Um relatório especial sobre finanças digitais da prestigiosa revista “The Economist”, divulgado em 15 de maio último, coloca o PIX brasileiro como uma das medidas mais bem-sucedidas de inclusão financeira do mundo. Um relatório do Banco Mundial, divulgado em novembro de 2022, coloca o Brasil em segundo lugar na maturidade em governo digital entre 198 países, perdendo apenas para a rica Coréia do Sul.
O Banco Central do Brasil também se destaca na implementação de uma moeda digital CBDC (Central Bank Digital Currency). O sandbox regulatório do Real Digital, um ambiente controlado e experimental em que empresas e empreendedores podem testar e desenvolver soluções inovadoras dentro de um setor regulado, conta com mais de 30 propostas de diversas soluções, como microcrédito, negociação de títulos públicos e agronegócios. Uma grande parte dessas iniciativas tem como objetivo promover inclusão e impactar os monopólios consolidados.
Em 1987, a marca de vodca Orloff criou um comercial com a famosa frase “Eu sou você amanhã”. Essa publicidade se tornou tão famosa que originou a expressão "Efeito Orloff". Naquela época, a imprensa adorava apontar os problemas da nossa vizinha Argentina e afirmar que o mesmo aconteceria no Brasil no futuro. Hoje, o Boletim FOCUS aponta uma inflação de 5,8%, em 2023 e 4,15%, em 2024, enquanto nosso vizinho namora perigosamente com a hiperinflação.
É triste notar que todas essas notícias não recebam a devida repercussão no noticiário brasileiro. Ao invés de destacar as inúmeras boas notícias, somos dominados por uma avalanche de notícias negativas.
Existe uma frase atribuída, sem comprovação, ao chanceler alemão do século XIX, Otto von Bismarck, que diz que a política e as leis são como salsichas, é melhor não saber como são feitas. Da mesma forma, se soubéssemos como os noticiários são feitos, teríamos mais cuidado com a forma como os consumimos.
Não acho recomendável viver sem noticiários, política, leis e salsichas. No entanto, ao contrário do que Bismarck supostamente sugeriu, acho tremendamente importante prestar atenção em como elas são feitas, pois nem todas as salsichas são feitas da mesma forma.
O jornalismo tem a obrigação de informar e alertar a população sobre riscos, ameaças e problemas que podem afetar suas vidas. Desastres naturais, crimes, corrupção, crises políticas e econômicas são importantes para a sociedade, e é papel da imprensa divulgá-los para que as pessoas possam tomar decisões com base nessas informações.
No entanto, além do importante papel de informar, os órgãos de imprensa também precisam pagar suas contas e gerar lucros, e para isso precisam de audiência que atraia anunciantes.
Os órgãos de imprensa estão cientes da psicologia humana e não hesitam em usá-la para atrair audiência. Eles sabem que nós, seres humanos, temos uma tendência natural a nos concentrar em informações negativas, um fenômeno conhecido como "viés de negatividade". Esse viés é um mecanismo de sobrevivência evolutiva que nos leva a prestar mais atenção a ameaças e perigos. Por isso, temos a tendência de dar mais importância às notícias ruins e lembrá-las com mais facilidade do que as notícias boas.
Como as notícias ruins atraem mais atenção do público, elas recebem mais destaque nos noticiários, com o objetivo de atrair e reter a audiência.
Contudo, essa predominância de notícias ruins tem sido questionada e iniciativas tímidas tentam combater essa tendência. Alguns órgãos de imprensa têm buscado incluir notícias positivas, no que passou a ser chamado de jornalismo de soluções, que busca equilibrar a cobertura noticiosa com histórias inspiradoras, inovações e progressos da sociedade. Isso porque entenderam que explorar o viés de negatividade pode levar a população a ter uma visão distorcida e pessimista do mundo.
Mas por que ter uma visão negativa do mundo pode ser um problema? Na década de 1980, o cientista social James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George L. Kelling criaram a “Teoria da Janela Quebrada”, um conceito sociológico que argumenta que a tolerância a pequenos delitos ou danos visíveis à comunidade pode estimular o surgimento de comportamentos mais graves, promovendo a criminalidade e a decadência da ordem social. Segundo a teoria, uma simples janela quebrada que não fosse consertada levaria as pessoas na localidade a concluir que a indiferença imperava e, portanto, não valeria a pena cuidar do ambiente próximo.
Ao transferirmos essa perspectiva para o cenário das notícias negativas, podemos traçar um paralelo intrigante. A exposição excessiva a notícias negativas, como crimes, catástrofes e crises políticas ou econômicas, pode levar a uma espécie de “janela quebrada” em nossa percepção da realidade, gerando desânimo, pessimismo e até mesmo apatia.
Assim como uma janela quebrada não reparada pode desencadear um efeito dominó de degradação em um bairro, o constante bombardeio de notícias ruins pode moldar uma visão de mundo sombria e disfuncional, reforçando a percepção de que Brasil e o mundo estão em constante declínio e que pouco pode ser feito para melhorar. Esse ambiente, permeado por notícias negativas, acaba contribuindo para a propagação de uma sensação generalizada de impotência e desesperança.
Mesmo reconhecendo que estou sendo um pouco como a personagem Pollyanna do livro de Eleanor Porter, não deixo de sonhar com os meios de comunicação assumindo um papel de “janela bem cuidada”, ao relatar, de forma equilibrada, tanto os desafios quanto as conquistas da sociedade. Isso não significa ignorar os problemas, mas sim abordá-los de forma construtiva, inspirando soluções e mudanças positivas em vez de reforçar a sensação de impotência e desesperança.
Porém, antes mesmo de esperarmos por essa improvável mudança nos meios de comunicação, cabe a nós, como consumidores de notícias, escolher de forma mais criteriosa as fontes de informação e limitar a exposição a conteúdos que provocam ansiedade e pessimismo.
E, se isso já é importante ao consumirmos informações dos órgãos de notícias, é ainda mais importante sermos extremamente seletivos no que consumimos nas mídias sociais.
Neste mês, com imenso orgulho, celebro 10 anos à frente desta coluna na Revista RI, um veículo de imprensa que tem a habilidade de destacar, de maneira equilibrada, os desafios do Brasil, juntamente com todas as nossas conquistas.
A Revista RI vai além de apontar problemas, pois concentra-se também em apresentar soluções. Essa abordagem é fundamental para o desenvolvimento do país e nos inspira a continuar trabalhando em prol de um futuro melhor. Agradeço a todos os leitores e à equipe da Revista RI por essa jornada de informação, reflexão e busca por um Brasil cada vez mais próspero e justo.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br