Governança

NOVO CONTRATO SOCIAL & GOVERNANÇA MULTISTAKEHOLDER

Não há razão para não observarmos que grandes questões continuam a desafiar a economia mundial. O desequilíbrio social e a disparidade da renda aumentaram de forma constante nas últimas décadas. Por outro lado, a produtividade e a melhoria da renda perderam força e, junto com o endividamento dos países, têm sobrecarregado cada vez mais as economias, com recursos mais escassos.

A relevância e o poder, além do alcance das maiores empresas do mundo, atingiram níveis sem precedentes, levantando questionamentos sobre a disseminação da inovação e ganhos de produtividade.

Finalmente, a exploração dos recursos naturais tem aumentado, o que notoriamente traz consequências negativas reais para bilhões de pessoas, ou seja, em escala planetária. Já não é uma questão de uma região ou de um país longínquo; é aqui, em qualquer lugar.

Tive a oportunidade recentemente de estudar em Berlin, Tel Aviv e NY, numa sequência muito interessante para entender o quanto estes temas são relevantes em diferentes partes do mundo, e com questões geopolíticas de extrema complexidade. Enquanto o debate sobre as causas dessas questões continua, o professor Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, argumenta persuasivamente em seu livro “Stakeholder Capitalism” que os sistemas atuais falham em explicar ou resolver muitos dos problemas que enfrentamos agora.

Com o seu colaborador Peter Vanham, Schwab demonstra que uma resposta holística, envolvendo governo, empresas e indivíduos, é necessária para resolver esses desafios profundamente enraizados. E é muito clara a importância das empresas neste processo, até mesmo pela força que possuem como mecanismos de inclusão social e transformação da sociedade.

Durante décadas, os poderes consolidaram suas posições e seus sistemas concorrentes, em uma batalha de ideologias, sistemas econômicos e hegemonia geopolítica.

Observamos um surgimento de um novo paradigma. Mais do que as tecnologias que disruptam muitas áreas do conhecimento humano, e mais do que a forma como interagimos hoje por meio dessas tecnologias, nossa mentalidade e a forma como nos conectamos, saímos de um mundo matricial, verticalizado, e entramos em um mundo líquido, muito mais horizontal, ou como o professor Jorge Forbes tão bem explora, entramos na Terra 2. Passamos a usar mecanismos do Novo Poder e acompanhamos a queda do velho poder. Um novo mundo.

O Novo poder nos permite agir, disseminar e engajar pessoas e comunidades em torno de um objetivo comum. E isso traz uma nova dinâmica social.

Schwab discute a necessidade de um novo Contrato Social com responsabilidade compartilhada. Ele fornece consultoria viável e acionável para empresas e governos, ONGs e sociedade civil e economias emergentes e estabelecidas.

No prefácio do seu ótimo livro “Cuidar uns dos outros: um novo contrato social”, Minouche Shafik menciona que precisamos de um novo paradigma. Mudanças tecnológicas e demográficas profundas têm desafiado estruturas antigas. A crise climática, a pandemia mundial e suas consequências econômicas inevitáveis revelaram até que ponto o nosso CONTRATO SOCIAL não está mais funcionando.

E essa tal de Governança?
1) Compliance se atende com Governança; 2) Risco se mitiga com Governança; e 3) Governança se vive por Propósito.

Hugo Bethlem, Chief Purpose Officer (CPO) da Bravo e chairman do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB), mencionou esses três pontos em uma apresentação recente; eu não poderia concordar mais. Se quisermos transformar, muito se passará pela Governança.

Nossa área de Research tem observado que o espaço para os investimentos em Governança, Gestão de Riscos e ESG tem crescido continuamente. As organizações devem demonstrar sua capacidade de visão sistêmica ao incorporar riscos emergentes e desenvolver mecanismos ágeis de controle e continuidade dos negócios. Além disso, prover uma boa experiência ao cliente é questão de crescimento ou declínio.

Incorporadas a esta realidade complexa, as condições de mudanças climáticas extremas e o nível de desigualdade latente nas nações pelo mundo afora passam a exigir um novo comportamento: uma mudança profunda em sua forma de fazer e ver os negócios.

Ancorado pela estratégia, um mundo em mudanças tão rápidas e extremas pede mudanças profundas. Dessa forma, inovações ou intervenções nos negócios de forma incremental têm seus dias contados e podem ser consideradas melhorias de transição.

Migrar a organização de um modus operandi BAU (business as usual) para uma realidade de criação de valor para seus multistakeholders requer líderes com visão sistêmica, conhecimento e novas capacidades de lidar com uma governança multifacetada.

A cultura e os princípios são, mais do que nunca, os grandes direcionadores e bases de sustentação para empresas que enfrentarem crise, estagnação ou crescimento. Estar atento a como o mundo muda aí fora e como podemos compreender e implementar mudanças na visão dos stakeholders da companhia, coloca a empresa um passo à frente.

As novas capacidades das organizações devem refletir a capacidade de seu corpo executivo, da sua cultura e dos seus mecanismos em identificar, gerir e responder aos seus impactos, conectando as necessidades, dores, contexto e desejos dos seus clientes, colaboradores, investidores, fornecedores e parceiros.

