ESG: A Dimensão Social requer um olhar de alma!
A seguir, apresentamos a entrevista com Vânia Maria da Costa Borgerth, Conselheira certificada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, com uma relevante trajetória no BNDES e em entidades regulatórias nacionais e internacionais, que muito contribuem para o avanço da Contabilidade e da sustentabilidade.
Nesta edição, concluímos as entrevistas com 12 Conselheiras certificadas pelo IBGC para o projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita.. E avançamos, significativamente, na participação de mulheres entrevistadas nesta coluna Orquestra Societária, alcançando 41% do total de entrevistas realizadas.
O resultado faz parte do doutorado concluído por Cida Hess, que abrange o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no. 5 da ONU: Igualdade de Gênero. Tal pesquisa foi apoiada pelo Diretor Editorial desta Revista RI, Ronnie Nogueira que, inclusive, destacou o fundamental papel de mulheres inspiradoras e poderosas: Rachel Maia, Carol Paiffer, Sandra Guerra, Louise Barsi e Denise Hills, consecutivamente, em matérias de capa das cinco edições mais recentes da Revista RI!
Vânia Borgerth é vice-coordenadora de Relações Internacionais do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos Sustentabilidade (CBPS) e presidente da Aliança Regional Latino-Americana da UNCTAD/ ISAR (ARL). Vencedora do Prêmio “Profissional do Ano – Contabilidade” pela ANEFAC – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade em 2022. Contadora e doutoranda em Contabilidade pela FUCAPE Business School, mestre em Administração e MBA em Finanças pelo IBMEC-RJ. MBA em IFRS pela FIPECAFI. Possui certificação internacional em IFRS pela Association of Certified Chartered Accountants – ACCA. Especialista em Contabilidade pela FGV-RJ.
Atua como vice-coordenadora de Relações Internacionais do CBPS (Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade), Diretora do IESBA (International Ethics Standards Board for Accountants), membro do Conselho de Administração e Presidente do Comitê de Auditoria da SHIFT Project, Board Member da International Foundation for Valuing Impacts – IFVI, membro do Comitê de Auditoria do Banco Santander Brasil, membro do Advisory Board do 30% Club Brasil, membro Suplente do Conselho Fiscal da ELEKTRO Redes S.A. e coordenadora da Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado – CBARI. Membro da Task Force “Integrity and Compliance” do B20.
Representante do IBGC no IRCC – Integrated Reporting and Connectivity Council e coordenadora do Pilar “Transparência” da Agenda Positiva de Governança e membro da Comissão Coordenadora da revisão do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa (6a. Edição) do IBGC. Membro do Expert Panel do A4S – Accounting for Sustainability. Membro da Delegação Brasileira no UNCTAD/ISAR (International Standards for Accounting and Reporting), tendo atuado como chefe da Delegação de 2013 a 2020, presidente da 32ª Reunião Anual e Vice-presidente/Relatora da 36ª Reunião Anual. Coordenadora Operacional do Grupo de Trabalho sobre Relato Integrado do Conselho Federal de Contabilidade que resultou na OCPC no. 09 (Resolução 14/20 da CVM). Representante do Brasil no Advisory Council do IFRS (2015-2020) e no Consultative and Advisory Group do IAASB e IESBA - órgão internacional de normas de auditoria e ética contábil. Representante do CBPS no Sustainability Standards Advisory Forum (SSAF) do ISSB.
Por muitos anos, foi executiva do BNDES, onde exerceu várias funções; entre elas, de Contadora Chefe, Assessora da Presidência e Superintendente de Controladoria. Autora do livro “SOX: entendendo a Lei Sarbanes-Oxley”, publicado pela Editora Thomson Learning, em 2006.
