Orquestra Societária

DENISE HILLS, CONSELHEIRA, PIONEIRA DOS ODS - OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

ESG: NÃO É OPÇÃO, É NECESSIDADE REAL!
O projeto ESG: uma partitura que está sendo escritaestá de volta, com a 11ª conselheira entrevistada nesta Revista RI, uma profissional pioneira dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e a primeira mulher a presidir a Rede Brasil do Pacto Global da ONU, em 2015. Estamos nos referindo a um ser humano muito especial, que temos a satisfação de apresentar nesta entrevista: a conselheira Denise Hills.

Chair para a América Latina do Programa da ONU para o Meio Ambiente e Instituições Financeiras (UNEP FI) de 2013 a 2015 e Co-Chair Global (2015-2017), Denise Hills foi convidada especial para o Framework para Investimento nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e reconhecida pelo Global Compact da ONU como SDG Pioneer 2022 em finanças sustentáveis, entre mais de 100 líderes globais.

Administradora pela Universidade de Ribeirão Preto, com especialização em Economia pela FIPE USP e Gestão Integrada de Sustentabilidade e Estratégica pela Fundação Dom Cabral (FDC), participou do Programe for Sustainable Leadership, Leadership and Sustainability (CPSL) pela University of Cambridge e Risk Management and Culture pela The Wharton School.

Com 30 anos de experiência no mercado financeiro e 10 de atuação em inovação e sustentabilidade no setor financeiro e na indústria de bens de consumo e varejo, ao longo de sua carreira, desempenhou papel fundamental na definição e aceleração estratégica, planejamento e implementação de programas e gestão integrada da sustentabilidade aos negócios tradicionais, ao ocupar diversas posições C-Level no Itaú Unibanco – Head de Inovação e Educação Financeira, Superintendente de Sustentabilidade, Negócios Inclusivos – Mulher Empreendedora, Microcrédito, Itaú Viver Mais. Foi Diretora de Sustentabilidade da Natura&Co América Latina.

Denise Hills é referência em temas como carbono, mudanças climáticas, biodiversidade, direitos humanos, diversidade e inclusão, certificações e sistemas de gestão e risco em vários setores. Tem profundo conhecimento em gestão integrada de sustentabilidade, ESG e em 2022 recebeu o reconhecimento como SDG Pioneer em finanças sustentáveis do Pacto Global da ONU, por seu trabalho de construção e disseminação da Agenda 2030 e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Bem como atuação no desenvolvimento e aplicação de metodologias de mensuração de impacto e risco ligados a ESG e Impacto.

Denise desempenhou um papel ativo em várias organizações e conselhos, como Pacto Global da ONU, IBGC, FEBRABAN e Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), do qual, atualmente, é membro independente, e FIESP CONDES, também como conselheira. É conselheira independente de empresas, advisor em estratégia, autora de livros nos temas finanças comportamentais e sustentabilidade e professora convidada da FDC e FIA USP.

No final de 2022, na sede do IBGC, em São Paulo, após o evento de lançamento do IBGC Orienta: Boas Práticas para uma Agenda ESG nas organizações, no qual Denise participou do painel ao lado dos especialistas do mercado Ana Luci Grizzi, Tatiana Assali, Rebecca Raposo e Tomás Carmona, tivemos a oportunidade de conversar longamente com ela sobre o tema da presente entrevista. E mais de um ano após, conseguimos realizar, de fato, a entrevista, gravada no estúdio CMC Vídeo, cuja íntegra pode ser assistida por meio do link: https://www.revistari.com.br/videos

Antes de apresentar aos nossos leitores essa entrevista, é importante fazer um breve, mas imprescindível comentário: realizar um projeto com mulheres conselheiras, que atuam fortemente no tema ESG – Environmental, Social and Governance foi, ao lado dos objetivos de aprender e disseminar conhecimento, a maneira que encontramos para equilibrar a representatividade feminina no conjunto de pessoas entrevistadas nesta coluna, ao longo de 10 anos, com apoio entusiasmado do editor Ronnie Nogueira, dessa Revista RI que, em março de 2024, celebra seu 26º aniversário.

Durante muitos anos, entrevistamos pessoas em cargos executivos, CEOs, diretores de importantes empresas e profissionais em posições de conselhos no Brasil. Os homens sempre foram a maioria e estavam em destaque nos setores e indústrias foco das entrevistas da coluna Orquestra Societária. Até 2019, por cinco anos de existência da coluna, havíamos entrevistado somente cinco mulheres, que representam 29% do total das 17 entrevistas publicadas na coluna.

Ao nos aprofundarmos nos ODS, objeto de estudo do doutorado de Cida Hess, realizado de agosto/2019 a junho/2023, ficamos sensibilizadas com o impacto do ODS #5 – Equidade de Gênero na realidade global e nacional, e decidimos lançar o projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, com o qual atingimos a equidade de gênero, no período de 2020 até a presente edição – 13 mulheres, que representam 52% do total das 25 entrevistas publicadas nesta seção. Aliás, é com satisfação e orgulho que chegamos a 97 edições, desde o lançamento da Orquestra Societária, em março de 2014 (com chamada na capa da Revista RI 181) incluindo esta edição.

Em função do exposto, nos emocionam as palavras de Denise Hills, no momento desta entrevista realizada em 4 de janeiro de 2024: “Esse é o meu primeiro compromisso do ano! É um prazer estar aqui com vocês! Começo a entrevista com agradecimento e dando os parabéns pela iniciativa desse projeto, que é muito importante para mostrar o papel das mulheres, da diversidade e representatividade em conselho!”. À nossa estimada entrevistada, muito obrigada!

Acompanhe a seguir, a incrível entrevista.

RI: Quais são os temas discutidos da dimensão “S” do ESG – Environmental, Social and Governance? E quais são as práticas, entre diretrizes e ferramentas de gestão sustentável, que deverão adotar os sócios e líderes de uma organização para se diferenciarem?

