O conceito de investimento está associado à aplicação de recursos com o objetivo de obter um retorno no futuro e todo bom investidor procurar maximizar este retorno, atuando com conhecimento, sensibilidade, assumindo riscos, entre outros fatores que fazem a diferença. Porém, quando tratamos de investimento social o padrão mental de quem investe é completamente diferente.
Quase ninguém quer assumir riscos, as iniciativas são primordialmente assistencialistas, especialmente porque não visam promover transformações sociais, e a maioria deseja resultados de curto prazo. Ou seja, é um mercado com a característica peculiar de que quem não conhece nada sobre o assunto acaba ditando as regras de como as pessoas e organizações que conhecem bem o tema devem operar.
Na prática, este comportamento é fruto de estarmos todos aprisionados num modelo de armadilha da pobreza, que afeta muitos mais os ricos do que os pobres. Um bom exemplo disto é que conseguimos mobilizar recursos impressionantes quando decidimos atuar em problemas que são, na verdade, consequências da armadilha da pobreza, tais como mudanças climáticas, guerras, imigração, racismo. Cada hora tem a bola da vez, com o tema do momento que mobiliza mais as pessoas, mídia, sempre atuando na superfície do grande iceberg da pobreza humana que edificamos ao longo dos diversos séculos de construção, preservação e aprofundamento do problema da desigualdade social.
Infelizmente a imensa maioria dos que realizam investimentos sociais, sejam corporativos ou individuais, ainda não compreendeu que o problema da armadilha da pobreza é aquele que está nos levando, cada vez mais aceleradamente, à auto extinção da raça humana. É bom abrir os olhos e perceber que mundo atual conta com diversos meios eficazes para realizar esta empreitada (a qual suspeito seja uma tendência natural pré-programada, algo de nascença), tais como IA, guerra nuclear, cultivo de um vírus ou bactéria superpoderosas nos caldeirões dos bairros e regiões que vivem abaixo de qualquer padrão mínimo de dignidade humana, apenas para citar alguns roteiros que Hollywood adora explorar, com a única diferença que, para aumentar os lucros da bilheteria, os seus filmes sempre chegam num final feliz.
Vamos analisar um caso extremo de oportunidade e de decepção. Uma empresa de um setor de exploração de commodities (petróleo, gás, mineração, etc.) decide realizar um investimento numa nova reserva. Estamos aqui falando de grandes investimentos, com longo prazo de exploração (30, 40, 60 anos), geralmente em lugares pequenos, remotos e pobres, e com obrigações legais de realizar investimentos sociais e ambientais na região.
Na parte ambiental, os cuidados para realizar bons investimentos têm se intensificado muito, seja porque a questão da preservação ambiental tem um forte impacto na imagem da empresa e, consequentemente, na sua relação com clientes, investidores, acionista, seja porque nossa sociedade contemporânea dá mais atenção aos pets do que às crianças, num fenômeno que gosto de chamar de “petologia”, que é uma patologia pelos pets.
Mas quando vamos para o investimento social, o que prevalece é o cumprimento de metas e indicadores de curto prazo, que satisfaçam os mesmos clientes, acionistas, investidores, mas sem empregar conhecimento qualificado com o tema e com os desafios relacionados e muitas vezes com graves infrações éticas, numa mistura de incompetência, negligência, conivência e indiferença, de todas as partes envolvidas.
O fato de uma pessoa ter se tornado um empresário de sucesso ou de uma empresa ser a líder de mercado no seu segmento, absolutamente não a qualifica como competente investidor social. O modelo mecânico, lógico, que funcionou bem para gerar a prosperidade econômica de alguns, não serve para ser aplicado quando desejamos promover prosperidade em comunidades que historicamente vivem sob condições de profunda desigualdade social, porque precisamos empregar modelos biológicos, que seguem outras regras e requerem formas de abordagem que usualmente não fazem parte do repertório intelectual dos seres humanos mais prósperos financeiramente, focando aqui naqueles que realmente desejam ajudar a construir um mundo melhor para as futuras gerações.
Um aspecto tragicômico é que as empresas dos setores mencionados anteriormente sonham em promover autonomia nas comunidades onde vão atuar, na perspectiva de que as pessoas destas comunidades deixem de ver tais empresas como grandes provedoras de necessidades essenciais, mas as vejam como parceiras na construção de um processo de transformação social. Só que isso requer uma visão de longo prazo, uma abordagem sistêmica e, principalmente, não ter controle, porque autonomia e controle são antagônicos. Mas qual empresa quer abrir mão do controle?
Apesar de tudo isso que comento acima, inclusive da minha crença na auto extinção da raça humana, eu sou uma pessoa bastante otimista, porque acredito que podemos mudar nosso futuro de forma coerente e inteligente.
E a boa notícia é que as soluções para problemas complexos são geralmente simples. Basta focar nas raízes dos problemas, com um olhar sistêmico, evolutivo e de longo prazo, com cada vez mais e mais empresas, investidores, organizações sociais e cidadãos empregando energia plena para resolver suas escolhas prioritárias e atuando e cooperando em rede. O que falta é coragem de fazer o óbvio, colocando a qualidade de vida das pessoas e a sobrevivência digna dos nossos tataranetos como metas prioritárias
É curioso precisarmos de coragem e simplicidade para cuidarmos de nossa raça e decepcionante e assustador que ainda não tenhamos acordado para a extrema gravidade do problema da armadilha da pobreza para a sobrevivência dos humanos na Terra.
Ah, e para quem é fã de figuras como Elon Musk e Jeff Bezos, recomendo não se animarem com a possibilidade de acharmos um novo planeta para morarmos como solução de vida, porque certamente levaremos em nossa bagagem de alma o gene da armadilha da pobreza e criaremos com agilidade e eficácia desigualdades sociais onde quer que formos morar. Por isso, temos que resolver nossos problemas aqui mesmo, na Terra, com urgência (favor não confundir urgência com pressa).
Saulo Faria Almeida Barretto
é sergipano, engenheiro de ideias, doutor em análise estrutural de problemas complexos, empreendedor social, apateísta, anarquista, visionário, utopista e morador do povoado Pedra Furada, em Santa Luzia do Itanhy (SE).
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