Vânia Borgerth voou de madrugada do Rio para SP para realizar essa entrevista conosco, em um dia intenso de compromissos em São Paulo, e destacou: É uma honra participar dessa iniciativa e tenho uma grande responsabilidade como a última conselheira entrevistada, quando todas apresentaram relevantes conteúdos! É um prazer muito grande falar sobre o S – a Dimensão Social do ESG, porque esta é uma transversal nas questões de sustentabilidade, no ambiente econômico, onde tudo existe por causa de seres humanos. Tudo o que é produzido tem como propósito gerar benefício para os seres humanos.
Acompanhe a seguir a entrevista, cujo vídeo da íntegra pode ser assistido acessando o link: https://www.revistari.com.br/videos
RI: Quais são os temas discutidos da dimensão “S” do ESG – Environmental, Social and Governance? E quais são as práticas, entre diretrizes e ferramentas de gestão sustentável, que deverão adotar os sócios e líderes de uma organização para se diferenciarem?
Vânia Borgerth: Muitas vezes, olhamos para o produto, para sua tecnologia e avanço, para o bem-estar, mas não pensamos de verdade no “S” – a Dimensão Social, que precisa ser observado com muita atenção. Não se pode dizer que há sustentabilidade, se o olhar for somente para o econômico, o ambiental e governança. A Dimensão Social, na verdade, é a que amarra todas as demais dimensões, porque quem vai usufruir dos benefícios de todas as demais são os seres humanos. Desta forma, o Social é fundamental. Vamos contribuir e somar para dar certo! Nos últimos anos, a gestão das organizações evoluiu muito, buscando pessoas cada vez mais qualificadas. Por essa razão, os profissionais devem ser melhor preparados e treinados e, além das qualificações técnicas, devem apresentar os soft skills alinhados à cultura organizacional. A falta de qualificação representa um risco para o negócio, porque se os profissionais cometerem erros, produzirão produtos ou prestarão serviços com menor nível de qualidade. E se esses profissionais não forem tratados como um ativo da empresa, que agrega valor e que a empresa valoriza, podem ficar desanimados e desmotivados, contribuindo menos. Então, pequenos gestos são fundamentais, como mostrar para o empregado que o valor que ele tem para a empresa é percebido e reconhecido. Esse reconhecimento impacta seu nível de produtividade! Os direitos humanos ensinam a olhar para a Dimensão Social além dos números, além do mero quantitativo; abrangem um olhar de alma, que percebe o funcionário, que conhece sua personalidade, que sabe que ele tem sonhos – fatores que fazem dele um ser humano único, não um sistema ou uma máquina de executar tarefas! As máquinas são substituíveis, seus parafusos podem ser trocados, mas o ser humano tem alma, tem necessidade muitas vezes de ser ouvido, ou de ser puxado, ou de ser cobrado. Então, para a empresa incorporar em suas práticas a Dimensão S do ESG, tem que ser capaz de olhar para os empregados, para seu corpo funcional e enxergar essas diferenças. Por quê? Porque o conjunto, a soma dessas diferenças, é o que vai fazer da empresa um sucesso ou um fracasso.
RI: Ficamos emocionadas com a sua abordagem da Dimensão Social. De onde vem seu olhar de alma? E como levá-lo para a mesa do conselho? Isso virou até o título desta entrevista!
Vânia Borgerth: Ter esse olhar de alma é fácil, pois sou católica praticante! Olhar o ser humano buscando o que faz daquela pessoa um ser único sempre foi algo que fez parte de minha trajetória pessoal. E como contadora chefe do BNDES durante muitos anos, com uma equipe de mais de 100 pessoas, aprendi a trazer esse olhar também para o campo profissional, por meio do conhecimento, do respeito e de como lidar com as diferenças entre todos os profissionais com os quais trabalhei e trabalho. Foi uma grande escola administrar pessoas porque, na prática, muitas vezes, ocorrem desavenças, afloram de nosso lado humano, acontecem até mesmo em casamentos. A solução mais fácil é sempre virar as costas e deixar aquela determinada pessoa, tentar outra, ir embora... Mas, na verdade, se as pessoas estão no time é porque têm algo a somar, agregam valor e, se optarem por ir embora, o time perde. Como executiva, aprendi a ser um pouco psicóloga, a conciliar, a colocar as pessoas juntas, a escutar. Muitas vezes, tudo o que as pessoas querem é serem ouvidas. A escuta ativa é uma das estratégias e ferramentas práticas que usei como executiva e ainda uso como conselheira.