Denise Hills: Gostaria de contextualizar o “S” do ESG. Estamos falando de direitos humanos, do desafio que isso representa em estratégia empresarial e cadeia de valor, em um momento em que isso não é mais uma opção e, sim, um dos melhores diferenciais que podemos trazer para o mercado e empresas contemporâneas. Apesar do tema ambiental ter ocupado mais as agendas nos últimos anos, ter sido o foco da pauta ESG, com todo o protagonismo que temos assistido, os temas que abrangem o “S” são originários dos direitos humanos, que são mais antigos. E, às vezes, parece que evoluíram menos, e não estão tão maduros quanto os temas ambientais. Nos últimos anos, o ambiental ganhou nova perspectiva, evoluiu de ciência para tecnologia. Desde frameworks de referência, que suportavam os executivos e CEOs das empresas tomadoras de decisão, incluindo supply chain, base para que o financeiro começasse a entender como praticar isso no dia a dia, a medir riscos e impactos e tomar melhores decisões. É exatamente isso que está acontecendo nos últimos anos, com o “S” trazendo temas como diversidade e equidade, comércio justo, rastreabilidade e valorização da origem dos produtos e toda cadeia envolvida na sua produção, que começaram a chamar a atenção também do consumidor. A própria sociedade começou a discutir as desigualdades que existem no mundo, impulsionada pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são, ainda, mais potencializados pelos efeitos das mudanças climáticas. As questões de direitos humanos ocupam a pauta de colaboradores. Como é possível criar uma empresa hoje sem pensar em representatividade, por exemplo? Sem o famoso 50/50? Imagine uma empresa que fabrica produtos e presta serviços para um público preponderantemente feminino e tem nos lugares de tomadores de decisão um público que não é feminino. Trata-se de uma questão de competitividade tanto quanto representatividade. Muitos me perguntam: por que 50/50? Respondo: eu não faria nenhum negócio hoje que começasse com um market share somente de metade do mundo, pois a outra metade é de mulheres! E essa representatividade, por exemplo, seja das questões de gênero, de raça, não se espelha hoje nos lugares onde se tomam essas decisões. O tema “representatividade” que, a partir desse ano, virou um guia da B3 de como praticar diversidade, faz parte, inclusive, do Formulário de Referência das empresas de capital aberto. Temas mais novos, como salário digno, fazem parte do “S”, e têm que ser discutidos. Como é possível garantir um mundo melhor, compartilhar valor para gerar valor, para que se tenha rentabilidade, como empresa excepcional? Nos últimos anos no Brasil, a média de rentabilidade das empresas na bolsa foi de 22% ao ano, em um contexto de média de juros entre 10% e 15%. Como é que se consegue explicar que, realmente, a empresa tem um diferencial de rentabilidade, é uma empresa eficiente, rentável e sustentável, gera valor compartilhando o valor? E que esse valor não veio de uma depredação, eventualmente, de um salário que não foi pago dignamente, que não gera bem-estar e não dá condições mínimas de vida para as pessoas que, inclusive, fazem parte de seu ambiente de trabalho, tomam decisões sobre produtos e serviços, estão lá fazendo a empresa acontecer e precisam estar seguras, numa condição digna? Isso faz parte de sua produtividade, rentabilidade e o contrário não é verdadeiro. Quando a empresa captura mais valor do que distribui, sua rentabilidade ou sua eficiência costumam não ser perenes, seu clima e bem-estar também não. A saúde mental, por exemplo, é outro tema de direitos humanos, que abrange o “S”. Então o salário digno, mais recentemente, no Pacto Global, assim como saúde mental, são dois temas inter-relacionados da Agenda de Direitos Humanos, tanto quanto diversidade, inclusão, atração e retenção de talentos e novos modos de trabalho. Direitos humanos, além de passarem por tudo isso, abrangem a cadeia de valor, que é uma extensão da empresa. Como garantir que os seus fornecedores, seus parceiros ao longo da cadeia de valor, de onde em geral são feitos os produtos, também respeitam essas condições mínimas? Porque em uma crise, ou em qualquer momento em que a empresa precise garantir sua perenidade, poderá ser ofensora de direitos humanos, por meio dos parceiros. Quanto à segunda parte da pergunta, cada vez mais, cumpre usar o framework de direitos humanos das Nações Unidas como referência para perguntar e ajudar seus parceiros fornecedores, da cadeia de valor, a desenvolverem práticas como garantir salários dignos, que essas empresas pratiquem condições de comércio justo, e que considerem essas práticas no processo de escolha de seus fornecedores. Essa é uma relação de parceria! As certificações, sejam no “E” ou no “S”, para os fornecedores são projetos que, em geral, grandes empresas buscam fazer com todos de sua cadeia de valor, para garantir que se tenha esta mentalidade. Esta forma de trabalho, como o novo modo de fazer negócios, em que o resultado e o valor são gerados porque a empresa compartilha valor e é eficiente nessa capacidade de gerar valor, compartilhando para todo mundo. Isso traz a perenidade do resultado, não o contrário. A longevidade nos negócios existe quando se tem a partilha da rentabilidade. Adotando essas práticas, a empresa multiplica seus ganhos. Sem a menor dúvida, o “S” de Social é sobre comércio justo, relações éticas, relações que as empresas querem manter. Então, são essas relações que, em situações de crise, favorecem as empresas que compartilham esse valor. Elas não ficam espremendo, de qualquer forma, os fornecedores em suas negociações. São justas e promovem, inclusive, impacto positivo pela existência dessa relação na cadeia de valor. Outra mensuração de impacto, cada vez mais comum. No ano passado, a CVM regulamentou a divulgação de resultados contábeis no novo padrão do IFRS. O Brasil é o primeiro país que vai, cada vez mais, incluir no contábil a valoração financeiro-econômica do impacto. Quando se mede o impacto da existência de uma empresa em determinadas cadeias de valor localizadas em alguma comunidade, ou em algum lugar onde de fato ela tem impacto, tem que analisar e direcionar para geração de impacto positivo. A existência de uma empresa que melhora a economia, a sociedade, as relações de trabalho, a forma como a vida funciona, a torna uma empresa respeitada, que atrai talentos, é querida. Ela é quase protegida por essa sociedade!

RI: Sua resposta anterior traz o tema direitos humanos ao debate sobre governança, sustentabilidade e ESG e cremos que isso é crucial para os cidadãos. E quando a empresa não respeita os direitos humanos e os temas correlatos?