Uma governança responsável adequada e resiliente não está somente relacionada aos impactos, riscos e controles desenvolvidos e implementados. Diz respeito à capacidade de conectar a organização com as visões que regem as mudanças e inspiram as transformações de dentro para fora, e de fora para dentro, e isso apenas uma cultura forte e com princípios norteadores claros consegue prosperar.

Na Governança Multistakeholder, os interesses/impactos de grupos ou indivíduos que não estão diretamente vinculados à empresa – como governo, grupos sociais, entidades civis e agentes financeiros – podem ser considerados na governança para um melhor posicionamento estratégico da empresa, podendo inclusive gerar uma postura ativa com resultados positivos às pessoas, à sociedade e ao meio ambiente.

Governance by design
Da pequena empresa e startups às grandes corporações e scaleups, Governança é essencial e básico. A Governança é adaptativa, resiliente e antifrágil e se adequa aos diferentes níveis de maturidade da organização.

Entre seus componentes mais importantes está o processo de gestão de riscos, e ele deve gerar valor para o planeta, para as pessoas, para a sociedade, para as empresas e todos os stakeholders. Não pode ser apenas um emaranhado de informações e matrizes de riscos. Em um mundo digital, a gestão de riscos caminha para um processo dinâmico, tempestivo e com base em dados, com foco em geração de valor.

Quando empresas e organizações estruturam sua governança, elas demonstram pelo exemplo que se pode transformar a sociedade, mercados e tudo começa de dentro para fora.

Pesquisas sobre o modelo de trabalho GRC (Governança, Riscos e Compliance) indicam que as instituições passaram a monitorar um número maior de riscos. Os dados mostram um aumento na preocupação – e seguimento da ação – das empresas que atuam no Brasil e no mundo em gerenciar os riscos de forma mais eficiente, diante das transformações do ambiente de negócios dos países. As empresas buscam tecnologias que aumentem a transparência de seus negócios e a confiança dos stakeholders, evitando situações que possam até manchar a reputação e a imagem da empresa perante o mercado.

É importante ressaltar que a maturidade da gestão de riscos direciona os resultados financeiros de uma empresa e as de melhor desempenho são aquelas que desenvolveram a expertise para detectar quais são seus riscos relevantes e como mitigá-los. Um exemplo são os riscos climáticos e sociais, que podem trazer uma oportunidade de inovação para a companhia, ou até mesmo um processo de inovação aberta, o que certamente será um vetor de crescimento para esta organização.

Podemos classificar como “dor do cliente” os erros que surgem na execução da estratégia pela não identificação, ou não inclusão, dos riscos no planejamento inicial e que podem comprometer o alcance dos resultados esperados. Quando os processos não são eficientes e os controles internos não estão associados ao risco corporativo, toda a cadeia de valor será afetada e o cliente provavelmente não terá uma boa experiência com o produto ou serviço oferecido.

Nesse contexto, as práticas ESG não podem estar isoladas. Se estiverem conectas às iniciativas de governança, certamente estarão mais bem amparadas, disseminadas e adotadas. E sem dúvida gerarão maior valor aos acionistas e a todos os stakeholders.

Uma questão de escolhas: e elas não são óbvias
Muitas empresas têm abordado o tema ESG dentro de casa, mas apenas dizer que tem ESG, ou ter realizado um pequeno estudo de caso, não é o suficiente, além de incorrer em riscos de greenwashing.

Muitas são as iniciativas que têm se destacado em mercados mais maduros, como, por exemplo, a iniciativa Measuring Stakeholder Capitalism: Towards Common Metrics and Consistent Reporting of Sustainable Value Creation (2020), do Fórum Econômico Mundial. Com o objetivo de criar métricas comuns a diversos setores sobre fatores ESG, com base nos diversos frameworks existentes, a ideia é a convergência de padrões, a interoperabilidade, comparabilidade e consistência.

Há uma necessidade quase primária de que os diversos sistemas e organizações possam trabalhar em conjunto e para um bem maior. As divulgações financeiras certamente evoluirão para um desenho de riscos, retorno e impacto. Sociedade, investidores e governos têm que trabalhar juntos para uma melhor consolidação e reporte de resultados, e precisamos contar cada vez mais com iniciativas interessantes como o Impact-Weighted Accounts de Harvard, entre outras.

A missão do Impact-Weighted Accounts Project é impulsionar a criação de contas financeiras que reflitam o desempenho financeiro, social e ambiental de uma empresa. A ambição é criar demonstrações contábeis que capturem, de forma transparente, os impactos externos de uma forma que impulsione a tomada de decisões de investidores e gestores.

Os líderes empresariais podem implementar divulgações não financeiras para suas empresas e como os investidores e governos podem trabalhar juntos para promover o stakeholder capitalism em sua região, partindo da avaliação de quatro pilares: princípios de governança, planeta, pessoas e prosperidade.

O relatório do IBGC de 2022 “Mapeando a regulação sobre disclosure ESG para companhias de capital aberto em mercados desenvolvidos” traz uma visão bem interessante sobre o tema. A frase atribuída a Albert Enstein é perfeita para o tema aqui abordado: “Nós não podemos resolver um problema com o mesmo estado mental que o criou”.

Os negócios são ao mesmo tempo os criadores dos problemas de sustentabilidade, mas também os curadores e provedores das soluções mais sustentáveis.


Claudinei Elias
é CEO e fundador da Bravo, empresa de tecnologia e consultoria para GRC e ESG.
claudinei.elias@bravogrc.com


Continua...