Criação de Valor | Diversidade | Educação Financeira | Em Pauta |
Espaço Apimec Brasil | IBGC Comunica | IBRI Notícias | Livro |
Opinião | Orquestra Societária | Ponto de Vista | Relacionamento |
Voz do Mercado |
Estamos na quarta edição seguida desta Revista RI, mantendo-nos firmes no compromisso de não ficarmos inertes frente aos impactos e desdobramentos das enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul em 2024.
O que nos mantém firmes? As notícias e repercussões há tempos deixaram as manchetes dos meios de comunicação. Vejamos: Em uma rápida pesquisa, sem nenhuma sofisticação, apenas perguntando ao Google sobre a Tragédia no RS, foram encontradas as seguintes respostas, com filtro por período:
As vítimas ainda precisam de assistência e o Rio Grande do Sul está longe de se recuperar. Sendo assim, não podemos ficar inertes!
Dito isso, lembramos os leitores de que nas edições 282 a 284, abordamos, respectivamente: 1) o contexto constitucional e legal, alcançando a Administração Pública; 2) a importância da gestão estratégica de riscos, reforçando os de mudanças climáticas, por meio da entrevista com o especialista Sérgio Akira Sato; e, 3) a importância dos voluntários para os resgates, da manutenção da assistência social necessária e de jamais se perder de vista os riscos pós-tragédia, na visão de quem vivenciou o ocorrido de diferentes formas, as entrevistadas gaúchas Cátia Chagas, Cíntia Martins Figueiredo, Luciane Superti Fogazzi e Márcia Sobotyk.
Nesta edição 285 da Revista RI, a seção Orquestra Societária, ainda em caráter extraordinário e humanitário, entrevista Flávia Soares e Paula de Freitas Candido, que compartilham, a primeira, vivências e trabalhos com tragédias e estruturação de soluções pós-tragédias e como evitá-las, com efetivas ações e planejamento em prevenções, e a segunda, análises da situação, focando em governança, e fazendo um paralelo com o que ocorreu em Nova Orleans e arredores nos Estados Unidos, em 2005. Ambas contribuem com lições aprendidas e analisadas em profundidade.
ENTREVISTA
Iniciemos nossa entrevista com Flávia Soares, aluna destaque no Programa de Formação de Certificação de Conselheiros – PFCC da Board Academy, com a qual tivemos a oportunidade de conversar sobre ações efetivas em caso de desastres ambientais.
Flávia Soares é gerente de Fomento Econômico na Reparação de Brumadinho, Vale S.A., responsável pelos projetos de retomada produtiva do município. Pós-graduada em Elaboração, Gestão e Avaliação de Projetos Sociais em Área Urbana e em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG. Atua há 24 anos nas áreas ambiental, social e de governança, nos setores de energia, mineração e logística, desenvolvendo projetos dialogados com as comunidades locais, sempre respeitando suas particularidades, criando normativos e apoiando na estruturação de Key Performance Indexes (KPIs) de sustentabilidade.
RI: Em situações de desastres, com grande impacto social, como ocorreu no Rio Grande do Sul, o que é preciso fazer de imediato?