Denise Hills: Quando a empresa não faz isso, a sensação é, justamente, de que está produzindo valor somente para um dos stakeholders – o acionista, às custas de não levar em consideração, com o mesmo peso, os demais stakeholders, que são também relevantes para sua viabilidade. É necessário um novo pensar sobre como as empresas geram valor, sobre o que garante não só a resiliência de seus modelos de negócios, a capacidade de entender os riscos aos quais estão expostas e trabalhar a favor. Quando uma empresa é relevante para a sociedade, sua rentabilidade não só é legítima, como desejada. É uma empresa em que queremos trabalhar, comprar seus produtos e serviços, para a qual inclusive torcemos! Queremos ver prosperar. Acho impossível não ser uma empresa rentável e perene em uma condição como essa. Quando sofremos impactos negativos, eles são imediatamente comunicados à sociedade e reverberam para o insucesso da empresa. As empresas são parte da sociedade, estão incluídas na sociedade e seu valor está em seu contrato social, em sua licença para operar. As empresas nascem para produzir produtos e prestar serviços e resolver problemas da sociedade. Gerar produtos e serviços que funcionem. ESG é uma solução inovadora nesse momento, seja para alertar para os novos riscos de dificuldades sociais, de imigrações de impacto, ou de como a empresa pode trabalhar esses temas e muito mais, como oportunidades.

RI: Considerando que ESG seja uma solução inovadora para a transformação de riscos em oportunidades, como então colocar em prática nas empresas? Como fazer acontecer?

Denise Hills: A grande oportunidade de uma empresa se inicia ao entender que seus impactos não são opcionais. A partir do momento que a empresa contrata pessoas, tem responsabilidades, realiza pagamentos e influencia o mercado, usa recursos de todos os tipos. Então, ao gerir seus impactos nas dimensões ESG e tomar decisões conscientes, que melhorem não só o resultado, mas gerem impactos positivos e minimizem ou neutralizem os negativos, desta forma, mitigando os riscos, a empresa passa a ser mais desejada, atrai mais talentos, conquista mais mercado e gera um ciclo virtuoso.

RI: Interessante que tenha começado sua carreira em finanças corporativas tradicionais. Como ocorreu essa transformação, em sua trajetória, para finanças sustentáveis, quando há 30 anos não se discutia isso? O que lhe proporcionou esse olhar genuíno, sua preocupação com o “S”? Perguntamos isso porque – em nosso artigo ESG: Modismo, Sobrevivência ou Conscientização? – chegamos à conclusão de que não se trata de conscientização, é uma questão de sobrevivência!

Denise Hills: Essa é uma pergunta interessante! Olhando de hoje para o passado, a transformação foi natural. Eu comentei que iniciei minha carreira na tesouraria de um grande banco internacional, o Citibank, onde atuei em agronegócio no interior de São Paulo. Depois me mudei para a Capital. E, desde então, já existia um olhar de que finanças, especialmente no banco, tinha que ser a favor de resolver problemas das empresas. Como eu poderia equilibrar o fluxo de caixa da empresa ou, eventualmente, cobrir um descasamento? A empresa pagava seus fornecedores em reais, exportava seus produtos e recebia em dólares. Sempre tive esse olhar de como poderia equilibrar finanças ou serviço financeiro a favor do bom resultado das empresas. Muito dessa transformação vem desse olhar de como ajudar a equilibrar o fluxo financeiro das empresas. E é curioso que, ao longo da minha carreira, trabalhei, além da tesouraria, em corporate bank, avaliação de riscos e fui para outro banco americano. Enfim, esse olhar, seja de risco, de compliance, foi me atentando para algo que se chama impacto. Dentro desse contexto, tenho dois grandes marcos. O primeiro foi o nascimento dos meus filhos, marco muito importante na minha vida. Eu falo que sou melhor mãe do que executiva. E eu me considero uma executiva determinada. Esse foi o primeiro olhar de que todo o dia eu teria que tomar milhões de decisões e alocar meu tempo entre o meu projeto de vida, Eduardo e Guilherme, o meu trabalho e tudo mais. Então, comecei a fazer algumas reflexões importantes, pois Eduardo e Guilherme foram meus primeiros projetos de longo prazo reais – filhos duram para sempre! Comecei a refletir sobre impacto. O impacto começou a entrar na minha vida e eu percebi que ele não era opcional nessa época. Já no Itaú, cuidei de uma área de inovação. Eu trabalhei no Boston e fui para o Itaú na compra do BankBoston, muito próximo da chegada do Unibanco. O Itaú Unibanco cunhou como missão ser líder em performance sustentável e satisfação de clientes. Performance sustentável era a capacidade de permanecer na escolha de todas as pessoas quando exercia sua atividade como empresa; no caso, atividade financeira. Como finanças poderia estar a favor? Daí surgiram temas como educação financeira e risco climático. Como eu era uma pessoa de finanças tradicionais, acostumada a determinar métricas e pensar nisso, comecei a desenvolver coisas novas, trabalhando por dois anos na área de inovação, que usava comportamento financeiro para criar produtos e serviços. E o conhecimento também podia ser um produto ou um serviço a favor de melhores decisões, inclusive sobre dinheiro. O banco não vive de endividamento, vive de crédito. Sua capacidade de pagamento é muito importante e de R$100, em média, no Brasil, de um banco hoje no mercado, só em torno de R$16, no máximo R$20 são do próprio banco, o resto é dinheiro investido da sociedade. E, é também papel do banco colocar o fluxo a favor de uma economia que seja eficiente, com práticas éticas e sustentáveis, que queremos induzir. Foi quase uma consequência desse crescimento profissional e dessa maturidade minha transição para finanças sustentáveis.

RI: Quando começou a atuar com Sustentabilidade? Poderia discorrer para os leitores da Revista RI sobre os primórdios de sua atividade nessa seara?

