Os fundos de private equity (PE) desempenham papel relevante tanto nas economias avançadas como em mercados emergentes como o brasileiro. Além de proverem recursos para financiar o crescimento dos negócios, contribuem para o aumento da produtividade, inovação e o amadurecimento da gestão das empresas investidas. Por isso, sua escolha como fonte de capital deve ser devidamente fundamentada nos planos estratégicos e de negócio da organização, exigindo uma execução diligente e estruturada.
Assim, é necessário atentar para o fato de que há diferentes perfis de fundos de PE, em função de suas capacidades estratégicas e operacionais, preferências e objetivos, que precisam ser conhecidos antes de selecionar com qual instituição se buscarão negociações. É fundamental que haja uma convergência entre as culturas da empresa e do fundo. A empresa deve considerar, por exemplo, na seleção e avaliação do fundo de private equity, os relacionamentos com as organizações já investidas por ele, a sua capacidade financeira, assim como a ambição quanto à participação societária pretendida - se majoritária ou minoritária.
O processo de decisão da empresa pela alternativa de um PE começa por detalhar seu plano de ação e as razões para a captação de recursos. É preciso identificar os fundos adequados aos seus objetivos, avaliar o fit cultural e a capacidade de gerar valor, assim como os impactos na nova estrutura de governança corporativa. É preciso entender que o fundo de PE é um acionista transitório, mas com impactos no curto, médio e longo prazos, que compartilhará com a empresa a liderança e as decisões estratégicas. Durante todo esse processo, as práticas de governança corporativa contribuem para a transparência e a segurança das informações que serão trocadas e elevam a atratividade da empresa.
Nunca se deve desconsiderar que a busca pelos recursos de PE é uma jornada desafiadora. A experiência ensina que pode ser vantajoso recorrer a profissionais especializados, como assessores financeiros, jurídicos e auditores, que apoiam os processos de seleção, avaliação, diligências, negociação, elaboração de documentos, relacionamento com agências reguladoras e fechamento de contratos, de modo a garantir a excelência de execução até a conclusão do acordo.
Há cláusulas a serem alinhadas logo no início, que definirão a estrutura de governança corporativa com o novo sócio. É crucial entender os seus impactos. O primeiro deles é que, após a entrada do fundo, as decisões passarão a ser tomadas de maneira compartilhada, mesmo quando o fundador permanece na organização. As mudanças podem parecer uma decorrência lógica do ingresso do novo acionista, mas nem sempre tal percepção é clara e imediata. Embora se espere que tudo tenha sido planejado e combinado com antecedência, a nova realidade pode demorar a ser percebida ou aceita pelo fundador da empresa e os seus administradores (executivos e conselheiros).
Outra transformação é que as atividades passarão a ser conduzidas com velocidade diferente, pois os fundos visam acelerar o crescimento do negócio, por exemplo, por meio de aquisições. Na esfera da governança corporativa, um dos primeiros aprimoramentos é a criação do conselho de administração, caso ainda não exista. Nesses casos, cabe considerar os benefícios da contratação de conselheiros independentes, sem qualquer vinculação com os envolvidos no negócio. Além de aportar seu conhecimento de mercado, eles costumam ajudar a intermediar eventuais situações de conflito, com uma visão imparcial e focada na empresa.
Podem ser criados, também, comitês de apoio ao conselho de administração, estatutários ou não, que contribuem para o aprofundamento da análise de matérias que serão objeto de deliberação do colegiado, melhorando o processo decisório. No entanto, cabe lembrar que esses órgãos subsidiários não têm poder de deliberação e suas recomendações não vinculam as decisões do conselho.
Deve-se considerar, ainda, que muitas vezes o fundo realiza alterações relevantes nos cargos de alta liderança, especialmente nas funções financeiras e de controladoria. Além disso, estabelece política de remuneração com incentivos de curto e de longo prazos, buscando alinhar os interesses da liderança com a geração de valor futuro da empresa. Caso os cargos de diretor-presidente e de presidente do conselho de administração sejam ocupados pela mesma pessoa, a tendência é a de que o novo acionista segregue essas funções. Esta decisão é alinhada aos preceitos do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, que define a separação como importante para que não haja concentração de poder, prejuízo à independência e ao dever de supervisão do conselho em relação à diretoria.
Outras mudanças na governança costumam incluir o aprimoramento das estruturas de gestão de riscos, controles e auditoria internos. Também pode haver modificação ou determinação de diversas políticas, como a de transações com partes relacionadas, de remuneração, de integridade e de sucessão. Há, ainda, a possibilidade de ser criado um mecanismo de apoio à prestação de contas ao conselho de administração e aos acionistas em geral e - o embrião de uma futura área de relações com investidores.
Se o ingresso do fundo de PE exige cuidados, mudanças culturais e assimilação das transformações na gestão do negócio, o momento de sua saída - com a venda de sua participação na empresa – também requer muita atenção. O ciclo de investimento do fundo de private equity é finito, pois precisa retornar o capital investido aos seus cotistas, em prazo que costuma variar entre sete e dez anos. As formas de saída podem envolver: venda para um sócio estratégico; venda para outro investidor financeiro; venda para o fundador ou sócio original (put); recompra das ações pela própria empresa (buyback); e IPO, ou seja, a oferta pública de ações.
É interessante verificar como esse processo tem ocorrido no mercado brasileiro. A venda para um sócio estratégico representou 55% das saídas dos fundos de PE e venture capital no país entre 1984 e maio de 2021. Os IPOs responderam por 12%, as vendas para outros investidores financeiros corresponderam a 3% e as recompras pelos acionistas a 4%. As vendas para o fundador chegaram a 24%, sendo concentradas no segmento de tecnologia.
Os sócios originais da empresa precisam estar atentos e ativos no processo de saída do fundo, já que, independentemente do modelo escolhido para a retirada, ocorrerão ajustes no sistema de governança corporativa. Este, vale reiterar, é um eixo central para assegurar convergências, protocolos e integridade para a consecução satisfatória dos objetivos da associação com o PE, desde a seleção do veículo de investimento, passando pela negociação, fechamento de contratos, implementação de sistemas de liderança e gestão, até a conclusão do projeto.
Embora envolta em controvérsias, incompreensões e críticas, essa modalidade de aporte de recursos tem exercido papel relevante no mercado de capitais e na economia. É pertinente dar muita atenção a todos os aspectos do investimento de/por PE, cujo histórico remonta a mais de um século, com uma trajetória de êxitos e fracassos. Para auxiliar na compreensão desse processo, o IBGC produziu a publicação Governança de Empresas Investidas por Private Equity.
Luiz Marthae Emilio Carazzai
são, respectivamente, gerente de Pesquisa e Conteúdo do IBGC; e coordenador do grupo de trabalho da publicação "Governança de Empresas Investidas por Private Equity" do IBGC.
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