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O “PIX DOS INVESTIMENTOS” E O EMPODERAMENTO DOS INVESTIDORES

A CVM publicou recentemente a Resolução CVM 210, que estabelece normas relativas à portabilidade de investimentos em valores mobiliários. O objetivo da Autarquia com a publicação do normativo foi empoderar os investidores, por meio do estabelecimento de regras de conduta e de transparência aplicáveis a custodiantes, intermediários, depositários centrais, entidades registradoras e administradores de carteiras de valores mobiliários.

Desde a sua concepção inicial, esta norma foi batizada por participantes do Mercado de Capitais como o ‘Pix dos Investimentos’. O motivo? A Resolução CVM 210 representa uma entrega robusta do Open Capital Markets no ambiente regulado pela CVM e integra este segmento com os ambientes do Open Banking e do Open Finance, que são regulados pelo Banco Central do Brasil.

A regra da portabilidade de investimentos foi precedida de estudos na CVM, que buscaram modernizar e aperfeiçoar o processo de transferência de custódia de investimentos. Em nossa percepção, o referido processo estava eivado de trâmites demasiadamente burocráticos, que acabam por não prestigiar os direitos e interesses dos investidores.

Veja-se que, até então, quando o investidor desejava transferir a custódia de determinado investimento de uma corretora para outra, tal investidor solicitava à corretora de origem (i.e, aquela na qual possui conta) a migração dos seus investimentos para outra corretora de destino (i.e, aquela para a qual pretendia fazer a transferência). Por diversas razões, o processo revela-se lento, com transparência pouco adequada e tendente e evitar a transferência da custódia.

A CVM produziu estudo de Análise de Impacto Regulatório (AIR), a respeito de critérios de regulação para transferência de investimentos entre corretoras, que buscavam investigar a eficácia da transferência de custódia de ativos e avaliar a necessidade de alterações regulatórias sobre esse serviço de grande relevância aos investidores. O estudo de AIR direcionou para recomendações variadas, tais como:

  1. alteração da solicitação para o custodiante de destino, seguindo o observado na regulação de outras jurisdições e segmentos, bem como no resultado da pesquisa com investidores;
  2. solicitação de transferência via uma área logada do investidor/participante, permitindo que o cliente selecione dentro de sua carteira os ativos que serão objeto de transferência;
  3. disponibilização do andamento da solicitação ao investidor, com data e número de protocolo da solicitação recebida e o fluxo;
  4. redefinição de prazos para transferência de diferentes ativos; e
  5. estabelecimento da central depositária como responsável pelas informações sobre preço único e data de compra do ativo de renda fixa, o que possibilita a automatização do processo sem a troca de informações entre as corretoras.

A partir, também, dessas recomendações, dando cumprimento à Agenda Regulatória de 2023, a CVM submeteu a proposta desta nova regra à Consulta Pública em dezembro de 2023, convidando a sociedade e todos os participantes do Mercado de Capitais a participarem de tal Consulta Pública relacionada à transferência de valores mobiliários de mesma titularidade, com vistas ao aperfeiçoamento de celeridade, transparência e segurança de tais processos. A Consulta Pública da CVM recebeu inúmeros comentários e considerações, que foram refletidos na versão final da norma.

Sendo assim, agora, a CVM completa o ciclo normativo com a entrega da versão definitiva desta regra, que constava da Agenda Regulatória de 2024. Prestigiamos a simplificação e a fluidez na portabilidade de investimentos em valores mobiliários, pois entendemos que estes são elementos-chave para destravar o potencial construtivo da concorrência na prestação de serviços ao investidor. A portabilidade beneficia o investidor, que percebe a capacidade de gerar mais valor ao se empoderar do atributo da negociação e, com isso, promover, em meio às opções e às escolhas que entender cabíveis, a transferência de custódia de seus investimentos.

A portabilidade promove, ainda, desenvolvimento no Mercado de Capitas e fomenta um saudável ambiente de competição pela simplificação e desburocratização das regras de transferência de custódia. A eliminação de barreiras premia os intermediários que realizam o melhor atendimento aos investidores e, desde modo, também premiam a inovação, a eficiência e a qualidade dos serviços.

A Resolução CVM 210, complementada pela Resolução CVM 209, tem como destaques:

  • o foco na interface digital para a solicitação de portabilidade, que dispensa o preenchimento de formulários físicos ou o reconhecimento de assinaturas em cartório;
  • a possibilidade de o investidor escolher o ponto de solicitação da portabilidade: na origem, no destino ou junto ao depositário central;
  • a transparência nos prazos estimados para conclusão da portabilidade;
  • a possibilidade de o investidor acompanhar o andamento do processo em tempo real;
  • o escalonamento de prazos para efetivação da portabilidade, em função da complexidade operacional de cada grupo de valores mobiliários;
  • a disponibilização de dados quantitativos sobre a portabilidade à CVM e às entidades autorreguladoras, permitindo a identificação de instituições que apresentem atrasos reiterados na efetivação da portabilidade ou número elevado de recusas às solicitações de portabilidade;
  • a caracterização como infração grave nos casos de descumprimento sistemático de prazos para efetivação da portabilidade, ou de represamento injustificado do processamento da portabilidade.

Os avanços introduzidos pela Resolução CVM 210 conectam o Open Capital Markets da CVM ao Open Finance do Banco Central, de tal modo que as instituições participantes podem realizar consultas automatizadas entre si sobre dados cadastrais dos investidores e sobre suas posições em investimentos de valores mobiliários, mediante autorização prévia de cada investidor. Além disso, as interfaces de programação de aplicações (API) padronizadas do Open Finance facilitarão a superação de impedimentos à efetivação da portabilidade e criarão oportunidades de prospecção de clientes, fomentando a concorrência na prestação de serviços no Mercado de Capitais.

Direciono-me para a conclusão desse texto lembrando que as Resoluções CVM 209 e 210 entram em vigor em 1º de julho de 2025. A fixação do prazo levou em conta a necessidade de as instituições adaptarem interfaces, sistemas e procedimentos internos às novas regras, sem que precisem pleitear prorrogações junto à CVM futuramente. De todo modo, é importante reforçar às instituições que promovam, desde já, as adaptações necessárias, tanto para o cumprimento das Resoluções quanto para o aproveitamento das oportunidades que serão geradas no âmbito da portabilidade.

Estamos entusiasmados com mais esta entrega regulatória em benefício do Brasil. Temos a convicção de que as Finanças Digitais podem impulsionar ainda mais o Mercado de Capitais e auxiliar na importante tarefa de empoderar os investidores.


João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br


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