Denise Hills: Eu comecei, oficialmente, a trabalhar com sustentabilidade em 2010, quando recebi um convite de um VP do Itaú Unibanco para liderar e construir a área de sustentabilidade pós-fusão, e fiquei até 2019, período em que estabeleci dois processos de integração estratégica, junto com uma equipe maravilhosa, um verdadeiro time. Ninguém faz nada sozinho! Isso foi muito importante, com a consciência de que não tínhamos muitas métricas dos negócios ou de que ainda não a havíamos construído. O fato de eu ainda não saber como medir, por exemplo, na época, o efeito de mudanças climáticas ou parte da governança ou outra questão, por exemplo, de trabalho escravo, a própria diversidade. Mesmo se uma organização não tiver mapeado ainda seu impacto, não significa que ela não tenha impacto. De novo, como mencionei anteriormente, o impacto não é opcional. Eu costumo brincar, você está respirando? Estão está emitindo carbono! De onde vem o ar que respiramos? Não paramos para refletir sobre isso. Em um mundo onde estamos batendo em quase todas as barreiras, de novo, o impacto não só não é opcional, como relevante. E, a partir disso, como é que se considera o impacto? Quando o “G” está se exercendo e o processo de decisão acontecendo, diariamente. E como fazer as pessoas ampliarem essa visão, irem além do financeiro? Entendendo que é um bom resultado, que fará com que as empresas sejam merecedoras de investimento, que vão continuar atraindo talentos, que vão continuar relevantes na sociedade.

RI: Como conseguir continuar relevante na sociedade, em um mundo que se transforma, tão rapidamente, e de forma disruptiva?

Denise Hills: Se você não se mantiver contemporâneo, não vai pertencer ao seu tempo. Portanto, vai envelhecer. Eu brinco que eu vou ter 100 anos, mas não vou ser velha nunca! Estarei sempre pertencendo ao meu tempo. Eu acho que isso é muito ESG contemporâneo. É o desafio de se manter coerente com os desafios do seu tempo, entendendo seus riscos, dependendo do tipo de empresa, em que ponto está, se já tem maturidade ou não, olhando para o risco e buscando mitigar os impactos negativos e ampliar os positivos; porque isso, com certeza, é o que garante a perenidade do seu negócio e, portanto, garante a perenidade do seu retorno e consistência. Mais do que certezas, avançamos muito em métricas. Esqueci-me de comentar que, nessa época, eu tive uma carreira na ONU. Tive a oportunidade de ser co-presidente do braço de mudanças climáticas para finanças da ONU – UNEP FI. Como uma mulher brasileira, latino-americana, fui co-chair global, bem como a primeira mulher a presidir a Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Em ambas, entender que o mercado financeiro tem um papel positivo e que se deve incorporar isso na métrica de decisão foi fundamental e ajudou a engajar bancos e empresas nessa jornada. Questões sobre quais são os riscos e oportunidades? Os temas mais relevantes? Na Natura, como aplicar isso a cosméticos? Por que a Amazônia é tão importante para o Brasil e o mundo? E se mudanças climáticas afetarem a biodiversidade? Ou mesmo a biodiversidade não for respeitada como, inclusive, a grande solução de mudança do clima? O que adianta estar fazendo um ótimo trabalho sem medir o que de fato importa? Medindo-se os impactos e levando-os em conta em suas decisões, gestores e líderes fazem com que a empresa seja eficiente, rentável e sustentável, mas isso não é o máximo. E hoje, esta já é a regulação, na maioria dos mercados, algo que acelerou muito nos últimos anos. Com isso a diferenciação vem de quem demonstrar metas e compromissos mais ambiciosos. O regulatório faz a diferença, sem dúvida. Mas uma empresa não se diferencia porque cumpre todas as leis. Quando a regulação chega nesse ponto, significa que a empresa já deveria estar preparada. E hoje vemos cada vez mais avançar o compromisso real de medir seus impactos e correlacioná-los com os ODS, por exemplo. Muitas regulações começam como uma autorregulação, prevendo que a conformidade seja alcançada nos próximos dois ou três anos. Então, esse é o último momento para se adaptar? Não, o momento da empresa se diferenciar em ESG ou em qualquer coisa, na verdade, é na incorporação do ESG na estratégia, na tomada de decisão, nos conselhos de administração. É o olhar integrado para considerar esses temas como parte da inovação. Porque as empresas nasceram para resolver problemas da sociedade, do ambiente e tudo mais, elas se diferenciarão efetivamente por isso.

RI: Considerando que as empresas devem se preparar ao longo da autorregulação e já estarem maduras com as exigências regulatórias, o que poderá diferenciá-las em sua jornada de sustentabilidade, com práticas ESG já exigidas por lei?

Denise Hills: Eu garanto que nos próximos anos, mais do que seguir a regulamentação, que é o básico, a inovação, que virá pela frente, será a grande resposta para todos esses desafios. A empresa que conseguir se diferenciar por ser capaz de gerar novos modelos de negócio, que respondam a esses desafios, com certeza, será líder. Atualmente, me perguntam: estar em compliance é importante para ESG? É muito importante, é essencial. Raramente existe uma empresa hoje que não esteja em compliance com sua regulamentação – exceções são vistas de forma muito negativa. Mas entender o impacto que gera pensar estrategicamente, olhando para esses desafios, fazendo investimentos, imaginando que, nos próximos 10 anos, o mundo será maior, mais complexo e bem diferente... isso, sim, faz a diferença. Seja um conselheiro, um membro do comitê executivo ou um diretor, se este tomar uma decisão hoje, para os próximos anos, desconsiderando ESG, esta poderá ser uma decisão equivocada, com um olho só, como se não estivesse enxergando claramente a realidade ou demonstrasse que não compreende totalmente os riscos aos quais se está exposto e, muito menos, as oportunidades, às quais se poderia responder ou criar modelos de produtos e serviços.

RI: Na prática, como transformar riscos em oportunidades?

Denise Hills: Tendo uma matriz de materialidade relacionada à estratégia, quando se está mapeando riscos e sabendo transformá-los em oportunidades, por meio de adaptações e inovações. A materialidade, por estar, nos últimos tempos, sob a responsabilidade dos times de ESG ou de sustentabilidade, é tratada como uma agenda de sustentabilidade, mas ela é da empresa. Então, é muito difícil imaginar empresas que ainda afirmem que têm uma estratégia de sustentabilidade que não conversa com a estratégia corporativa, ou então não têm nem uma e nem outra. Por isso o conceito de dupla materialidade na incorporação dos temas materiais da empresa, que contém também ESG na estratégia, na tomada de decisão, na alocação de recursos e nos investimentos. E esse é um dos maiores desafios da liderança dos conselhos hoje para uma boa tomada de decisão sobre que sociedade e economia teremos nos próximos anos. Por isso, ter diversidade é necessário na preparação para esse novo conhecimento, tanto quanto os temas dos comitês, por exemplo, de assessoramento em finanças, riscos, pessoas. Além dos comitês, é preciso ter uma formação dedicada a incorporar essa nova competência nos conselhos.