Flávia Soares: Nos primeiros momentos de um desastre, a primeira coisa a se fazer é tomar medidas emergenciais que garantam a segurança das pessoas, sobretudo as vulneráveis, evitando o aumento do número de vítimas. As ações de resgate, evacuação de áreas de risco e direcionamento das pessoas afetadas para um local seguro é algo que precisa ocorrer de forma rápida, profissional e coordenada pelos órgãos competentes. O engajamento da sociedade civil nessas frentes sempre ocorre, mas é fundamental que especialistas estejam à frente das operações para evitar que a falta de conhecimento e de experiência acabe por transformar voluntários em vítimas. Nesse sentido, a sala de crise precisa ser estruturada imediatamente com vistas a comandar as operações. No comando da sala de crises é fundamental que esteja uma pessoa bem-preparada e experiente, capaz de coordenar as diversas frentes. Uma sala de crise bem montada e bem coordenada diminui o risco de desencontros de informações, desperdício de recursos e dispersão de energia pela descoordenação. Outra questão importantíssima é a comunicação durante a crise. Em tempos de fake news ter controle do fluxo das informações oficiais é crucial para evitar maiores transtornos à população e riscos adicionais. É muito importante que os canais de comunicação oficiais sejam amplamente divulgados e efetivamente utilizados pelos órgãos responsáveis para informar adequadamente a população. A ausência de informação dá espaço para a contrainformação e aumenta a ansiedade e a insegurança da população. Todos esperam que as autoridades competentes e responsáveis por gerir a crise estejam preparadas e cumprindo devidamente seu papel, entretanto, sabemos que, na realidade, as instituições brasileiras, sejam públicas e/ou privadas, não se preparam adequadamente para o enfrentamento de grandes desastres e que atuam quase sempre de forma reativa, improvisada, aprendendo ao longo do processo, no famoso modo de “tentativa e erro”. Nesse contexto, o que mais se vê é uma comunicação vacilante e ineficaz no sentido de conter e gerir a crise e tranquilizar a população. Ao mesmo tempo em que as primeiras ações de resgate estão sendo tomadas, é fundamental tomar medidas para garantir condições de abrigamento dignas, acesso à água potável, alimentação, vestuário, medicamentos e/ou cuidados médicos necessários. Para tanto, as ações de voluntários e as doações têm um papel crucial, não obstante, precisam ser bem coordenadas e geridas para não gerar maiores transtornos futuros. Um exemplo clássico é a doação de roupas sem condições de uso, alimentos vencidos e outros itens que não são necessários. Essas doações se avolumam e acabam se tornando um problema para o poder público destinar e às vezes acabam indo para o aterro sanitário, causando um impacto no sistema de destinação de resíduos, muitas vezes já saturado e impactado. A garantia da proteção dos direitos humanos deve ser uma preocupação o tempo todo durante uma crise. A proteção das crianças, mulheres e idosos deve ser priorizada nos sistemas de abrigamento, evitando abusos sexuais, violência de gênero e exposição a novos riscos. Outra questão crítica é o cadastramento dos afetados para atendimento social, recebimento de auxílios emergenciais e posterior reparação de danos, quando for o caso. Ter um processo assertivo para esse cadastramento é fundamental para garantir que os recursos cheguem da forma adequada a quem é de direito. Esse é um grande desafio e é muito comum a ocorrência de fraudes. O caos gera oportunidades para que oportunistas se misturem entre as vítimas para tirar vantagens da situação. Mais uma vez, confirma-se a necessidade de uma sala de crise bem montada com a presença de todas as instituições envolvidas na operação de tratamento das emergências. As instituições públicas da área da saúde, educação e assistência social precisam ser envolvidas e amparadas para as respostas emergenciais e as informações e o conhecimento que essas organizações possuem sobre a população são fundamentais para uma resposta mais assertiva. Envolver lideranças setoriais e comunitárias na resposta à emergência é uma forma de utilizar a capilaridade e o conhecimento das realidades que essas pessoas possuem, além do seu poder mobilizador. Nesse momento, conhecimento, dados e inteligência precisam ser disponibilizados e utilizados a favor da operação. Quanto maior o conhecimento das localidades afetadas, da infraestrutura danificada, das perdas materiais e imateriais, maior a capacidade de resposta mais eficiente, priorizando o que realmente importa para conter os danos, acolher a população e pensar em estratégias de reconstrução, retomada da “normalidade” e avanços para o futuro.
RI: Como preparar a população e todos os envolvidos para situações como a ocorrida no Rio Grande do Sul, em 2024?