RI: Entre as práticas citadas, quais são as mais críticas, em termos de gestão estratégica e de riscos, com foco no “S”?
Vânia Borgerth: A gestão estratégica requer o olhar para os funcionários para enxergar a realidade de cada um. Ninguém gosta ou fica satisfeito se pensar que a sua ausência não será sentida. E quando elogiado por uma pequena atitude, quando está notando que ele não é um simples número e, sim, alguém especial no time, isso faz uma grande diferença e ajuda a construir a estratégia, porque, em algumas situações, pessoas têm realidades e habilidades conflitantes para realizar uma determinada atividade. A capacidade de identificar e designar um profissional no time que poderá realizar determinada atividade com maior eficiência e eficácia é fundamental. Ao mesmo tempo, trata-se de gestão de risco, quando se percebe que os profissionais precisam de treinamento, de uma conversa, ou mesmo de serem cobrados, para que fiquem conscientes de seus deveres e entregas. Algumas entregas podem não ser realizadas no corporativo. É mais fácil para o gestor dizer que não foi feito porque determinado funcionário não entregou. Mas, quando o gestor é capaz de enxergar o porquê ele não entregou, de tirar a culpa desse funcionário, que poderia levá-lo à depressão por sentir que falhou, ele se torna muito mais dedicado e disposto a não deixar que aconteça o mesmo erro da próxima vez. Como disse, meu lado cristão sempre me levou a procurar esse olhar de alma mais profundamente e sempre tive essa preocupação em cuidar dos profissionais com os quais trabalhei, para que a convivência fosse cada vez melhor. E isso sempre me ajudou muito em minhas posições executivas e de conselhos. Porque quando alguma coisa não dá certo, o funcionário já vai para as reuniões na defensiva. Quando, ao invés de acusá-lo, ele tem a chance de explicar as razões do que não deu certo, ele se sente mais estimulado a contribuir, ajuda a identificar o problema. E, melhor, não esconderá o problema! Eu sempre digo que transparência é fundamental e, no ambiente em que o profissional se sente seguro, é mais fácil obtê-la. Em 2001, quando fui fazer um curso de relações com investidores na Northwestern University, em Chicago, o especialista que deu aula sobre o lado jurídico dos escândalos corporativos nos Estados Unidos revelou a importância da transparência. Segundo ele, ao mostrar claramente os seus problemas ao invés de escondê-los, a empresa está se protegendo e não se “expondo” como alguns pensam. Quando o usuário da informação recebe a informação completa e verdadeira, ele tem a oportunidade de tomar decisões maduras, que contemplem o nível de risco que estão dispostos a assumir. Se alguma coisa dá errado, esse usuário já não pode responsabilizar a empresa, não pode acusar a mesma de tê-lo traído, pois, na verdade, tomou a decisão que achou mais apropriada, apesar dos riscos. Se o gestor tomou determinada decisão e esta foi bem sucedida, sente-se agradecido por ter sido capaz de levar aqueles fatores de risco em consideração e, com isso, encontrar uma forma de ter um retorno positivo. A transparência é tão boa para dentro como é para fora da empresa, principalmente para quem está no comando, tomando decisão; muitas vezes, visando somente o lado financeiro. Como contadora, não tenho nada contra o lado financeiro, pelo contrário, sou muito a favor, é essencial, mas se a decisão tomada é somente olhando VPL e EBTDA, por exemplo, as externalidades podem não estar sendo consideradas, porque não basta tomar uma decisão tendo em vista seus retornos financeiros e rezar para que tudo mais (não-financeiro) dê certo. É necessário aprender hoje o conceito do pensamento integrado, que coloca na balança, além do retorno financeiro, os prováveis riscos de natureza social, ambiental e de governança. Isso é excelente, porque se esses fatores não são levados em consideração, a empresa pode até ter lucro financeiro, mas pode destruir sua imagem, pode se envolver em um escândalo social ou legal; pode, na verdade, acabar tomando uma decisão que comprometerá o meio-ambiente e, com isso, impactará o planeta inteiro.
