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Modelo de Gestão Sustentável: A jornada de transformação digital do gov.br by SERPRO
Nesta edição, fazemos uma pausa em nosso projeto: ESG: uma partitura que está sendo escrita, para entrevistar o executivo Gileno Gurjão Barreto, diretor-presidente do SERPRO, maior empresa pública de tecnologia da informação do mundo, que há 57 anos gera inovação para a transformação digital do Brasil, com soluções que conectam Estado e sociedade e, recentemente, com abrangência internacional.
Gileno Barreto é advogado, com MBA em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Ex-Conselheiro do Carf e da CSRF entre 2004 e 2014, atuou em contencioso administrativo e judicial tributários e como consultor de grandes empresas nacionais e multinacionais, acumulando uma experiência profissional de 25 anos. Assumiu a presidência do SERPRO em setembro de 2020, após atuar na empresa como diretor jurídico e de governança e gestão, desde maio de 2019.
SERPRO em números:
Esta entrevista foi realizada virtualmente de Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, durante 2hs:30’, pontuada pelo bom humor do Gileno e por sua disponibilidade em compartilhar o importante trabalho realizado pelo SERPRO, referente à jornada de transformação digital do gov.br, acompanhado por Loyanne Salles, Superintendente de Comunicação e Marketing. Tivemos a oportunidade de retomar os conceitos desta seção: Orquestra Societária, Modelo de Gestão Sustentável e Sinfonia Corporativa, através do case do SERPRO. Acompanhe a entrevista.
RI: Como o senhor vê o papel da tecnologia na administração de um país e na prestação de serviços à sociedade?
Gileno Barreto: Primeiramente, e raciocinando de modo mais amplo, a tecnologia tem um papel crucial para todas as estruturas que integram a sociedade e a economia, sejam estas organizações de natureza pública, privada ou diversa. Administração efetiva, para tomada de decisão, exige reunir informações – e no caso das organizações de Estado, grandes massas de informações – de diferentes fontes, bem como organizá-las, de modo que se possa atingir os objetivos estratégicos. Esses objetivos podem mudar, mas seu alcance exige o uso intenso e bem planejado da tecnologia, com constantes inovações. No que respeita às organizações estatais, a tecnologia é fundamental para colocar as pessoas – a grande assembleia de cidadãos a quem as entidades estatais devem servir – no topo de uma cadeia de criação de valores tangíveis e intangíveis. As potencialidades de prestação de serviços ao cidadão são inúmeras. A tecnologia tem o papel de servir ao cidadão, à defesa de seus direitos fundamentais, ao cumprimento de seus deveres (que favorecem a totalidade dos cidadãos) e aos seus negócios, quando estes existirem, por menores que sejam. E a tecnologia provê informações de grande valor aos administradores públicos, que devem servir, em um plano mais elevado, a eles, os cidadãos. Enfatizo a jornada de transformação digital que o Brasil e outros países têm vivenciado, que favorece a criação de valor para o cidadão, democratizando o acesso a informações e serviços. Aliás, acelerar a transformação digital tem se mostrado de suma importância para proteger a saúde, as vidas e o trabalho de milhões de pessoas, ao longo da pandemia COVID-19.
RI: Como o SERPRO tem atuado na jornada de transformação digital do gov.br?