RI: Qual é o impacto da Inteligência Artificial (IA) nos processos de tomada de decisão?

Denise Hills: Essa nova tecnologia nos processos de tomada de decisão é essencial e pode ser um acelerador da empresa, de sua capacidade quando, na década da ação, não vai dar mais para esperar! Há muita gente indagando: será que a IA irá acontecer? Ou em qual velocidade ela irá acontecer? Se estamos vendo isso na regulação? Estamos hoje falando muito sobre isso. Eu posso dizer que desde a nossa última conversa até hoje, a velocidade só aumentou. Então, manter-se contemporâneo, entender que materialidade e ESG são a mesma coisa, que não existe uma estratégia da empresa e uma estratégia de sustentabilidade e, que esses são os desafios de fazer negócios em um planeta que está batendo em todas as barreiras – entender tudo isso é fundamental. E utilizar IA para acelerar o processo de tomada de decisão e a criação de novos modelos de negócios é um caminho.

RI: Para ter um forte “S” é preciso ter um forte “G” e um Modelo de Gestão Sustentável. Qual é a sua opinião sobre essa afirmativa?

Denise Hills: Sim, é necessário pensar, inclusive, como a governança da empresa estará a favor de ajudar a incorporação dos temas sociais materiais, independentemente do estágio onde essa esteja, pois repito: não é opcional. Desde o início de nossas conversas, ressalto que o impacto não é opcional! Ligou a empresa? Então, usou energia, contratou pessoas, influenciou toda uma cadeia de valor. Sendo assim, a empresa não é ilha, ninguém está sozinho, ela tem uma dependência de recursos e um impacto que, de novo, não é opcional. E a melhor coisa a fazer, é entender as métricas e incorporá-las à estratégia. Eu falo que ter governança e excelência em gestão do risco e oportunidade é muito melhor do que temer. Ter a gestão como solução, entender esses desafios, que são muitos, o que é inovação para o seu modelo de negócio, a dependência de recursos da natureza – todas essas são questões do business. Recentemente, falei sobre biodiversidade e essa, especialmente, para empresas brasileiras, ganha uma relevância ainda maior, sendo necessário saber medi-la. Medir a dependência de recursos da natureza, uma vez que somos natureza – eu sou natureza, você é natureza. Não pensamos muito nisso. Imagine uma empresa que, por exemplo, vende bebidas. Sua dependência de recursos como água é relevante. Ou, por exemplo, pense na emissão de carbono, um grande tema para atividades francamente emissoras. O raciocínio não é sobre a atividade em si, mas não poderemos seguir, nos próximos anos, o que já estamos sofrendo com efeitos cada vez mais significativos de ações empresariais sobre o meio ambiente, com a energia vinda de processos com muita emissão de carbono. Se as atividades com impacto negativo ainda puderem ser eliminadas, até por uma questão de justiça climática, se a transição não for tão acelerada quanto precisaria ser, para mitigar os efeitos do clima, tudo isso deveria ser compensado, para que se possa realizar atividades empresariais em um mundo que esteja a favor do equilíbrio, não o contrário.

RI: Estratégia, sustentabilidade, ESG, materialidade... todas essas dimensões andam juntas, como a senhora tem ressaltado. Novamente, como colocar tudo isso em prática?

Denise Hills: Esse é outro ponto, a materialidade e a estratégia andam juntas, e não têm uma receita de bolo; têm boas referências e têm muita ciência. A tecnologia também não tem uma receita de bolo, são várias opções, trata-se de uma jornada de escolhas e decisões. Como vocês têm dito, tem que estar na mesa de discussão, tem que estar no nível do conselho de administração. Sem a menor dúvida, eu não imagino uma empresa hoje fazendo um investimento em uma fábrica, no Brasil ou em algum lugar do mundo, sem considerar a precificação de carbono. Digo mais: imagine construir uma fábrica, investir, e daqui a muitos anos, após ter produzido produtos e prestado serviços para o mundo, não funcionar mais, pois o negócio está desajustado à nova realidade, com alto investimento necessário para mantê-lo viável. Hoje, construir fábricas no Brasil, que tem uma matriz energética preponderantemente limpa, é uma vantagem importante. Pode ser, inclusive, uma fonte de atração de capital, pois nosso país é muito mais efetivo nestes temas do que a maioria do mundo. O Brasil tem também a questão do arcabouço regulatório, que é referência em vários temas e precisa ser cumprido. Temos algumas questões, especialmente as questões sociais, mas estamos ganhando perspectivas, visibilidade.

RI: Qual é o set mínimo ESG?

