Investimentos

FUNDOS DE AÇÕES & A ALEGORIA DO CAMPONÊS E DO ASFALTO

Uma das imagens mais didáticas para explicar como a informação tem uma capacidade transformadora é a alegoria do camponês e do asfalto. Não conhece? Imagine um camponês que nasceu e mora em uma comunidade remota, sem acesso a serviços e sem nenhuma oportunidade de obter renda. Um dia ele resolve mudar essa situação. Reúne seus pertences e sai caminhando pela trilha. E caminha até encontrar uma estrada asfaltada.

Nesse momento, esse camponês hipotético poderá tomar duas atitudes. A primeira é iniciar um negócio, qualquer que seja, à beira da estrada para aproveitar o fluxo de motoristas. A segunda é embarcar em um ônibus (ou pedir uma carona se não houver outro jeito) até a cidade mais próxima. É impossível afirmar a priori se ele será bem-sucedido ou não. A única certeza é que ele muito dificilmente voltará para o local de onde veio. Uma vez tendo contato com uma situação melhor, seu universo mental muda e ele passará a aplicar os conhecimentos e habilidades adquiridos no processo.

Essa alegoria é um bom exemplo do que está ocorrendo com os investidores em renda variável. O ano de 2023 não foi dos melhores para a bolsa, devido principalmente à alta dos juros nos Estados Unidos. O incentivo a investir em ações diminuiu. Como consequência, o número de quotistas em fundos de ações encolheu também. Eram 7,2 milhões em dezembro de 2021, 6,6 milhões em dezembro de 2022 e 6,2 milhões no fim de 2023, uma queda de 6,0% no ano passado e de 13,9% em dois anos.

No entanto, o número investidores individuais nos diversos instrumentos de renda variável permaneceu estável. Eram cerca de 5 bilhões de CPFs no fim de 2022, e essa quantidade apresentou uma queda de apenas 1% em 2023. Dependendo do número de casas decimais, essa redução sequer aparece nos números, apesar de ser relevante (50 mil pessoas é bastante gente).

E há mais um ponto importante, sempre citando dados da B3: apesar de o número de investidores em renda variável (sentido amplo) ter permanecido estável, o número de CPFs que investe diretamente em ações no mercado à vista cresceu quase 9%, aumentando de 3,4 milhões para 3,7 milhões.

Investidores em renda variável

Podemos tirar algumas conclusões desses dados. Uma delas é que o processo de educação e inclusão financeira por meio de plataformas de distribuição de produtos de investimento está efetivamente alterando a paisagem do setor no Brasil. Atualmente já é possível dizer que os investimentos em ações chegaram às pessoas físicas. Apesar de os milhões de pessoas que investem diretamente em ações representarem apenas 1,7% da população, já é um universo relevante o bastante para merecer a atenção das companhias abertas.

Outra conclusão é que mais e mais investidores estão “chegando ao asfalto”, para ficarmos na alegoria do início desse texto. Vamos desenvolver esse tema. O que é melhor: investir em um fundo de ações ou comprar os papéis diretamente, por meio de uma corretora ou plataforma? A resposta, como frequentemente ocorre em investimentos, é “depende”. O que é mais adequado vai depender do perfil do investidor.

Quem não tem muito conhecimento sobre a renda variável, ou não tem tempo nem condições financeiras para gerenciar uma carteira de ações, provavelmente terá resultados melhores se terceirizar essa tarefa para um gestor profissional. Já os investidores mais informados e com mais conhecimento técnico podem ter resultados positivos pela gestão direta. Apesar de não terem à mão diversos recursos que estão disponíveis para os gestores profissionais – como sistemas de informação e linhas de crédito rápido para aproveitar oportunidades do mercado – o investidor por conta própria pode economizar taxas de administração de 2% em média, mais taxas de performance que podem chegar a 20% do que superar o CDI ou um índice de mercado.

Como o número de investidores em ações aumentou, mas a quantidade de quotistas em fundos de ações diminuiu, é possível afirmar que parte dessas pessoas não desistiu o mercado, apenas mudou a forma de acessá-lo. Em vez de terceirizar a atividade, passou a comprar e a vender ações diretamente. Isso é um bom sinal.

No entanto, os números da B3 trazer um fato preocupante. Vamos olhar os números com um pouco mais de atenção. Como dissemos anteriormente, o total de investidores em fundos de ações caiu de 6,6 milhões em dezembro de 2022 para 6,2 milhões em dezembro de 2023, uma baixa de cerca de 6,0%. Isso inclui todos os fundos, sem contar os Exchange Traded Funds (ETFs).