Gileno Barreto: Em continuidade aos projetos planejados, executados e iniciados por Caio Paes de Andrade, ex-diretor-presidente do SERPRO e atual secretário de desburocratização, gestão e governo digital do Ministério da Economia, e também Paulo Spencer Uebel, ex-secretário de desburocratização, gestão e governo digital, foram orquestradas três grandes ondas de transformação digital. Nosso esforço contou com o apoio do Ministério da Economia e da Secretaria de Planejamento, e com a imprescindível colaboração de profissionais muito qualificados do SERPRO e de outras organizações, entre estatais e privadas. A primeira onda – gov.br – plataforma única: “Um Estado para cada cidadão” – corresponde ao entendimento de que o governo deve ter uma face digital única para os brasileiros, sob o prisma da prestação de serviços. O foco passou a ser o cidadão: Um conjunto de profissionais trabalha, nas várias organizações da administração pública, a fim de que milhões de brasileiros tenham serviços importantes para suas vidas e trabalhos. É importante que os brasileiros percebam esse esforço de padronização, uniformidade, digitalização dos serviços possíveis, integrando uma unidade digital,de facilitação de suas vidas, em variadas frentes. E é importante que se sintam satisfeitos com os resultados. Utilizou-se o conceito de design system, com técnica, metodologia e gestão da cultura para centralizar os serviços públicos por meio de um único relacionamento. Foi um projeto literalmente para “tirar do papel” e ir para o digital, difícil de executar, mas com ganhos tangíveis e intangíveis significativos, para um investimento da ordem de R$ 50 milhões: (i) economia anual, projetada pela Secretaria de Governo Digital, de R$ 7 bilhões; (ii) R$ 28 bilhões de economia para o setor privado (considerando a implantação do projeto do Portal Único - Siscomex); e (iii) qualidade de vida para o cidadão, com tecnologia acessível, possibilitando consultar tudo sem sair de casa ou do trabalho (ganho de tempo e redução de custos com deslocamentos). A segunda onda da transformação digital – Melhoria do ambiente de negócios – liberdade para empreender –, é importante entender a amplitude dos negócios que existem em nosso País, de todos os tamanhos. Quando o Estado facilita, por meio da tecnologia, a criação e o andamento desses negócios, ganham os cidadãos e ganham as organizações privadas e do terceiro setor que entregam produtos e serviços à sociedade e dão sustento a milhões de brasileiros. O ambiente de negócios não é algo trivial, é um tema de Administração Pública que merece muita atenção e profissionalização em qualquer País que busque desenvolvimento socioeconômico. Os ganhos desse projeto foram resultado da revisão de todas as normas e da inversão da lógica da burocracia e da papelada: (i) redução do prazo de abertura de uma empresa para 3 dias, (ii) simplificação do processo de assinatura digital; (iii) desenvolvimento de uma plataforma específica de serviços para os municípios (pequenas cidades), como marcação de consultas, poda de árvore, primeira experiência em transformação digital - Cidades GOV BR. A terceira onda – gov.br 360 – trata da comunicação ativa com o cidadão. Objetiva ampliar substancialmente a interlocução com os cidadãos, seus negócios e suas necessidades, através da estrutura robusta de dados, para facilitar a vida de quem tem a vida difícil. Exemplificando: nesta terceira onda, o Estado poderá enviar, em muito maior medida, avisos e receber confirmações e outros manifestações. Por exemplo, sobre o momento de prestar uma declaração ao Estado, ou de este ter disponibilizado algum serviço solicitado. Novamente, as potencialidades são múltiplas. O BOOSTER SERPROVENTURES, edital recém lançado, oferece benefícios para acelerar startups, é uma das muitas iniciativas que alavancam os serviços no Brasil.
RI: No que se refere à primeira onda – gov.br – plataforma única –, o senhor poderia nos dar uma ideia das potencialidades que a tecnologia oferece aos cidadãos?