Denise Hills: São vários pontos fundamentais. Sempre começo pelo uso de uma boa referência, em meu papel como executiva, consumidora ou conselheira, faço-me a seguinte pergunta: se eu quisesse ser sustentável agora, o que eu faria da minha vida? Se você quiser entender quais são os principais desafios e como vai trabalhar com eles, utilize os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a Agenda 2030 da ONU. Eles são uma grande referência de quais são os principais temas que nós teremos que resolver até 2030 e isso é a coisa mais importante, caso se queira manter o planeta e que a ideia de sociedade funcione para todos, não só para uma parte da humanidade. Mesmo que funcione por um tempo para alguns, em detrimento de outros, o planeta não funcionará – não poderia funcionar – assim para sempre. Cito, por exemplo, o desastre ambiental e social da COVID, em que houve quebras de cadeias mundiais, já que o mundo é totalmente interdependente. Sendo assim, um dos sets mínimos de referência são os ODS, para dimensionar como a empresa impacta a natureza com o seu trabalho. Eles podem ser um bom guia de KPIs e métricas para a solução dos desafios da sociedade como um todo. Vale para você, como colaborador, como indivíduo, vale para a empresa e é uma das principais ferramentas disponíveis. Em bolsas mundiais, os temas principais são as emissões de carbono, as mudanças climáticas, os temas de direitos humanos, salário digno, diversidade, representatividade, coerência, demografia do lugar onde a empresa tem atividade empresarial e vende, como ela cria produtos e presta serviços e a governança. Outras referências são as normas do IFRS, o framework de direitos humanos, as medidas do TCFD. E responder a questões como: o risco climático pode influenciar a atividade empresarial? Neste momento, estão sendo percebidos na agricultura impactos reais, pelo excesso de chuva, pela onda de calor, e isto é material! Então, é preciso incorporar na gestão de riscos da empresa essas questões, atualizar o software de gestão de risco. E outra pergunta muito importante é: quem mede? E ainda: qual é o impacto no orçamento? O orçamento da empresa tem que abranger o carbono, se a empresa terá que pagar ou receber. Se será ofensora de modo permanente ou eventual, lembrando que algumas atividades são carbono positivas. Se eu fosse um investidor hoje, naturalmente, iria investir em atividades que são mais resilientes, do ponto de vista de direitos humanos, do social e do meio-ambiente também. Por quê? Porque a capacidade dessa empresa de se manter relevante no tempo é muito maior e ela mostra uma competência empresarial que está incorporada aos processos de tomada de decisão. Os comitês do conselho de administração são outro set mínimo. Por exemplo, comitê de pessoas: está se pensando em carreira, em atração e retenção de talentos? Comitês de inovação e finanças: foi feito um orçamento considerando os impactos da atividade empresarial no mundo externo? Não se trata de compliance, trata-se de cuidado, para que desafios não se transformem em riscos, e para que os riscos não se tornem problemas concretos, mas oportunidades, sempre que possível. Para realizar investimentos, é preciso pensar em tudo isso, porque estamos tratando de questões absolutamente materiais. Carbono, se não foi o maior risco nos últimos anos, foi o melhor investimento. Os preços subiram quase 120% nos últimos quatro anos. De novo, carbono não é opcional, impacta a competitividade de um país. É um tema que pode ser muito relevante. É possível resolver a mudança do clima sem considerar a Amazônia? Trabalhar a biodiversidade, desconsiderando o conhecimento tradicional e a vida das pessoas? O impacto disso tudo e toda interdependência têm que se materializar no G de ESG, na forma de metas e com a atribuição de responsabilidades a várias áreas – contábil, finanças, supply chain,RH e outras. Dão mais importância na fala do que na transparência das informações. Digo que ter um plano incorporado à estratégia, ter a materialidade, fazer essa reflexão é ser coerente no processo de tomada de decisão. Sobre empresas com grandes problemas: não é que elas não tivessem políticas ou que as suas decisões carecessem de processos. Muitas vezes, elas não tinham o nível de conhecimento necessário para que o G materializasse as decisões tomadas. Mais do que ter uma política, é preciso ter a competência e os mecanismos do G e suas instâncias, onde o tema será levado e as decisões serão tomadas de acordo. Muito se tem falado sobre a formação de conselheiros, mentoring e o papel da área de sustentabilidade, que antes era quem monitorava o plano, quem garantia que o conhecimento se espalhasse e permeasse todos da organização, na qual atuava como um grande guardião. Mas são necessários especialistas e técnicos, porque algumas matérias são novas. Como aconteceu com a governança há muitos anos, antes de essa ser incorporada nas organizações. Ouvíamos gestores questionando: sabe quando isso vai acontecer? Nunca, não vai pegar no Brasil. Na época, nos primórdios da governança, recebemos um investidor internacional que falou sobre o tema e a reação de muitos foi: acho muito difícil! Hoje, não se abre capital sem governança. A sustentabilidade vai pelo mesmo caminho. Então, eu digo que esse tema tem que ser incorporado ao processo normal das empresas. Elas têm que atualizar o software de gestão, para garantir que as decisões sejam coerentes com os desafios do mundo contemporâneo – tudo tem que ser contemporâneo: empresa, hardwares, softwares, quem toma decisão. Estamos vendo isso, como consumidores, na prateleira do supermercado, nas gerações mais novas, nas escolas, em qualquer lugar, está tocando nas paradas de sucesso, está aparecendo no jornal da meia-noite. Normalmente, vemos o sofrimento dos efeitos disso. O Brasil é um exemplo, com os desastres ambientais. Hoje não se passa uma semana sem que as capas dos jornais não falem disso. Incorporar essas práticas citadas anteriormente para saber tomar decisões, ter uma boa gestão, ter clareza de que o impacto não é opcional e fazer uma escolha de qual, de fato, é o impacto que a empresa quer gerar é o que vai diferenciá-la. E a nova competência de liderança e estratégia não é a sabedoria empresarial. É sobre se manter na liderança, o desafio de permanecer na escolha das pessoas, consumidores, colaboradores e outros líderes. Quanto é walk mesmo e quanto é talk? As empresas, que têm como conselheiros pessoas que têm relação entre elas e pensam igual, não trilharão um caminho diferente. É preciso falar além do que a empresa gostaria de ouvir, sem desconsiderar a materialidade, seus maiores impactos em sua própria atividade. Praticar greenwashing ou mesmo greenwishing é inaceitável. É necessário ter a ambição de gerar um impacto positivo, mitigar riscos, saber qual é o papel da empresa na sociedade. Isso é tão necessário como qualquer outra competência de gestão, de materialidade, de capacidade de conhecimento, de incorporação no processo, tomada de decisão e de escolhas – às vezes um tanto quanto corajosas, mas materiais e muito relevantes! Acho impossível uma empresa ser rentável sem ser sustentável. Pode ser que ainda existam algumas empresas com tal pensamento, mas, com o tempo, elas estarão fadadas ao insucesso. Os riscos estão aumentando. O mercado financeiro tem dito, o que já está precificado e alinhado aos princípios de investimentos responsáveis. Como entender quais 50 tons de base deveríamos ter em uma sala, especialmente quando se tem somente duas pessoas tomando as decisões? Não se deve perder de vista que a diversidade em conselhos é fonte de inovação e o G faz parte do sistema ESG.

RI: Quais projetos de sua trajetória gostaria de destacar nesta entrevista, com foco em “S”, com definição de métricas e medição de resultados?

