"Apesar de o tempo dos Fenômenos Naturais ser diferente do tempo dos Fenômenos Antropocêntricos, insistimos em querer definir datas, sem levar em condição que decisões éticas de alcance global fazem parte da equação."
Apesar de as questões relacionadas à sustentabilidade, os Fatores ASG, os ODS e a urgência da adaptação às mudanças do clima estarem em franco processo evolutivo, a estrutura microeconômica sobre a qual os negócios se apoiam, continua baseada no utilitarismo e no marginalismo do século XIX, sendo o Ser Humano o sujeito e a Natureza o objeto da ordem econômica, pela ótica antropocêntrica, à remuneração dos Trabalho e do Capital, considerando-se os princípios da inovação e dos modelos de organização produtiva.
Entre Adams Smith de 1776 e o Relatório Cardsbury de 1992, por acaso, o ano da Eco-92, passaram-se 216 anos. Até os fatores ESG (2006), foram 230 anos e até os ODS e Acordo do Clima, já são 239 anos. E isso se explica pelo fato de termos consagrado a criação de um “Homo Economicus” como sujeito de um mundo em que a natureza está a seu serviço. A questão das relações éticas entre homem e meio ambiente eram tratadas no campo filosófico e havia uma enorme dificuldade de lidar com essas questões.
Façamos um parêntesis para a importância do Clube de Roma, Ignacy Sachs, Donna Meadows e Nicholas Georgescu Roegen que alertaram para a questão dos “Limites do Crescimento” que não poderiam relegar a Natureza e seus “Recursos Naturais” à condição de objeto econômico.
A verdadeira economia circular começa na Natureza e termina nela, com a gestão da ineficiência dos recursos usados e quanto mais eficientes formos na redução da ineficiência menor será o impacto. Temos de entender que o retorno exigido pelos acionistas e a formação do custo de capital dependem da eficiência do uso dos recursos e isso não pode ignorar as consequências do mal uso dos recursos naturais e sociais a um segundo plano.
O Brasil, pela ótica da diversidade, tem uma maioria de negros e pardos de 54% e pela ótica do gênero o IBGE aponta uma maioria de mulheres no mercado de trabalho, 51,48%. A desigualdade de renda e de oportunidade tem uma história não muito positiva marcada pela alta seletividade em favor das pessoas brancas e do topo da pirâmide de renda. Vamos lembrar que os escravos eram proibidos de ler e escrever até a abolição da escravidão e a constituição de 1934 previa a adoção de políticas de eugenia, o que são declaradamente políticas anti ESG. Começamos assim tarde na adoção de políticas de igualdade de oportunidades e ainda estamos devendo muita eficiência nas ODS 5, 8 e 10.
Não podemos ficar sentados em cima desses problemas como se não fossem nossos. São. É inegável os esforços do setor público, dos órgãos reguladores e autorreguladores. A CVM via LAB, as Resoluções 59 e 175, o Banco Central reconhecendo o risco climático como relevante na decisão de empréstimos e financiamentos pelo Sistema Financeiro e a IFRS Foundation criando o ISSB para atuar na padronização de divulgações relacionadas à Sustentabilidade que vai atuar em linha com o IASB, já tendo sido baixado o IFRS S1 – sobre Requisitos Gerais para Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade e o S2 sobre Clima.
O avanço da tecnologia tem uma responsabilidade crescente na demanda por capacidade de tratamento de dados – informática processando modelos convencionais, de Data Mining, Data Science, Inteligência Artificial e o que vier pela frente - desde os tempos de Charles Barbbage, o que está pressionando o uso de recursos naturais. Quanto mais dados processamos, maior é a quantidade de energia e minérios utilizados. Não estamos falando aqui de carvão ou minério de ferro, mas de minérios nobres (ouro, cobre, platina, paládio, rutênio etc.), terras raras (compreendendo 17 elementos entre eles o galadínio, neodímio, európio etc.), metais alcalinos (lítio, potássio etc.), nióbio, cobalto, metais amplamente usados em produtos de capital intensivo.
Como usar esses recursos com as pressões porque estão passando regiões essenciais como Amazônia e Cerrado. O que conhecemos sobre esses metais? O uso racional e responsável desses recursos exige previamente políticas de zerar o desmatamento.