Gileno Barreto: A tecnologia oferece a possibilidade de um cidadão, em qualquer lugar do Brasil, acessar, com base em poucas informações fornecidas ao Estado (como nome, CPF, um login e uma senha) um conjunto de informações e serviços, em áreas distintas: renda, saúde, educação, segurança, cultura, trabalho, previdência social, negócios e outras. Trata-se da acessibilidade digital que elimina as barreiras na Web, por meio de sites e portais projetados de modo que todas as pessoas possam interagir de maneira intuitiva. Sugerimos a quem nos lê que digite, em seu celular, tablet ou computador, o endereço digital gov.br e navegue detidamente por este portal: será possível ter uma primeira ideia do esforço que tem sido empreendido para criar essa face digital única de oferta de serviços prestados pelo Estado. Enfatizando que o que se verá é a ponta de um iceberg de possibilidades, pois trata-se de uma jornada digital, com planejamento estratégico e continuidade de implementação de projetos, com visão de longo prazo e entregas de curto, médio e longo prazos, que requerem o compromisso de gestores da Administração Pública, além dos limites dos períodos de governo, assegurando a implementação de um Modelo de Gestão Sustentável, voltado aos principais acionistas: os mais de 200 milhões de cidadãos brasileiros. Exemplifiquemos, inicialmente, com o tema da renda. Na pandemia COVID-19, o Estado criou uma rede de proteção financeira que permitiu a milhões de brasileiros sobreviverem, por meio do auxílio emergencial. A tecnologia foi crucial para alcançar esse fim. O processo não foi simples, houve percalços, mas o resultado foi muito positivo para o País. Um segundo exemplo é o da saúde, também relacionado à pandemia: é possível, via endereço gov.br, que o cidadão acesse informações relacionadas à sua vacinação em etapas. Mencionamos também a educação: muitos estudantes têm financiamento do Estado para viabilizarem seus estudos, por meio do FIES, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Por meio do gov.br, eles podem receber informações e tomar algumas iniciativas. Estes três singelos exemplos, de cunho principalmente social, são a pequena ponta de um iceberg de prestações de serviços, já mencionado, que facilitam a vida dos cidadãos, em direitos e deveres. O cidadão pode, via gov.br, obter informações trabalhistas e interagir com o Estado nessa seara, acessar informações sobre imposto de renda, cópias de declarações e certidões e muito mais.
RI: Sobre a segunda onda – Melhoria do Ambiente de Negócios – quais potencialidades a tecnologia oferece?
Gileno Barreto: Retornemos ao endereço gov.br. Várias funcionalidades são oferecidas à melhoria do ambiente de negócios. Se o acessante procurar, encontrará áreas destinadas a empresas e suas atividades, contemplando autorizações, exigências, cadastros e programas. Ademais, encontrará tópicos como comércio exterior, indústria, Zona Franca de Manaus e propriedade industrial e intelectual. Isso foi possível por meio da mudança da Lei, que trouxe o conceito de “não repúdio” para assinaturas digitais em três níveis, simplificada, avançada e qualificada, essa última equivalente ao certificado digital. Destaco, novamente, que o iceberg tende a crescer, tanto para cidadãos quanto para os negócios que, aliás, têm função social. E observo que as facilidades que a tecnologia oferece não favorecem retrocessos que desagradem aos cidadãos ou não ajudem seus negócios; ao contrário, criam novas demandas por mais avanços. E destaco também que os esforços empreendidos pelo SERPRO resultam de pesquisas, análises de necessidades e sobre como atendê-las. É preciso ouvir os cidadãos para melhor atendê-los, ampliando a escuta ativa.
RI: No que tange às três grandes ondas de transformação digital, com suas respectivas finalidades, indagamos: de forma abrangente, o que seria comum a todas?
Gileno Barreto: Em primeiro lugar, destaco a visão da assembleia geral de cidadãos, já mencionada, devendo-se ter em mente que todos os esforços convergem para, ao final, servirmos aos cidadãos, seus negócios e necessidades respectivas. Enfatizo que a realidade fática pode originar a necessidade de uma ou até mais de uma nova onda futura, já que a sociedade evolui com o tempo. É preciso ter a mente aberta para captar e até antecipar mudanças. Destaco também que as três ondas são interdependentes e interpenetrantes. Não se deve imaginar que o início de uma onda encerra a anterior, pois as três ondas fazem parte integrante de uma jornada digital. As três ondas – gov.br – plataforma única, melhoria do ambiente de negócios e comunicação ativa com o cidadão – devem existir de modo concomitante. Enfatizo ainda, como ponto que afeta as três ondas citadas, a tremenda importância das tecnologias mobile para que possamos avançar. Os dispositivos móveis são fundamentais, tecnicamente, para que as essas ondas evoluam, democratizando o acesso a informações e serviços e servindo bem aos cidadãos. Saímos de uma base disponível apenas para computadores pessoais, caros, inacessíveis para muito brasileiros, para o “mobile first”.
