Diversidade nas companhias diz respeito à presença, entre profissionais e líderes corporativos, de grupos alvo de preconceito, com destaque para os recortes de gênero, étnico-racial, geracional (muito jovens e 50+), de orientação sexual e de pessoas com necessidades especiais.
Mas apenas a diversidade não basta. É preciso equidade e inclusão para que esses grupos tenham efetiva representatividade e aportem para as empresas os benefícios de geração de valor, inovação e sustentabilidade que lhes são associados e estão crescentemente presentes na decisão de consumidores e investidores. Não obstante a percepção favorável, o avanço das causas pró diversidade, equidade e inclusão é lento e, no curto prazo, as perspectivas de melhora são pouco animadoras.
Quais seriam os entraves para o avanço da diversidade, equidade e inclusão nas companhias? É possível citar muitos: ambiente de negócios conservador, cultura organizacional, vieses inconscientes, baixa adesão das lideranças, dentre outros. Mas, na origem de todos esses obstáculos, reside o fato de que ambientes homogêneos são mais confortáveis para o grupo dominante.
A tendência é buscar “gente como a gente”, que vem do mesmo tipo de família, frequenta os mesmos ambientes, cursou as mesmas escolas, tem o mesmo posicionamento político e comportamental. Assim, o consenso é atingido com mais facilidade. Predomina a noção de pertencimento, forte e arraigada, que proporciona sensação de segurança e estabilidade.
A tendência é essa dinâmica se retroalimentar, sendo suprimidos desvios, ainda que mínimos, ao padrão estabelecido. Os “divergentes” da organização tendem a adotar o figurino predominante, muitas vezes à custa da própria integridade. Esse fenômeno se acentua conforme se ascende na hierarquia da empresa - ao cume tendem a chegar apenas os que gabaritam no quesito afinidade. Esse tem sido o padrão da dinâmica corporativa, suportado na crença de que “é assim que sempre foi e deu certo”.
Só que não é bem assim. Os fatos estão aí para escancarar essa realidade: mais da metade das companhias listadas na Fortune 500 no ano 2000 já deixaram de existir, foram compradas ou faliram. Trazendo um dado doméstico - segundo estudo da Economática - divulgado em 2021, das 166 ações que integraram o Ibovespa nos últimos 20 anos, apenas 14 mantiveram presença constante ao longo desse período.
Muitas empresas, antes líderes, tornaram-se participantes sem relevância. E o pior, em âmbito global, mesmo diante dos alertas de risco de mudanças climáticas decorrentes do modelo de desenvolvimento econômico, apontados pela comunidade científica desde início dos anos 90, quase nada foi feito em três décadas e, hoje, o mundo está à beira de um colapso ambiental.
Como isso foi possível? Em boa parte, porque ambientes que favorecem o pensamento de grupo ou comportamento de rebanho, que são pouco receptivos a erros e más notícias, tendem a favorecer a criação de bolhas, zonas de conforto artificiais, que um dia se tornam insustentáveis. O temor de desagradar aos superiores, a repressão ao pensamento diverso e a acomodação pelo medo de errar resultam em prejuízo ao fomento de ideias que favoreçam a inovação e a perenidade da companhia.
Lideranças adotaram o comportamento da avestruz, que esconde a cabeça no buraco para não ver o perigo iminente. Mas o perigo, representado por concorrentes que dominam novas tecnologias, desbravam novos mercados e tornam obsoletos modus operandi até então vencedores, está aí. Se a cúpula se recusa a ver a mudança em curso, não terá estratégia para lidar com ela e mitigar seus riscos. Quanto mais homogênea a alta administração, mais difícil romper essa inércia.
A verdade é que o diferente incomoda porque exige maior esforço para lidar com ele. O piloto automático já não desempenha tão bem como parecia fazer. Será preciso se preparar melhor, medir palavras, aprimorar a comunicação, construir consensos ou, no mínimo, articular composições difíceis de serem atingidas porque requerem uma escuta atenta e uma intenção firme de dar voz ao diverso, criando um ambiente que inspire confiança e permita aflorar, efetivamente, a contribuição da diversidade, equidade e inclusão.
Tudo isso leva tempo, requer recursos para programas que atraiam, desenvolvam e retenham talentos entre os “diversos”, para treinamentos para reconhecer vieses e incentivar a transição e, principalmente, determinação por parte da alta administração.
No que diz respeito à adesão da cúpula organizacional à causa da diversidade, as companhias mais jovens largam com vantagem. As já consolidadas e tradicionais, além da tendência de seus líderes ao conservadorismo, enfrentam maiores obstáculos para dar voz ao diverso, deixando de colher seus frutos. A diversidade, se efetiva, mexe com o status quo e, para uma empresa consolidada, a percepção tende a ser de que há muito a perder com mudanças que impliquem, no limite, abandonar tecnologias e até mercados.
Os investimentos e energia necessários para grandes mudanças, nos curto e médio prazos, impactam resultados e, portanto, dividendos dos acionistas e bônus que, supostamente, deveriam alinhar interesses dos administradores aos da companhia. Inovar traz sempre o risco de não se acertar de primeira, o que leva os que estão no leme a adiar aquela manobra do “transatlântico” que evitaria a colisão com o iceberg da nova realidade. Por isso, tendem a ignorar a urgente necessidade de conduzir uma transição consistente. O pensamento tende a ser: se e quando o choque acontecer, não estarei mais aqui e, nesse ínterim, terei preservado o que é meu.
Apesar das dificuldades apontadas, a busca da diversidade, equidade e inclusão nas organizações vem ganhando aliados com a demanda de consumidores e investidores mais conscientes – menos por reparação ética e mais por convicção quanto aos benefícios de uma cultura organizacional diversa e inclusiva-, bem como de colaboradores mais engajados na causa.
A sociedade, em geral, e os analistas de valores mobiliários, em particular, precisam redobrar atenção ao risco de medidas de fachada. Metas ESG passaram a compor as métricas aplicadas à remuneração variável dos executivos e a busca por “ticar” critérios relacionados a meio ambiente, bem-estar social e boa governança, visando a integrar índices de sustentabilidade, se ampliou.
Especificamente quanto aos “diversos”, não importa apenas o número de contratados. É preciso considerar equidade salarial, progressão na carreira, índices de turn over e absenteísmo (indicadores do grau de inclusão), pesquisa de clima etc.
O momento exige visão crítica. Atingir essas metas requer nova cultura e novos valores - e isso, para ser verdadeiro, impõe mudança profunda, o que leva tempo, demanda investimentos, mas, em especial, exige efetiva vontade da alta administração – e é sobre ela que a avaliação deve começar.
Maria Cecilia Rossi
é graduada e mestre em Administração de Empresas pela FGV-SP. Sócia fundadora da Interlink Consultoria de Mercado de Capitais e conselheira certificada. Dentre outros, integra o conselho consultivo do Fórum Diversidade na Liderança (desde 2013) e o Conselho de Supervisão do Analista, da Apimec (desde 2021). Foi diretora e superintendente da CVM e executiva no mercado de capitais.
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