RI: Em sua trajetória profissional, a senhora desenvolveu um forte olhar econômico-financeiro, que foi enriquecido com o olhar de alma. O que mais destaca na Dimensão Social, com seu olhar de alma?
Vânia Borgerth: Em 2006, quando eu era contadora-chefe do BNDES, o Brasil resolveu adotar as normas internacionais de contabilidade. A CVM e o BACEN solicitaram ajuda ao BNDES, que tinha muito acesso às empresas, para entender os problemas que essas teriam com a alteração da Lei 6.404/76, para contemplar a adoção das regras contábeis internacionais. E isso foi um passo muito acertado porque, inclusive, valorizou a profissão contábil! Em função desse pedido, comecei a acompanhar o processo de normatização internacional, pró transparência, e passei a integrar a delegação brasileira de contadores na ONU (UNCTAD/ISAR). Adicionalmente, passei a representar o Brasil no órgão responsável pelas normas globais de contabilidade (Advisory Council da IFRS Foundation), auditoria (Consultative and Advisory Group do International Auditing and Assurance Standards Boards – IAASB) e ética (Consultative and Advisory Group do International Ethics Standards for Accountant – IESBA). Essa foi uma época de grande aprendizado para mim, pois me aprofundei no conhecimento que vai além da norma propriamente dita, pois, participar das discussões me deu a visão do porquê ela foi construída de determinado jeito e não de outro, e quais são as implicações – foi uma grande escola! Nas vésperas da Conferencia Rio+20, recebemos uma delegação enviada pelo então Príncipe de Gales (hoje: sua Majestade o Rei Carlos III) para falar sobre Relato Integrado, cuja concepção abrange olhar com transparência além do lado financeiro, que é muito importante, mas é apenas a ponta do iceberg. O conceito de Relato Integrado nos ajuda a ter uma visão inigualável dos elementos conhecidos como “não financeiros”, na maior parte intangíveis – Social, Ambiental e Governança, que a contabilidade não consegue alcançar e representam a parte debaixo do iceberg que, muito bem sabemos, afunda navios. Na verdade, não existem itens “não financeiros”. Se as questões ESG não forem bem administradas, afetarão os fluxos de caixa futuros tanto quanto os elementos “financeiros”. Então, administrar sustentabilidade é gerenciar riscos; logo é importante que a informação de sustentabilidade seja vista. O Relato Integrado ganhou dimensão global. Por isso, quando a IFRS Foundation, que já faz as normas globais para reporte contábil, resolveu assumir também a função de fazer normas globais para reporte de sustentabilidade, uma das primeiras decisões tomadas foi a de incorporar o Relato Integrado. Esta decisão faz sentido pois, com o Relato Integrado, os relatórios financeiros são usados como lastro para fundamentar as informações de sustentabilidade com transparência minimizando a oportunidade da prática de greenwashing. Adicionalmente, poder rastrear as informações de sustentabilidade nos informes financeiros facilita o processo de auditoria por entidade independente, garantindo maior confiabilidade à informação. No início, comecei a olhar o Relato Integrado como algo que não tinha muito a ver com minha atuação como contadora. Depois percebi que se a profissão de contador tem a missão de dar informação de qualidade para o mercado tomar decisão; sem a informação de sustentabilidade eu não estaria cumprindo minha missão. Então, reportar sustentabilidade tem tudo a ver com a atividade de contador! Em 2018, O antigo CEO do Relato Integrado, então board member da SHIFT, convidou-me para participar, em âmbito global, dessa