O Brasil ainda é rico em florestas e Biodiversidade, é rico em minérios, tem uma costa oceânica e uma plataforma continental que acrescenta mais de 4,3 milhões de km2, também muita rica em minérios. É importante que olhemos para o Meio Ambiente com mais atenção, lembrando que o comportamento do clima depende também de como manejamos esses recursos.
Precisamos analisar com atenção o comportamento da cadeia produtiva e isto abrange todos os produtos relevantes para a geração de energia, práticas do agribusiness, da indústria, serviços e da inovação tecnológica e em última instância da extração de recursos naturais. Na Industria, a demanda por minérios será crescente com a robotização, caso o Brasil adote o caminho da reindustrialização e inovação tecnológica. E o Brasil tem de ser um player global visando a agregação de valor sem se resignar a posição histórica de mero exportador de minérios em estado bruto.
Meio ambiente não foi e não será um problema que o setor produtivo resolva adotando políticas ESG, se o Governo não adotar instrumentos a nível de Política de Estado e se os acordos internacionais de financiamento da transição climática não forem viabilizados. O Brasil tem uma Constituição Ambiental moderna que não é suportada por uma Política de Estado Ambiental que esteja blindada contra mudanças de humor de políticas governamentais.
Para termos uma Política de Estado Ambiental é necessária mais atenção quanto aos recursos alocados. Uma estrutura de preservação e fiscalização de Estado com um orçamento de R$4,78 bilhões para 2024. que comparado aos R$5,3 trilhões em 2023, representa menos de 0,1% do orçamento. Em termos de política econômica, este valor não parece compatível com as necessidades de políticas públicas ambientais, que permitam zerar o desmatamento, mitigar a níveis mínimos as externalidades do processo produtivo e controlar mais de 60% de território com florestas e agribusiness.
Assim, voltando à análise microeconômica, a visão utilitária e marginalista deve ter mais atenção com o custo da poluição e das demais externalidades, que vão influenciar na formação de preços. Isso modifica a compreensão do Risco no âmbito micro, com a alteração do custo de capital e no nível macro, mexeria com o equilíbrio de preços, isto é, geraria inflação e por extensão aumento de juros e câmbio, caso mantido a mesma forma de pensar o problema.
A atividade microeconômica exige uma contrapartida ao nível de Política Macroeconômica e das Políticas Ambientais e da Gestão de Resíduos. A mensagem do Brasil para a COP 30 em Belém deve ser construída e apresentada como uma Política do Estado Brasileiro que esteja em linha com a constituição. O mercado deve se expressar a esse respeito, pois as mensagens de 2025 podem ser influenciadas pelos ventos da política e mudarem em 2026. This is the question!
E no nível global? O Brasil, com um discurso forte e efetivo, terá condições de evitar que mudanças de Governo alterem a direção desses ventos, pelo menos dificultar. Já tivemos uma experiência no passado quando houve uma queda do desmatamento de 27 mil km2 para 4 mil km2 em 10 anos, que retornaram para níveis acima de 10 mil km2 em 5 anos. Isso deve ser evitado para o bem da saúde do “S” na Terra.
No nível global, espera-se que os acordos e convenções sejam mantidas no futuro, sem mudança de humores por parte de países líderes. O duplo discurso de ideologias não é compatível com a importância de controlarmos o aquecimento global ou as mudanças do clima como queiram chamar. No mês passado, em um certo dia, chegamos a uma temperatura 2,06º acima dos níveis do século XIX.
Quando alcançamos esta marca, mesmo que por um dia, não imagino o futuro se estamos nos referenciando em prazos 2030, 2050, enquanto o Congresso Nacional discute se o Agribusiness deve ou não entrar na legislação do Mercado de Carbono, lembrando que ele representa 23% do PIB brasileiro.
Se o mundo gasta elevados recursos em aumento da longevidade, estando esta variável inclusive no IDH, é bom lembrar que as camadas mais afetadas pelo aquecimento do clima serão justamente as pessoas idosas, que tem crescido proporcionalmente mais do que a população jovem.
Em síntese:
E nessa discussão ética, o Meio Ambiente é sujeito, não objeto.
Eduardo Werneck
é presidente do Conselho de Administração da APIMEC Brasil.
eduardo.werneck@apimec.com.br