe a lição da humildade, que estaremos sempre aprendendo com alguém e teremos alguém para ajudar. Durante a minha vida tive, também, a felicidade de encontrar pessoas incríveis que me ajudaram e me ajudam de uma maneira extraordinária.
Sonia Consiglio: Por favor, deixe uma mensagem final aos nossos leitores, pessoas que lidam diariamente com o fascinante e desafiador mundo dos investidores.
Cacá Takahashi: Temos que ter enorme senso de responsabilidade e consciência do nosso dever fiduciário, pois é através dos investimentos que as pessoas constroem o seu futuro e o seu bem-estar financeiro e, por meio dos investimentos proporcionamos o desenvolvimento econômico necessário para a construção de uma sociedade melhor. A conexão entre a incorporação da sustentabilidade, através do correto tratamento das questões ambientais, sociais e de governança, construindo resultados econômicos consistentes no longo prazo é o caminho para construir um mundo melhor para as futuras gerações. Se queremos chegar ao destino certo, temos que fazer o que é certo.
Sonia Consiglio
é especialista em sustentabilidade, palestrante, conselheira de administração e SDG Pioneer pelo Pacto Global das Nações Unidas.
bysonia.consiglio@gmail.com