instituição, para trazer minha experiência de banco de desenvolvimento do Brasil, considerando meu trabalho no Relato Integrado. Até então, nunca havia ouvido falar sobre a SHIFT, que foi fundada por John Ruggie, ex-secretário para direitos humanos da ONU, uma instituição sem fins lucrativos que ajuda as empresas a implementarem os direitos humanos em suas organizações. A Shift tem três vertentes – direitos humanos para negócios, direitos humanos em instituições financeiras e direitos humanos para o esporte. Embora as três vertentes sejam importantes, o lado dos esportes me fascina, embora eu seja uma pessoa altamente sedentária. A SHIFT, além de ajudar o parlamento europeu a implementar a due diligence de direitos humanos na Europa, é responsável por assessorar o Comitê Olímpico Internacional na implantação de Direitos Humanos nos jogos olímpicos. É realmente fascinante! Por quê? É um bom exemplo de porque precisamos sempre levar o elemento humano (o “S”) em consideração: Todos nós gostamos de enviar nossos atletas para uma Olimpíada e vê-los voltar para casa com o peito cheio de medalhas, de preferência de ouro. Mas mesmo que sejam de ouro, daqui a 6 meses não nos lembraremos de seus nomes. Daqui a um ano, aqueles atletas já não serão mais as estrelas da delegação brasileira porque os patrocinadores estão preocupados com a nova geração de atletas da próxima Olimpíada, querem mais jovens, para poderem ter condições de ganhar mais medalhas. Daqui a três anos, aqueles atletas nem conseguem emprego mais no ramo de esportes e o pior, talvez, daqui a cinco ou 10 anos, alguns daqueles atletas estejam em uma cadeira de rodas, porque para ganharem as medalhas – e nem lembramos mais os nomes de quem ganhou! –, provavelmente, tiveram que desrespeitar os limites de seus corpos humanos. E hoje pagam o preço do sucesso, do brilho de cinco minutos de que ninguém mais se lembra. Estão sozinhos em algum lugar que ninguém quer saber. A SHIFT estabeleceu uma norma específica; desde os treinadores, chefes de delegação, todos devem obedecer às regras, ou seja, todo atleta tem que repousar, tem que ter acompanhamento médico, alimentação adequada, critérios que, de alguma forma, irão protegê-lo no longo prazo. As empresas, muitas vezes, querem ver o resultado do próximo ano, de curto prazo, e tomam decisões que prejudicarão os resultados dos anos seguintes. Na Dimensão Social, também precisamos tomar decisões que beneficiem a condição social de hoje e garantam a continuidade desses benefícios da saúde humana no longo prazo. Nós não podemos pensar somente no hoje. E, infelizmente, como muita política social depende de boa vontade política, e os políticos têm uma vida curta no meio público, optam por coisas que encham os olhos hoje, mas não têm muita preocupação com o longo prazo, porque, provavelmente, não serão mais eles que estarão lá para colher os louros. O lado social precisa ser visto tal como o ambiental, tal como a governança, tal como o financeiro, com a visão de longo prazo. Nós queremos ter coisas importantes hoje, que não podem ser adiadas, mas não queremos soluções de cinco minutos, que dêem resultado imediato e que não terão continuidade no futuro. Como parte da Dimensão Social, a Comissão Brasileira do Relato Integrado (CBARI) e o 30% Club Brazil, do qual fazemos parte, dá voz para a necessidade de trazer, de uma forma concreta, a maior participação de mulheres, atingindo 30% de mulheres em conselhos até 2026.
RI: Quando a senhora é convidada para participar de um conselho, até chegar no short list, o que analisa na empresa? Qual é o set mínimo ESG?
