Desde que o imenso maremoto devastou as costas do Sudeste Asiático, em 26 de dezembro de 2004, ceifando centenas de milhares de vidas e deixando pelo menos um milhão de desabrigados, a palavra tsunami entrou em nosso vocabulário. O fato de a catástrofe ocorrer na época do Natal, e fazer vítimas entre a humanidade pobre e carente dos países do Terceiro Mundo, registramos um abalo profundo nos alicerces de nossa visão global. A mídia mundial, como um raio, conectou o trágico evento com outras questões, como mudanças climáticas, política ecológica, contrastes Norte-Sul e desastres relacionados ao clima. Fomos todos atingidos e sem explicação.
Na literatura global, o Brasil não deve esquecer a evidência de que a mão de Deus estava em nosso ombro, nos deixando longe dos terremotos terrestres e marítimos, erupções de vulcões, nevoeiros secos como registra a Meteorológica de Aristóteles e a Bíblia como parte da história. A ideia de que o tempo e o clima são forças decisivas para forjar as características dos povos ou comunidades é antiga. Agora, em reação ao determinismo climático, que remonta a mais de dois milênios, apesar de sua história eclética, os pensadores liberais associam o imperialismo moderno e o neocolonialismo, a ciência social. Desde a combinação entre Estocolmo e Rio, ao longo do último meio século, a visão ganhou a percepção de que o clima e o tempo são moldados fortemente pela experiência cotidiana de arranjos sociais, políticos e econômicos. Estamos juntos diante do mesmo desafio, acrescido pela obrigatória sustentabilidade.
Em 2023 o calendário mundial abriu mais uma porta para destacar nosso continente e discutir diferentes formas e perspectivas para avançar, e tudo isso com o papel da liderança brasileira. Nada mais oportuno e importante. Nos últimos anos foram muitas as perdas, mas igualmente ricos os aprendizados. Graças aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável foi possível ao Governo do Estado declarar 2022 como o Ano Internacional do Desenvolvimento Sustentável. Nos foi possível comemorar, de forma independente do Governo Federal, os 30 anos da Rio92, e a avançar com aproveitamento do Bicentenário da Independência, vários temas como os da Conferência Clima, Conhecimento Local e Vida Cotidiana, realizada no Rio, em maio de 2008.
Longe de Brasília, conseguimos desenhar um novo papel para o Estado do Rio de Janeiro e nos inserir, a partir da natureza, em superar um os nossos maiores desafios, o saneamento. Nos integramos de vez como região metropolitana e abraçamos o mar pela Baia da Guanabara. Passamos a entender também que o triunfo do século XX se baseava na falsa correlação e manifestação econômica do determinismo climático chamado "paradoxo equatorial". De acordo com essa teoria, cerca de 70% do desenvolvimento econômico de um país pode ser previsto a partir da distância entre esse país e a linha do Equador. Em outras palavras, quanto mais longe da linha do Equador, mais o país em desenvolvimento tende a se superar.
Afirmar que o paradoxo se aplica igualmente bem a ambos - Norte e Sul - é simplificar, mas não nos ajuda a compreender e agir. Esse é um ponto muito sensível para o Brasil, já que estamos divididos pelo equador. Nada melhor do que a nossa compreensão, pois Austrália e Indonésia estão no mapa-múndi de igual forma. A chave está em usar as parcerias, se possível existentes, em cenários já construídos. E essa tarefa tem tudo que ver com o papel do Ministério das Relações Exteriores.
A Aliança Global para os Biocombustíveis, evento que poderá reunir outros líderes à margem da cúpula do G20 em Nova Deli, poderá ser um primeiro passo. O Brasil, Índia e Estados Unidos vão lançar a iniciativa pavimentando o caminho para o etanol se tornar uma commodity global.
Isso passa pela ampliação da cooperação técnica e tecnológica para a expansão do etanol e biodiesel e 'oferecer ao mundo uma proposta concreta e imediata de descarbonização do setor de transportes’. O Primeiro-ministro indiano Modi lidera a inciativa.
No próximo ano o Brasil sucede a Índia como país-sede da Cúpula do G20. A Índia no momento é a principal proponente das questões levantadas pelas nações do Sul Global durante as reuniões do G20, pedindo uma "glocalização centrada no ser humano". Isso pode ser um vetor que pode se transformar em "grande apoio" e de significativo interesse por dois motivos: Em primeiro lugar, esta é a segunda vez que a Troika do G20 é composta por três economias em desenvolvimento e emergentes - como foi Indonésia, Índia e Brasil, e em segundo lugar, por continuar a ser uma Troica sul-sul-sul por mais um ano, com a África do Sul, que sucederá o nosso país. Tudo indica que a próxima venha a ser uma trinca sul-sul-norte. Ou seja, a Índia poderá trazer à mesa outros pontos de grande reflexão, sendo o membro mais populoso e o de dimensão superior aos demais no nível de sua economia.
O tempo do Brasil tem tudo para ser igualmente produtivo. O atual G20 é visto como "super-representado" pela Europa, já que a União Europeia é membro de pleno direito do G20, ao lado de três de seus Estados-membros que também são membros permanentes: França, Alemanha e Itália. A Espanha é convidada permanente para as reuniões do G20.
Então, parece que o mundo está pronto para olhar para o Sul de uma maneira diferente e pode criar uma visão muito real considerando a América do Sul, agora, uma interface bioceânica em sua geografia, como os EUA estão no norte, um componente diferente dessa relação Sul-Sul-Norte. Isso justificará nosso novo posicionamento no mundo em relação a muitos temas, especialmente na linha de produção global de energia e alimentos. Estamos durante os dois novos eventos - G20 em 2024 e COP30 em 2025 - à beira de uma fronteira nunca vista que justifica uma nova visão sobre nossa geografia que confirmará que o clima temperado é ideal para o desenvolvimento da nova civilização tão necessária para o atual milênio.
Esse será o mais importante palco dos últimos 200 anos para o desenvolvimento sustentável. Usá-lo é sem dúvida um programa a altura do Programa Rio2030, lançado pelo Governo do Estado apoiado por todos os governadores do sul-sudeste do país e aberto a todos os membros do continente. Afinal o Brasil trará esse território bioceânico para o Centro do Mundo.
O G20 em 2024 faz parte da programação de projetos do CODEMEC – Comitê para o desenvolvimento do Mercado de Capitais, junto com outras iniciativas em andamento, tais como: Rio Money Fair, Educação Financeira para Universitários, Desafio da Bolsa com a FGV, e Liga do Mercado de Capitais reunindo empresas e investidores. O autor é presidente do Conselho do CODEMEC.
Paulo Protasio
é diretor executivo da Autoridade do Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro
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