Denise Hills: Compartilho dois projetos que me marcaram muito, voltados ao ODS 5 e relacionados à nossa própria natureza de mulher. O primeiro projeto que tive a oportunidade de liderar, por alguns anos, foi o Itaú Mulher Empreendedora, cujo principal objetivo era empoderar mulheres empreendedoras no Brasil, contribuindo para a evolução de suas empresas e a jornada de transformação do País para melhor. Para isso, era preciso analisar o porquê de uma base de clientes: a parcela de 35% das pequenas empresas, lideradas por mulheres, usava menos crédito, o que significava menos negócios para o banco. Foram realizadas parcerias com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com o International Finance Corporation (IFC), com captação para realizar treinamentos para ajustar a carteira, e uma parceria com a Rede Mulher Empreendedora, da Ana Fontes, da qual sou conselheira hoje. Foi uma honra trabalhar nesse projeto e entender o que faltava para essas mulheres empreendedoras poderem usar o crédito. Era preciso entender se eram mais conservadoras, ou não, se o algoritmo desenhado por nós tinha algum preconceito ou alguma lógica diferente. E aprendemos que essas mulheres temiam usar o crédito, e justamente, porque o banco não dava crédito coerente com a situação delas. As análises do banco indicavam que elas não tinham histórico e, sem histórico não haveria como conceder o crédito. O resultado desse projeto, depois do processo de aprendizado, da noção de seu impacto, das oportunidades, fez com que essas mulheres aumentassem o faturamento, usassem mais crédito, tivessem menor inadimplência. Na época, o índice de satisfação delas com o banco subiu e elas o consideravam muito mais parceiro de seus negócios. O impacto gerou mais negócios liderados por mulheres que performaram no Brasil e no mundo. Então, esse é um projeto que me orgulha muito, pois tratou de como usar a tecnologia, a ciência, o conhecimento de finanças e as estatísticas para soluções absolutamente objetivas, que melhoram a rentabilidade do banco e que transformaram um processo histórico, para fazer com que mais mulheres pudessem liderar negócios. Muitas mulheres são líderes de família, elas têm que incorporar essa diversidade. Quando as mulheres criam um negócio, elas cuidam muito dele, os negócios liderados por mulheres têm essa característica, eles desenvolvem muitas as pessoas, são muito relevantes para as comunidades. Imagine o aprendizado que foi medir o impacto desses negócios criados por mulheres em uma sociedade como a do Brasil! Esse projeto me orgulha muito, assim como a operação de microcrédito, na qual também trabalhei e, muitas vezes, com a incorporação de fatores de risco socioambientais na concessão de grandes projetos de financiamento no Brasil. O segundo projeto de que mais me orgulho foi ligado ao tema finanças, que domino, e foi realizado recentemente na Natura – Integrated Profit & Loss – análise das perdas e ganhos integrados, que foi sensacional, um exercício de valorar economicamente o impacto para que se possa tomar decisão considerando todos os eventos que não deixam de ocorrer em um negócio. Quando se consegue medir e incorporar tais eventos ao processo de tomada de decisão, a empresa pode produzir um produto com menor carbono. Por quê? Porque o carbono custa e é possível medi-lo ou considerar um pagamento mais justo em uma cadeia de valor, por exemplo, na Amazônia, garantindo que ela se desenvolva. Ou fazendo isso ouvindo a sociedade e o que ela traz, que é o conhecimento tradicional. E vendo, como parceiro, como a própria fonte de inovação, que utilizará o conhecimento tradicional para criar produtos e serviços. Quando se mede o impacto real – e cada vez mais se investe em algum impacto, que de fato acontece, seja social, seja ambiental –, tem que passar a tomar melhores decisões, alinhadas na ambição. Como exemplo, menciono as consultoras, que tinham uma renda superior ao que considerávamos como salário-mínimo. Mas ainda haveria um espaço muito maior para trabalhar processos, projetos, serviços, a forma como a consultora cresce na carreira, para aumentar ainda mais o IDH. Por quê? Porque uma boa parte das vendas vem através dessas consultoras. Este é um modelo de investimento social. E se boa parte das vendas vem das consultoras, qual seria o impacto se não garantíssemos que essas consultoras nos escolhessem? Porque o fato de trabalharem conosco, cada vez, mais melhora a vida delas também. Trata-se de uma inteligência que liga o impacto que – de novo! – não é opcional, e se torna material. Em uma linguagem mais comum aos negócios, isso permite que se tome decisões com mais clareza. Talvez tenhamos que trabalhar mais depois disso, com um pouco de ousadia ou coragem empresarial, para tomar certas decisões que ainda não são plan vanilla, que fogem do padrão e não são o normal da vida. Mas é isso que irá diferenciar as empresas, o conhecimento de seus impactos, para tomar boas decisões. O conhecimento dos impactos e a materialidade são formas importantes de engajar os times, que hoje estão fazendo negócio como um todo, bem como de engajar pessoas no desafio estratégico da empresa. Toda empresa quer crescer, quer performar, quer continuar pertencendo ao mercado, e isso se soma à sua estratégia. Esse contexto tem que ser o drive da estratégia, com a integração de todo mundo, somado ao conhecimento novo, o olhar mais expandido, ao mesmo tempo em que se incorpora o conhecimento que já vem sendo constituído há muito tempo, direcionado para novas métricas. Com isso, todo mundo evolui, porque se está praticando o conhecimento, incorporando-o ao processo e fazendo com que esse seja revisto muitas vezes. Um dos maiores trabalhos que tenho feito, seja na esfera de conselhos de administração ou quando me pedem alguma recomendação como estrategista, com foco em inovação, é olhar para o processo de decisão – qual é esse processo? Qual é a sua maturidade? O que o mundo está falando sobre aquele determinado setor e como poderia ser melhor nesse contexto? Como esse contexto estará a favor? Porque se ele não estiver a favor, estará contra! Estamos aqui para sermos bons líderes, para trabalharmos na empresa da qual nos orgulhamos. Compramos produtos e serviços – de carro à casa, investimos. Então, a melhor contribuição que se pode dar para uma empresa hoje é tornar ESG parte do business as usual, porque, de novo, se tudo der certo, os resultados serão excepcionais! Tomara! Eu sou uma otimista! Até 2030 a gente equaciona isso para quem é brasileiro, para quem está a favor, esta é uma grande oportunidade. Mas essa oportunidade não vai durar para sempre. Os riscos não são opcionais, e cumpre agir, antes que se materializem e, de certa forma, já estão se materializando! A melhor equação é incorporar na estratégia esse novo formato de decisão mais ampliado e, para isso, os projetos e processos estão aí e são fundamentais. Quase todas as empresas têm muita oportunidade, não a custo zero, claro, mas eu não consigo imaginar, de novo, uma empresa que tenha ambição de ser perene, de estar aqui nos próximos anos, sem falar em ESG.