Ao dividirmos esses números por tipo de fundo, notamos que a maior queda ocorreu nos fundos de ações livres. Nesse segmento o total de quotistas caiu de 1,54 milhão para 1,29 milhão, uma queda de 248 mil quotistas ou 16,1%. Já o número de quotistas em fundos monoação (como o nome já diz, compram papéis de uma só empresa) caiu 1,5%, recuando de 338 mil em 2022 para 333 mil em 2023. Isso mostra que os investidores estão abrindo mão de “terceirizar” a gestão de seus ativos de renda variável exatamente onde essa “terceirização” tem potencial de agregar mais valor. E seguem pagando tarifas em produtos nos quais a agregação de valor do gestor é muito menor.

É intuitivo: o responsável pela gestão de um fundo livre pode descobrir, por exemplo, o potencial imenso de valorização de uma empresa promissora, montar uma posição e ganhar muito dinheiro para seus quotistas com isso. O gestor de um fundo monoação não é um profissional indolente. No entanto, seu mandato limita-se a comprar e vender um único papel, dependendo das condições do mercado e dos fluxos de recursos. E, para isso, o quotista vai pagar taxas de administração que oscilam entre 0,5% e 3,0%.

Muitos dos fundos monoação são uma criação de várias décadas. No início dos anos 2000, o governo federal tentou avançar com a privatização de estatais e, ao mesmo tempo, democratizar o mercado de ações. Uma das alternativas foi a permissão para os trabalhadores moverem parte dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para fundos de ações dedicados à Petrobras e à Vale, então Vale do Rio Doce, que havia sido privatizada em 1997. Houve um sucesso razoável dessa iniciativa, mas mesmo assim não foram criados outros fundos, nem aberta essa possibilidade mais à frente. E muito dinheiro permanece nessas carteiras até hoje, apesar de em muitos casos o trabalhador já ter direito a resgatar seus recursos.

Sem entrar no mérito se as ações da Petrobras e da Vale são ou não bons negócios, elas estão entre os papéis mais negociados da B3. Ambas participam do Ibovespa: a Petrobras duplamente, com suas ações ordinárias e preferenciais. São papéis líquidos, amplamente cobertos por analistas brasileiros e internacionais, e fáceis de serem negociados. Não faz aqui muito sentido para o investidor manter seus recursos nesses fundos. É possível ganhar mais dinheiro resgatando esses investimentos e comprando essas ações diretamente, se aproveitando do pagamento de dividendos, que vem sendo generoso nos últimos anos.

Esse comportamento pode ser justificado tanto por comodismo quanto por desconhecimento. A primeira causa é difícil de combater. Mas a segunda é possível de ser resolvida. Apesar do bom trabalho que as plataformas de distribuição de produtos financeiros e os agentes autônomos de investimento vêm fazendo para levar mais e mais investidores brasileiros ao “asfalto”, a distância a ser percorrida ainda é longa.

Fundos Monoação

O melhor exemplo são cursos universitários tradicionais e não diretamente ligados às ciências exatas, como medicina ou direito. Médicos e advogados são profissionais especializados, capazes de lidar com assuntos complexos. Muitos deles desenvolvem carreiras que são bastante recompensadoras em termos financeiros. Uma sugestão às universidades é inserir nos currículos pelo menos um curso introdutório sobre educação financeira, que apresente a mecânica dos investimentos.

Um futuro médico ou médica é o investidor dos sonhos de qualquer assessor de investimentos: tem o potencial de ganhar muito dinheiro e é jovem. É só fazer com que ele ou ela chegue ao “asfalto” e veremos suas finanças ganharem velocidade em pouco tempo. E, com isso, estimulando não apenas a prosperidade individual, mas também a do Brasil.


Einar Rivero
é CEO e sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria e especialista em dados financeiros, referência no mercado devido aos seus insights inovadores provenientes do cruzamento de dados econômicos. Com mais de 25 anos de experiência em liderança em plataformas renomadas como TradeMap e Economática, também se destaca como um dos criadores de rankings de empresas em diversas publicações, incluindo Agência Estado, Infomoney, Istoe Dinheiro, Latin Finance e Latin Trade.
einar@elosayta.com.br


Continua...