Vânia Borgerth: Gostaria de contextualizar minha trajetória como conselheira. Eu tive uma história profissional privilegiada e, graças a Deus, trabalhei 28 anos em uma grande instituição, paguei meu fundo de pensão e conquistei um certo nível de conforto. Fazer parte de conselho para mim é um privilégio, porque me aposentei para cuidar do meu segundo filho, que foi diagnosticado com câncer. Precisava dar atenção à família nesse momento, senão eu nunca me aposentaria, porque amo trabalhar. Graças a Deus, estamos no período de acompanhamento de meu filho; não posso dizer que ele está curado, mas o tratamento foi um sucesso! A transparência e a ética são resultado dessa trajetória profissional sólida no BNDES, que me deu uma visão holística, porque lidava com as normas de contabilidade e de auditoria e discutia as questões de governança; fui representante do BNDES como sócio mantenedor do IBGC. Atualmente, sou diretora do IESBA, órgão internacional responsável pelas normas de ética profissional, ingrediente de um bom contador e um bom conselheiro. Ser ético implica em fazer o que é correto. É um compromisso com a verdade; mostrar a realidade e não o que interessa a determinada parte interessada. A questão ética tratada de forma muito consciente, principalmente, quando se elabora e aprova o reporte de uma empresa é fundamental e assume uma importância ainda maior quando se trata de informação ESG, que possui caráter mais qualitativo do que quantitativo. A Contabilidade é importante pois, mesmo não entendendo de Biologia, dos impactos da poluição, dos direitos humanos, precisa conversar com quem entende desses assuntos e garantir que todos estejam refletidos nos relatórios contábeis, de forma clara e transparente, com base em fatos. Ou seja, como contadora, não posso dizer que a empresa está pesquisando uma fonte alternativa de combustível, que será menos poluente, se em sua contabilidade não há registro de gastos com pesquisa e desenvolvimento, nenhum estudo, treinamento, teste ou mesmo análise de benchmarking. A contabilidade acaba sendo o lastro que demonstrará o que está sendo feito em termos sociais, de governança e, até mesmo, ambientais. Sinto-me na responsabilidade de compartilhar essa experiência que tive nos conselhos em que participo e tenho a liberdade de escolher em quais irei atuar, para fazer a diferença por um mundo mais sustentável. Voltando ao set mínimo, na minha opinião, não há cartilha mínima, porque reportar sustentabilidade não é copiar o reporte de outra empresa. A primeira coisa que precisa ser feita para reportar com qualidade não é olhar para fora, é olhar para dentro. Os gestores da empresa é quem têm que dizer qual é o set mínimo, porque ninguém a conhece melhor do que eles. O componente principal tem que ser a própria empresa, porque ela conhece suas fragilidades, fraquezas, aquilo que precisa melhorar, suas oportunidades, seu corpo funcional, seus desafios, o que ela já venceu, o que a tornou mais forte – tudo isso tem que ser levado em conta na hora de reportar. Reportar é uma oportunidade para se comunicar com o mercado, de mostrar quem ela é, que vale a pena estar associada a ela, quer participando como acionista, quer como consumidor, quer como analista, que incentive e recomenda a aquisição de suas ações. Paul Druckman, ex-CEO do Relato Integrado, costumava dizer que o relatório é a oportunidade de a empresa contar sua própria história. E se a empresa não contar sua história, o mercado tentará adivinhar e, não necessariamente, acertará quando tentar adivinhar; muitas vezes, tomará decisões que poderão prejudicar a empresa. Então, o set mínimo é uma questão de comportamento da empresa perante o seu público externo. As companhias abertas, que têm o regulatório por trás, têm a vantagem de já terem implementado sistemas que permitam o acompanhamento do seu desempenho tanto setorial como contábil, econômico-financeiro na bolsa de valores. Longe de serem um desperdício de recursos, tais sistemas permitem um melhor conhecimento do próprio negócio e, assim, tomar decisões mais robustas. A adoção de práticas mínimas obrigatórias implica em todo um trabalho de transformação interna para ter transparência, propósito, compromisso com a verdade e ética.
RI: A senhora falou muito da Dimensão Social voltada para dentro da empresa – olhar com alma para o Capital Humano da empresa. E esse olhar, externamente?