RI: Este é o maior desafio: transformar o Brasil, que abrange pequenas, médias e grandes empresas, que estão fora do mercado de capitais, muitas delas bilionárias, por meio do letramento. E nem mesmo as empresas que fazem parte do mercado de capitais brasileiro estão integralmente letradas em tudo que é requerido para se ter boas práticas ESG. Concorda com essas considerações?

Denise Hills: Esse é o maior desafio. A materialidade do negócio não corresponde à capacidade de implantar práticas ESG, pois não se pode sentir falta daquilo que não se conhece. Conhecer os impactos que o negócio provoca muitas vezes ajuda muito; por exemplo, a empresa familiar a entender o que falta, o que poderia ser realizado de outra forma. O esforço vai desde buscar conhecimento até a criação de instâncias de governança, do uso de profissionais especializados, ainda que durante algum tempo, para acelerar o letramento. Inclusive em empresas familiares, porque no Brasil, mesmo as empresas de capital fechado são enormes, são muito relevantes, e são elas que, na verdade, estão, em grande parte da cadeia de valor, em variados níveis de maturidade. Dos 10 maiores riscos do World Economic Forum, para os próximos 10 anos, nove são de questões sociais e ambientais. Existe uma maior conscientização, conforme as pesquisas indicam, de cerca de 80% das pessoas – consumidores e líderes –, no sentido de entenderem a importância do ESG; principalmente, por parte do negócio, de alguma forma. Por outro lado, as pesquisas relatam, também, um desconhecimento de como fazer. Esse desconhecimento pode ser resolvido com letramento. A conexão do ESG com a estratégia sempre começará com a materialidade, com um checkpoint do que é relevante. Esse é o kit mínimo para viver. E gerenciar itens tangíveis e intangíveis. O valor da marca, intangível, do qual antes ninguém falava, representa quantos por cento do valor da empresa? ESG é o que garante o menor custo no fluxo financeiro, o menor risco e o melhor prazo – é oportunidade, que necessita de tecnologia, conhecimento, informação, velocidade, que é capaz de capturar diferenciais e colocar a atividade empresarial a favor da solução dos problemas da sociedade. Esse é o desafio e se não conseguirmos resolvê-lo, não teremos energia, ar-condicionado, viabilidade de trabalho em várias frentes, cuidado com o planeta, em função de um sistema que não funciona. Necessitamos de uma equação de equilíbrio, considerando as externalidades, que fazem parte integrante para a medição, considerando os processos de tomada de decisão e uma liderança coerente com desafios dos nossos tempos.

RI: Suas palavras destacam a importância da consistência e coerência em uma jornada ESG. É importante que isso seja discutido e incluído nas questões de governança, desde o conselho de administração?

Denise Hills: Consistência e coerência vão além dos muros da empresa, que não está fechada. Ela é responsável por seus impactos, que se tornam manchetes de jornais rapidamente. Não há como dizer que não sabia, não estava no momento, não era responsável por qualquer não conformidade, ocorrida dentro ou fora da empresa, que se relacione com ela. Se houver consistência, conhecimento do que gerou externalidades negativas, mesmo dentro da lei, responda, explique! Há menos de 200 anos atrás, era legítimo ser proprietário de um ser humano, dependendo da cor de sua pele, e estava-se dentro da lei. Isto não é ético, não é aceitável. Não é mera questão de cumprir todas as leis e, sim, de ser contemporâneo, entender quais são os desafios e trabalhar a favor, porque, afinal, o que se quer como líder, como mãe, como mulher, como empresária – em qualquer posição, como participante de uma sociedade – é estar a favor de direitos que a sociedade considere justos e nós evoluamos, não o contrário. O propósito também é importante! John Elkington falou sobre isso, em uma conferência no Brasil, com board members, grandes conselheiros, CEOs e integrantes de comitês executivos: a única língua que os boards devem aprender não é espanhol, finanças, é o impacto. Qual é o impacto do negócio, porque este não é opcional, é o resultado do propósito. Esses profissionais buscam manter a perenidade e o bom resultado tanto quanto resolver problemas da sociedade e são remunerados economicamente por isso. Tudo isto está diretamente relacionado ao sucesso do negócio, cujas premissas não mudaram desde que fizemos faculdade – licença social para operar – lá atrás: propósito, papel das empresas e o contrato social. Uma liderança coerente e consistente sabe do seu papel e é capaz de, cada vez mais, levar isso para a frente. Não precisamos ter todas as respostas, mas precisamos ter consciência de que o bom impacto não é opcional, e fazer as perguntas certas. O mundo é movido a perguntas!

Nota: Assista o vídeo com à integra dessa entrevista, disponível no link: https://www.revistari.com.br/videos

Cida Hess
é CEO da Orquestra Societária Business, doutora em Sustentabilidade pela UNIP/SP, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUCSP, economista e contadora, com MBA em finanças pelo IBMEC. Executiva, conselheira, palestrante, coordenadora da Comissão Temática de Finanças e Contabilidade e professora da Board Academy e do Legado e Família. Colunista da Revista RI desde 2014 e do Portal Acionista desde 2019 e conselheira editorial da RI desde 2023.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica Brandão
é assessora do escritório André Mansur Advogados Associados e chair do Conselho Consultivo da Orquestra Societária Business. Mestre em Administração pela PUC Minas, graduada em Engenharia Elétrica e graduanda em Direito pela mesma Universidade, é pós-graduada em Administração pela UFMG e MBA em Finanças pelo IBMEC. Tem atuado como executiva financeira, conselheira, engenheira e professora universitária, é colunista da Revista RI desde 2008 e do portal Acionista desde 2019, sendo conselheira editorial da RI desde 2023.
mbran2015@gmail.com


Continua...