Em meio a um cenário de complexidades legais e éticas, surge a questão premente: como um Conselheiro de Administração, especialmente um Conselheiro Independente, da Novonor (Odebrecht) ou da J&F, deve conduzir-se diante da suspensão das multas de suas empresas em circunstâncias duvidosas?
Essas multas foram estabelecidas como parte de acordos de leniência devido a práticas comprovadas de corrupção nas empresas, reconhecidas pela própria empresa, e sua suspensão foi unilateralmente determinada por um ministro, levantando suspeitas de conflitos de interesse, uma vez que, no primeiro caso, o ministro Toffoli foi mencionado nas delações de Marcelo Odebrecht e, no segundo, sua esposa atua como advogada para o grupo J&F.
Antes de prosseguir para uma análise aprofundada, é crucial considerar se a empresa enfrentava dificuldades para honrar o pagamento das multas sem colocar sua sobrevivência em risco e buscava exclusivamente um ajuste para que as multas se adequassem a sua capacidade de pagamento; ou se estava buscando deliberadamente evitar as obrigações financeiras impostas.
Se a empresa buscava apenas uma adequação a sua capacidade, seria necessário comunicar isso muito melhor à sociedade, reiterando que reconhece os erros que cometeu e vai pagar as multas, apenas pleiteia mais prazo e condições que não comprometam sua sobrevivência. Deveria adicionalmente firmar um compromisso de não remunerar os acionistas controladores nem através de dividendos nem outras formas de remuneração, até que as multas tenham sido pagas.
Se presumirmos que a empresa buscava se eximir completamente das multas e que o conselheiro independente estava ciente e concordante com tal abordagem, torna-se evidente que este último teria comprometido sua independência, agindo no interesse dos acionistas controladores em detrimento da ética empresarial e dos interesses de todos os stakeholders, inclusive a sociedade.
No entanto, se considerarmos que a empresa busca anular as multas, e que o Conselheiro Independente não tinha conhecimento prévio dessa tentativa, sua ação inicial deveria ser o registro de protesto pela omissão dessa informação vital ao Conselho. Contudo, além dessa ação, qual seria o caminho apropriado a seguir?
Por um lado, o Conselheiro tem o dever fiduciário de agir no melhor interesse da empresa. Sob esta ótica, aceitar a decisão do ministro, mesmo que moralmente questionável, pode parecer a escolha lógica, uma vez que resulta em ganhos financeiros e é legal, emanada da mais alta corte do país.
Por outro lado, tal ação pode enviar uma mensagem negativa aos stakeholders, sugerindo que as medidas corretivas tomadas pela empresa não foram genuínas e que práticas antiéticas podem ser retomadas. Nesse sentido, o Conselheiro não deve basear suas decisões apenas em considerações legais e econômicas, mas também em princípios morais e éticos.
Embora possa parecer que há um dilema sobre como um Conselheiro de Administração deveria agir nessa situação, é importante ressaltar que existe um curso de ação correto. Este curso de ação implica em não concordar com a tentativa da empresa de se beneficiar financeiramente da decisão do ministro, agindo como se nada tivesse acontecido no passado justificasse as multas.
Entretanto, a questão permanece: como proceder nesse sentido? Admitindo-se que a decisão do ministro tenha sido motivada pela empresa em busca de obter um “perdão” das multas e que a maioria do Conselho deseje tirar pleno proveito da economia resultante, resta então ao Conselheiro independente renunciar ou buscar uma alternativa.
Renunciar seria uma opção natural, e não se poderia criticar um Conselheiro que optasse por essa medida. No entanto, outra alternativa seria tentar persuadir o Conselho a corrigir seu curso de ação. Afinal, fazer parte do Conselho implica a crença de que se pode contribuir para a empresa e que esta não pretende reincidir em práticas corruptas do passado.
Caso o Conselheiro opte por permanecer na empresa, é crucial que se posicione com clareza e firmeza, exigindo da empresa um compromisso público com a responsabilidade e a ética empresarial.
A empresa deve trabalhar para encaminhar essa ação ao plenário do STF o mais rapidamente possível. Se o plenário reverter a decisão do ministro, o rumo da moralidade estará restabelecido. Restará uma profunda discussão interna do que havia levado a empresa a tentar anular as multas (supondo que fosse isso que ela buscava, e não apenas adequar o pagamento das mesmas a sua capacidade) e como se manter no rumo daqui em diante, além de como comunicar isso a todos stakeholders.
No entanto, se o plenário do STF confirmar a decisão do ministro, haveria ainda que se considerar que se tratava apenas de uma suspensão das multas, não um perdão. Mas consideremos que a empresa buscava algo equivalente a um perdão da multa, e que obtenha sucesso nesse seu pleito.
Nesse caso, o Conselheiro deve orientar empresa a, dentro de sua capacidade financeira, preservando sua sobrevivência, direcionar esses recursos para ressarcir eventuais pessoas que haviam sido diretamente prejudicadas por ela, e para ações de compliance, educação e mudanças culturais, ligadas a prevenção e combate a corrupção, dentro da própria empresa e com seus stakeholders.
A empresa deve assumir compromisso público, refletindo que se mantém aderente com a ética empresarial, a transparência e a responsabilidade corporativa assegurando mudanças duradouras em sua cultura e práticas internas. A empresa não pode simplesmente economizar esse dinheiro aumentando seu lucro.
Se a empresa optar por ignorar essas orientações e buscar apenas o benefício financeiro decorrente da decisão judicial, é imperativo que o Conselheiro independente registre sua posição em ata e a torne pública.
Este é o verdadeiro dilema: renunciar, desistindo de contribuir com a empresa, ou permanecer e persistir nos esforços para aprimorar sua governança corporativa. Sempre manifestando suas posições com clareza, buscando mitigar danos maiores, especialmente considerando a influência significativa da empresa no cenário nacional.
Por fim, se optar por se afastar da empresa considerada antiética, é fundamental que o Conselheiro registre claramente seus motivos e comunique-os de forma transparente aos stakeholders.
Em última análise, o papel do Conselheiro de Administração é orientar a empresa em direção à integridade corporativa, buscando sempre equilibrar ganhos financeiros, riscos e legalidade, sem jamais comprometer os princípios de moralidade.
Charles Putz
é sócio-fundador da Verena Ventures; e Conselheiro de Administração, atuando em diversos Conselhos.
cputz@verenaventures.com