Vânia Borgerth: Hoje, os consumidores são muito mais conscientes, assumem o propósito, por exemplo, de não terem carro, para poderem contribuir com menor nível de geração de gás efeito estufa. As gerações futuras serão muito mais conscientes das questões ESG do que as nossas gerações, que são de transição, que estão vivendo esse momento em que, finalmente, sustentabilidade tem um espaço para ser ocupado nas decisões que não temos coragem de tomar, mas elas tomarão. E para tomarem essas decisões de uma forma racional e consciente, as gerações futuras precisarão de informação transparente para enxergarem a realidade. Reportar com transparência, ética, auditoria, baseada em normas globais, fundamentais para a comparabilidade. Trata-se de uma evolução do modelo “Relate ou Explique”, por meio do qual cada empresa escolhia no menu o que era melhor reportar para ficar melhor na foto. As normas globais estabelecem um norte, uma bússola que guiará todo mundo para reportar e possibilitar a comparação. E isso dará uma visão melhor da situação atual para tomar decisões no futuro que venham a contribuir mais para as dimensões ESG. Vocês têm toda razão no nome que deram a esse projeto – uma partitura que está sendo escrita, porque, por mais que hoje o mundo esteja mais aberto para as questões relacionadas à sustentabilidade, ainda estamos normatizando e, a Contabilidade, que já tem experiência, está ajudando bastante nisso. Mas não podemos ter a pretensão de que os primeiros relatórios de sustentabilidade serão perfeitos e resolverão o problema do mundo. A Contabilidade tem décadas e não é perfeita. E todo dia surge uma norma nova exatamente para poder melhorar o que não estava funcionando bem. Essa associação do financeiro com a sustentabilidade chamada Relato Integrado é um grande ganho, porque vai acelerar o aprendizado. Mas, importante: não irá resultar em relatórios perfeitos, pois teremos que aprender a usar informações mais transparentes e assumir o propósito de aprimorar sempre ao longo dessa jornada. Será um grande aprendizado, e um legado que a nossa geração deixará para o futuro!
RI: A Resolução CVM 193, que dispõe sobre a elaboração e divulgação das demonstrações financeiras relacionadas à sustentabilidade, demonstrou um avanço significativo, pois colocou o Brasil como primeiro país do mundo a adotar os padrões do ISSB. O que a senhora recomenda aos nossos leitores sobre sua aplicabilidade?
Vânia Borgerth: Vou adorar responder essa pergunta, porque é um recado que eu considero relevante! Já mencionamos que a IFRS Foundation assumiu a missão de elaborar normas globais para o reporte de informação de sustentabilidade. Para tanto, ela criou a Internacional Sustainability Standards Board (ISSB). As duas primeiras normas emitidas pelo ISS foram publicadas em junho de 2023. A IFRS S1 estabelece critérios gerais e é fortemente baseada no Relato Integrado. A IFRS S2 trata de reporte de mudanças climáticas e é fortemente baseada nas recomendações do Task-force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD). As normas de sustentabilidade emitidas pela IFRS Foundation vêm recebendo o apoio de vários órgãos globais, inclusive a International Organization of Securities Commissions (IOSCO), da qual a CVM faz parte. Adicionalmente, a CVM integra, como órgão observador, o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), que tem como missão ser o órgão de interação com os normatizadores internacionais, principalmente o ISSB, e facilitador junto aos reguladores brasileiros. Cabe ao CBPS a interlocução internacional e local (junto a governo, agentes de mercado, empresas, universidades etc.) além da tradução das normas internacionais convertendo-as em pronunciamentos e posterior submissão de tais pronunciamentos para o endosso pelos reguladores brasileiros. Assim, como parte desse processo, a Resolução 193 da CVM estabelece a obrigatoriedade de reportar, segundo as normas IFRS S1 1 e IFRS S2, a partir de 2027. Adicionalmente, esse reporte deverá ser auditado de acordo com a norma internacional de auditoria, que está sendo elaborada pelo IAASB e será publicada no final de 2024. O novo código internacional de ética também está sendo elaborado pelo IESBA, já