Educação Financeira

FRAUDES, FRAUDADORES & FRAUDADOS

A literatura sobre bolhas especulativas e golpes financeiros é extremamente extensa. Em 1841, o poeta e jornalista escocês Charles Mackay escreveu o livro “Ilusões Populares e a Loucura das Massas”. Mackay analisa diversos episódios de histeria coletiva, incluindo bolhas financeiras famosas, como a mania das tulipas na Holanda do século XVII e a bolha da Companhia dos Mares do Sul na Inglaterra do século XVIII. O livro tornou-se um clássico sobre como a psicologia humana e o comportamento de grupo podem levar a decisões financeiras irracionais e à formação de bolhas especulativas.

No ano da publicação do livro de Mackay, nascia na França Gustave Le Bon, que se tornou um proeminente sociólogo e psicólogo social. Em 1895, ele publicou o livro “Psicologia das Multidões”, considerado um trabalho seminal no campo da psicologia social. Nele, Le Bon explora as características do comportamento das massas, argumentando que as multidões têm uma mentalidade própria que pode ser irracional e emocional.

As teorias de Le Bon tiveram e têm profunda influência no estudo do comportamento coletivo e das dinâmicas de grupo, com forte impacto nos mercados financeiros, na propaganda política e na publicidade. Ele faleceu em 1931, assim, pôde acompanhar toda a loucura dos mercados dos anos 20 do século passado e sua derrocada na crise iniciada em 1929.

As redes sociais, que surgiram muito depois de Mackay e Le Bon, são um campo fértil para a formação de comportamentos de massa que eles, possivelmente, teriam achado fascinantes. As redes sociais são também um terreno propício para a propagação de desinformação e notícias falsas, com a velocidade de compartilhamento frequentemente superando a capacidade de verificação crítica, facilitando a difusão rápida de boatos e falsidades, oferecendo uma perspectiva valiosa para entender a propagação de golpes na internet.

Um dos vieses mais conhecidos estudados pelas Finanças Comportamentais é o “Viés da Autoridade” (authority bias), uma falha de lógica humana que nos faz valorizar sobretudo as opiniões, análises e conselhos de especialistas ou pseudo-especialistas. Le Bon observou em multidões físicas que golpistas assumem papéis de liderança, utilizando falsos testemunhos e personas convincentes para atrair vítimas. A internet facilitou muito a criação dessas falsas figuras de autoridade, exploradas por golpistas habilidosos, que buscam afastar a razão no processo de tomada de decisões e focar em decisões emocionais e impulsivas.

Os golpes financeiros sempre existiram e provavelmente continuarão a existir enquanto os seres humanos continuarem a ter emoções. É muito difícil entender como uma pessoa famosa e inteligente pode acreditar que investimentos rendem 4, 5, 6 e até 10% ao mês. Porém, a lista de pessoas do topo da pirâmide econômica e social, tanto brasileira quanto mundial, que acreditam em promessas como estas, é longa.

A explicação é que as pessoas entram nessas situações porque são levadas pela emoção na hora de tomar decisões. Primeiro, há a ganância de obter dinheiro facilmente e rapidamente ou de alcançar logo um objetivo. Em segundo lugar, estabelece-se a confiança entre o investidor e o golpista.

Podemos pensar que somos racionais ao tomar decisões financeiras e ao aplicar nosso dinheiro. No entanto, ainda somos afetados por comportamentos herdados de nossos ancestrais que viviam em bandos nas savanas africanas, há milhares de anos. Estes padrões mentais afetam nossas decisões até hoje.

Nas savanas, aqueles que aprenderam a estabelecer relações de confiança sobreviveram e reproduziram seus genes até os dias atuais. Ainda hoje, temos a tendência de confiar nas pessoas. Adoramos encontrar um indivíduo que nos pareça amigo e familiar. Quando isso ocorre, tendemos a entregar a ele toda nossa confiança.

Esta confiança, aliada à nossa ganância natural, faz com que, como afirmei anteriormente, os golpes financeiros tenham um passado glorioso e um futuro promissor. Sou absolutamente fascinado pela história dos golpes financeiros. Adoro a literatura que retrata a história de golpistas que repetem à exaustão os ensinamentos de Charles Ponzi.

Ponzi, cujo nome deu origem ao termo “esquema Ponzi”, na década de 1920, prometia retornos extraordinários aos investidores em um curto período, alegando lucrar com a arbitragem de cupons de resposta internacional. Na realidade, ele pagava os retornos dos investidores iniciais com o dinheiro dos novos investidores, ao invés de gerar lucros legítimos.

O mais famoso seguidor de Ponzi foi Bernard Madoff, que com o mesmo esquema fraudulento de pagar retornos dos investidores iniciais com o dinheiro dos novos investidores enganou a elite financeira mundial por décadas. O mesmo esquema de Ponzi tem sido aplicado à exaustão pelos esquemas de criptomoedas, incluindo o “Sheik dos Bitcoins”.

Tenho enorme pena das inúmeras pessoas simples e com pouca formação que perdem suas escassas economias em esquemas fraudulentos; porém, não posso negar que aprecio com espírito lúdico quando vejo pessoas ricas, famosas e bem-informadas caindo em golpes tão antigos.

Certamente, dentre todos os golpes famosos, um dos mais inovadores foi perpetrado por Rudy Kurniawan, protagonista da maior fraude no universo dos vinhos. Ele falsificou vinhos, enganou colecionadores e fez milhões.

Sua saga no mundo dos vinhos foi retratada no excelente documentário “Sour Grapes”. Ele ficou famoso por ter vendido milhares de garrafas falsificadas de diversos grandes vinhos em leilões. Acredita-se que, apenas em um evento em 2006, mais de 12 mil garrafas falsificadas foram arrematadas por ricos entusiastas do vinho.

Rudy foi condenado em 2014 a 10 anos de prisão e ao pagamento de US$ 28 milhões em restituição às vítimas, além de outros US$ 20 milhões ao fisco americano. Depois de cumprir sete anos de detenção, foi deportado e proibido de retornar aos EUA.

Com esta carreira no mundo das fraudes, era de se supor que Kurniawan jamais poderia retornar ao comércio de vinhos. Porém, não foi isso que aconteceu. Atualmente, ele está recriando “falsificações” de vinhos para clientes, que podem ser degustadas ao lado dos originais, de forma legal. Bilionários asiáticos estão pagando pela companhia dele e para que ele falsifique vinhos, os quais acabam sendo preferidos aos originais em degustações às cegas.

A vontade de ser enganado se mistura com autoengano, expectativas irrealistas e a busca por status e pertencimento. No caso de Kurniawan e esquemas como e de Madoff, a fraude tem um forte componente social, oferecendo inclusão em grupos de elite. A fraude deve ser vista não apenas como um fenômeno econômico, mas também social e psicológico.

O retorno de Rudy Kurniawan ilustra como a fraude financeira se entrelaça com o desejo humano por reconhecimento e exclusividade. Ela revela uma vulnerabilidade coletiva ao encanto do prestígio e da riqueza fácil.

Enquanto as pessoas valorizarem o status e os retornos rápidos, sempre haverá espaço para fraudadores como Kurniawan, Ponzi e Madoff. A lição é que, na corrida pelo extraordinário, as pessoas podem facilmente perder de vista a importância da integridade e da realidade sólida, tornando-se vítimas de suas próprias aspirações e desejos.


Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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