RI: Sendo o Brasil uma Federação com União, Estados, Municípios e Distrito Federal, e tendo um território continental, quais são as principais dificuldades e os desafios à implementação das três ondas, de maneira que elas alcancem todos os brasileiros? Incluindo aqueles que habitam em locais mais distantes, como por exemplo, a Amazônia?
Gileno Barreto: Esta pergunta cria a oportunidade de uma breve reflexão sobre as dificuldades genéricas da administração digital em um País com as características do Brasil. A boa notícia é que as tecnologias digitais são ferramentas poderosas para enfrentar, em muitas situações, as dificuldades que a geografia e a desigualdades regionais impõem. Entretanto, existem alguns pontos de atenção muito importantes, sobre os quais se deve ter consciência. Sim, são muitas as entidades federativas e os esforços de integração digital necessitam levar em conta que um processo de desenvolvimento requer recursos, esforços e tempo, a fim de que administradores das várias entidades por todo o País percebam as vantagens de uma face única do Estado, no front digital. A meu ver, trata-se de uma jornada de longo prazo e resiliência. À medida que percebem as vantagens, administradores públicos tendem a adotar novas práticas, especialmente quando elas facilitam o seu trabalho e o tornam visível para o cidadão. Em segundo lugar, há que considerar as necessidades de investimentos. Nessa seara, posso afirmar sem medo de errar que muitos investimentos realizados em integração tecnológica da administração pública compensam amplamente, especialmente quando consideramos os ganhos de escala obtidos na integração de bases de dados e na disponibilização de serviços que podem ser facilmente alcançados pela via digital. Muitos recursos públicos podem ser poupados quando se eliminam redundâncias, beneficiando os contribuintes,em muito grande medida. Os ganhos podem ser da ordem de bilhões de reais em alguns poucos anos. Ao mesmo tempo, é preciso alcançar áreas distantes e/ou de difícil acesso e, nesse sentido, é preciso adotar soluções para que os cidadãos brasileiros que habitam nesses locais acessem os serviços do gov.br – e, aliás, também considerando suas necessidades e especificidades. Não é defensável que eles não sejam contemplados pelos planejadores da esfera pública, é preciso tratar essas necessidades de forma profissional e desenvolvendo soluções e parcerias para esse fim. É preciso planejamento, inteligência e permanentes investimentos. Uma das soluções encontradas foi o curso gratuito Letramento Digital, que visa à democratização do conhecimento das ferramentas tecnológicas e respectivos benefícios. Temos que considerar, em terceiro lugar, as questões de governança, que podem ser consideradas, de modo simplificado, em duas vertentes: 1. a governança do País, mais ampla e complexa, já que o Brasil, conforme dito, é uma Federação com muitas entidades. E com três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, com atribuições e responsabilidades de âmbito nacional, estadual e municipal, conforme o caso; e. 2. a governança das organizações estatais individualmente consideradas. A governança de uma empresa pública é complexa, pois é impactada pelas questões relacionadas à governança do próprio País. A evolução das práticas de governança e de sustentabilidade de uma estatal é muito importante para que esta atenda da melhor forma possível aos cidadãos. Resumindo: o front digital de uma Administração Pública que busca servir aos cidadãos, seus negócios e interesses requer trabalho, resiliência, investimentos, soluções para áreas de difícil acesso, governança corporativa e sustentabilidade nas estatais. E muito mais.
RI: Como as três ondas ajudam a combater a forte desigualdade social que caracteriza o Brasil?