contemplando o reporte de sustentabilidade, a independência do auditor e o uso de especialistas externos, com divulgação prevista para dezembro de 2024. Desta forma, a empresa deverá começar a se preparar para esta nova realidade de reporte, incluindo iniciar agora a conversa com seu auditor sobre os controles internos necessários e realizar os treinamentos que capacitem seus empregados para o reporte sobre a sustentabilidade. Outras inovações relevantes sobre o reporte segundo o IFRS S1 e IFRS S2 são: (i) o enfoque setorial; (ii) a divulgação simultânea com o reporte financeiro; e (iii) a abordagem da cadeia de valor. Isso tudo será um aprendizado e um grande desafio, principalmente o reporte da cadeia de valor, porque envolve também, dos pequenos aos grandes fornecedores, aprimoramento da comunicação com essas organizações para se obter alta qualidade e opinião em conformidade com as exigências da auditoria. O prazo é curto para o volume de aprendizado necessário. São mudanças muito profundas, se a empresa deixar para fazer isso somente em 2026, sendo mandatório em 2027, poderá não estar preparada e acabar por receber uma opinião negativa do auditor, ou mesmo, não compliance com o regulador, podendo gerar a exigência de uma republicação de suas informações. A empresa terá dois anos para apresentar esses relatórios de forma voluntária a partir de 2024; caso a empresa decida usar este período seria uma forma vantajosa de testar o mercado, ganhar maior visibilidade, preparar sua equipe internamente, começar a parametrizar seus sistemas, observar a recepção pelo mercado do que está reportando, se está de acordo com as exigências do regulador, se os analistas e consumidores estão satisfeitos com o nível das informações reportadas. Então, que todo mundo “arregace as mangas” e comece a pensar no IFRS S1 e IFRS S2 agora mesmo! Não deixe acumular, pois a IFRS Foundation já fez uma consulta pública mundial e está para anunciar qual será o próximo tema de sustentabilidade a ser normatizado, formando o IFRS S3, S4, S5 etc. Deixo um recado final: somos muito felizes no Brasil por ter esse desafio e temos também grandes organizações para nos ajudar, além do CBPS. Em algumas semanas, estará disponível a Consulta pública conjunta do CBPS, Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e CVM com as normas IFRS S1 e IFRS S2 já em português.
Assim, concluímos, nesta edição, as entrevistas do projeto ESG – uma partitura que está sendo escrita, iniciado com Olga Stankevicius Colpo, primeira conselheira certificada pelo IBGC entrevistada por nós para a edição 258, de fevereiro de 2022 que, inclusive, cunhou esse nome para o projeto.
Muito temos informado e aprendido ao longo dessa jornada de cerca de dois anos. Agradecendo com os nossos corações e mentes a cada conselheira aqui entrevistada, acreditamos que doravante, é nosso dever seguir organizando, ampliando e divulgando um aprendizado que, certamente, tem muito potencial para contribuir com a construção de um mundo melhor!
Nota: Assista o vídeo com à integra dessa entrevista, disponível no link: https://www.revistari.com.br/videos
Cida Hess
é CEO da Orquestra Societária Business, doutora em Engenharia de Produção, com foco em Sustentabilidade, pela UNIP/SP, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUCSP, economista e contadora, com MBA em finanças pelo IBMEC. Executiva, conselheira, palestrante, coordenadora da Comissão Temática de Finanças e Contabilidade e professora da Board Academy e do Legado e Família. Colunista da Revista RI desde 2014 e do Portal Acionista desde 2019 e conselheira editorial da RI desde 2023.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é assessora do escritório André Mansur Advogados Associados e chair do Conselho Consultivo da Orquestra Societária Business. Mestre em Administração pela PUC Minas, graduada em Engenharia Elétrica e graduanda em Direito pela mesma Universidade, é pós-graduada em Administração pela UFMG e MBA em Finanças pelo IBMEC. Tem atuado como executiva financeira, conselheira, engenheira e professora universitária, é colunista da Revista RI desde 2008 e do portal Acionista desde 2019, sendo conselheira editorial da RI desde 2023.
mbran2015@gmail.com