Gileno Barreto: Primeiramente, por meio da oferta de um grande número de serviços que demandariam custos e esforços desnecessários de cidadãos. Quando disponibilizamos informações que permitem ao cidadão de qualquer ponto do País aumentar suas possibilidades de uma vida melhor, estamos combatendo as desigualdades, já que o País é regionalmente desigual. As pessoas têm mais tempo para trabalhar e para ficar com sua família, não precisam se locomover, ou reduz-se a necessidade de locomoção. Os exemplos que demos anteriormente sobre o auxílio emergencial, o controle de vacinação e o FIES ajudam a mostrar como o cidadão pode ser ajudado, mas são apenas uma pequena amostra das possibilidades. E pensemos nas inúmeras possibilidades, no que podemos implementar. Imagine-se que o cidadão que faz uso do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da plataforma gov.br, consiga acessar informações sobre sua saúde, exames médicos realizados, controle de medicações e outros itens. Nesse contexto, a imaginação pode criar muitas ideias. Naturalmente, existem desafios, pois muitos não terão o letramento necessário para lidar com a tecnologia. Entretanto, isto não é impedimento, é desafio. Penso que não devemos focar dificuldades, mas ideias e soluções para enfrentá-las. Há um extenso trabalho a ser desenvolvido, mas as possibilidades são realmente incríveis. Eu gostaria de expressar aqui a minha visão de que quando administramos organizações estatais de maneira profissional, com boa alocação de recursos humanos e financeiros, respeitando os cidadãos, estamos contribuindo para combater a desigualdade social. Uma estatal mal administrada não faz o trabalho que deveria ser feito em prol da sociedade e do combate à desigualdade, e seus recursos são direcionados para quem já é privilegiado, por de alguma forma fazer parte do aparato estatal. Se for assim, melhor não existir.
RI: Entendemos que as três grandes ondas de transformação digital são diretrizes de um modelo de gestão sustentável, que viabiliza o alcance de diferentes objetivos estratégicos. Nosso entendimento está correto?
Gileno Barreto: Na minha opinião, sim, temos construído, com intenso trabalho, um modelo de gestão capaz de suportar diferentes estratégias, com grande potencial para beneficiar cidadãos brasileiros ao longo de muitos anos. E gosto de pensar que este será um legado importante do nosso trabalho. Neste ponto, é relevante melhor explicar a lógica com a qual raciocinamos. Consideremos, hipoteticamente, apenas para fins de raciocínio, uma organização com as características do SERPRO, capaz de criar grandes sinergias na esfera pública (sim, isto é possível nessa esfera!), eliminando redundâncias e otimizando o uso de recursos públicos. Em um dado período administrativo, pode-se ter, como objetivos estratégicos, a criação de sinergias, abrangendo ações que envolvam estatais. Para outro período, pode-se, hipoteticamente, estabelecer outros objetivos, focalizando, por exemplo, o atendimento a cidadãos em áreas de difícil acesso. Em um terceiro período, a estratégia pode priorizar a aquisição intensiva de novas tecnologias e ações para sua disseminação. Um quarto período pode priorizar uma combinação dessas possiblidades. E la nave va. Não é possível esgotar aqui as possibilidades. Independentemente dos objetivos estratégicos, vejo as três grandes ondas de transformação como diretrizes de um modelo de gestão, capaz de dar suporte a distintas estratégias, como uma espécie de base de atuação sustentável, similar ao Modelo de Gestão Sustentável - MGS, amplamente divulgado nesta coluna. Qualquer que seja a estratégia, os três vértices considerados –gov.br – plataforma única, melhoria do ambiente de negócios (no sentido de melhoria permanente) e gov.br 360 – constituem-se em uma base triangular de suporte ao desenvolvimento de objetivos estratégicos diferentes. Mas existem outras diretrizes a agregar ao rol. Como por exemplo, a de adoção de boas práticas de governança e sustentabilidade, várias delas transpostas do ambiente privado, e de uma gestão de riscos eficaz. E outras possibilidades existem. Desde que ingressamos no SERPRO, os objetivos estratégicos perseguidos pela organização têm sido a integração de sistemas de organizações estatais, em busca da eliminação de redundâncias e da criação de sinergias, bem com a criação de uma plataforma digital, a gov.br, a partir da qual cidadãos e empresas podem acessar serviços disponíveis. Note que existe uma diferença conceitual entre a gov.br, ou seja, a face única digital do governo para os cidadãos, e a inicialização dessa plataforma para os cidadãos e seus negócios: a segunda é a materialização, na prática, da primeira.
RI: Quais riscos o senhor vislumbra como mais relevantes no desenvolvimento das três ondas?
Gileno Barreto: Destaco nesta entrevista os riscos de governança. Ao mesmo tempo, lembro que os riscos de governança, tanto aquela mais ampla, relacionada ao Brasil, quanto aquela das organizações estatais, sempre existiram, desde a criação da República, e sempre existirão, em maior ou menor medida. Sobre a governança de organizações estatais, eu destacaria, em especial, dois riscos, que eu chamaria de clássicos. Primeiramente, aquele que alguns chamam de risco do apagão de caneta, correspondente à paralisia que pode ocorrer quando a Alta Administração não tem uma ideia clara sobre o que precisa ser feito (objetivos estratégicos) e sobre as bases que embasarão o que precisa ser feito, para que realmente seja feito (modelo de gestão). O segundo grande risco de governança das estatais relaciona-se a pessoas, já que pode haver mudanças de liderança e o ingresso de novos públicos não familiarizados com os esforços em curso. É o risco de descontinuidade. Ao mesmo tempo, acredito que a avaliação e a transposição de boas práticas do ambiente privado às organizações estatais é altamente benéfica, ajudando substancialmente a mitigar esses dois riscos entre outros. Sem perder de vista que ele, o cidadão, na ponta final, é o principal stakeholder de uma estatal, é possível transpor boas ferramentas do ambiente privado ao ambiente público, com as devidas adaptações e ajustes. Isso pode ser muito útil para o País. Com o Modelo de Gestão Sustentável, a estratégia será bem formulada, compreendida e implementada. Acredito, por fim, correndo o risco de parecer repetitivo, que as facilidades que a tecnologia oferece não favorecem retrocessos e que as demandas por mais serviços para os cidadãos e seus negócios tendem a crescer, com ou sem os clássicos riscos de governança. Sendo assim, o caminho é o das boas práticas de governança e o do respeito aos cidadãos. O que vai para o digital, não volta para trás.
RI: Como o senhor descreveria as grandes linhas da governança do SERPRO?
Gileno Barreto: Temos uma estrutura profissional de governança corporativa, com um Conselho de Administração, um Conselho Fiscal e uma Diretoria Executiva. O Conselho de Administração é integrado por seis profissionais: três representantes do Ministério da Economia, dois conselheiros independentes e um representante dos empregados. A presença de conselheiros independentes é uma prática respeitada pelos mercados financeiros e de capitais. O Conselho de Administração conta com um Comitês para ajudá-lo em suas decisões, com destaque para o Comitê de RH, Elegibilidade, Sucessão e Remuneração. O Conselho Fiscal tem dois integrantes e seus respectivos suplentes. Nossa Diretoria Executiva, por sua vez, abrange, além da Presidência, seis Diretorias: Relacionamento com Clientes, Operações, Administração, Jurídico e de Governança e Gestão, bem como de Desenvolvimento. Não temos uma Diretoria ou área específica para inovação, pois consideramos que uma estrutura matricial para este fim é mais eficaz. Nosso modo de pensar na Diretoria Executiva, apoiada pelo Conselho de Administração, é substancialmente baseado em práticas do ambiente corporativo privado. Como um primeiro exemplo que ilustra nossa atuação, destaco a gestão de pessoas. Sempre com grande respeito aos nossos empregados, desde o início da nossa atuação, buscamos compreender detalhadamente sua alocação pela empresa, fizemos várias viagens pelo País para esse fim. Consideramos uma boa alocação crucial, pois precisamos ter as pessoas certas nos lugares certos e desenvolvendo as atividades certas. Em minha opinião, alocação de pessoas em estatais é uma questão de governança corporativa. Um dos problemas de gestão mais críticos que uma estatal pode ter é o de alocação incorreta; por exemplo, com um número excessivo de pessoas em processos que não têm essa necessidade, ou, no sentido oposto, a falta de pessoas onde elas são imprescindíveis, como principalmente, no core business. Fizemos uma avaliação criteriosa, identificamos as mudanças necessárias e, por meio de um programa de desligamento voluntário, ajustamos o nosso quadro às necessidades da organização. Além disso, criamos um sistema de incentivos que consideramos muito bom, baseado em metas e KPI´s, para trabalhar aspectos como motivação e remuneração. Os resultados têm sido excepcionais.
Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com