Flávia Soares: Vivemos em uma sociedade de riscos e o que observamos com frequência é a predominância de um “pensamento mágico”, de que os riscos nunca se materializarão. Temos uma profusão de matrizes de materialidade preenchidas e ignoradas. Para preparar a população, os órgãos públicos, a sociedade civil e a iniciativa privada para uma situação de desastre é preciso, primeiramente, parar de negar os riscos. E sim, mapeá-los, informar a população, implantar ações preventivas, treinar a população e os órgãos públicos para que tenham a reação correta em caso da materialização dos riscos. Sistemas de alerta, sinalização adequada para as áreas de riscos, sinalização de rotas de fugas e pontos de encontro seguros, treinamentos e simulados de emergência são mecanismos normatizados e implementados em diversos países do mundo e são inegavelmente eficazes na redução de danos e, principalmente, na redução dos danos à vida humana. A mobilização comunitária em torno da temática do risco também é uma medida que se mostra muito eficaz na resposta aos desastres. Os Núcleos de Defesa Civil - NUDECs são formados por cidadãos das comunidades e fazem parte da política nacional de Defesa Civil. As cidades que investem em sua implantação observam resultados muito relevantes na redução de vítimas em desastres ambientais. Em 2003 eu tive a oportunidade de trabalhar na criação de 15 NUDECs em Belo Horizonte e os resultados foram impressionantes. Apesar do grande volume de chuvas e o número expressivo de pessoas vivendo em áreas de risco na cidade, no ano seguinte não foi registrada nenhuma vítima fatal decorrente dos deslizamentos e das inundações, que não deixaram de ocorrer. O envolvimento da comunidade na sua autoproteção é um direito, ela precisa ser devidamente informada sobre os riscos, as medidas de proteção possíveis e quais as reações corretas para sua proteção. Esse é um processo educativo, que precisa ser levado a sério por todos os envolvidos. Negar o risco não vai fazer com que ele deixe de existir, ignorar o que fazer em uma situação catastrófica é se colocar em uma situação ainda mais vulnerável e negar à população o direito a esse conhecimento é negar o direito à cidadania.
RI: Qual é a relevância da matriz de materialidade para todas as organizações, sejam elas públicas ou privadas?
Flávia Soares: A matriz de materialidade é uma ferramenta fundamental no processo de mapeamento e gestão de riscos sociais, ambientais e de governança, entretanto, ela precisa ser de fato levada a sério. Ela precisa ser preenchida com responsabilidade, diligência e rigor técnico. Ela não pode ser mais um instrumento burocrático de gestão sem efetividade. O que se vê é uma profusão de matrizes, muitas vezes fragmentadas, sem uma visão sistêmica de todos os riscos e que acabam por cair num lugar comum. A gestão de riscos é frequentemente negligenciada em detrimento de outras prioridades orçamentárias, políticas e institucionais. A gestão de um estado ou de uma cidade é algo complexo, que exige orquestrar uma série de interesses, muitas vezes divergentes e não conciliáveis. A opção por atender o poder econômico, negligenciando os riscos de intervenções cada vez mais intensas da natureza, é o padrão dominante em nossa sociedade. Diante disso, é clara a insuficiência dos “milhares” de matrizes de materialidade que empresas e governos elaboram cotidianamente. Sem uma real mudança na cultura de avaliação e gestão de riscos, que invista de fato em ações preventivas e mitigatórias efetivas, infelizmente continuaremos a viver desastres como esses que, a cada ocorrência, esgarçam ainda mais o nosso frágil tecido social.
RI: É possível planejar para minimizar o sofrimento causado por esses desastres?
Flávia Soares: Desastres como esse sempre trarão sofrimentos, processos de desterritorialização e muitos danos mensuráveis e imensuráveis. Isso não significa de forma alguma ser passivo e esperar que eles ocorram. Quanto mais a sociedade se preparar e se planejar para lidar com eles, maiores serão as chances de reduzir seus danos, especialmente à vida humana. Ter um plano de ação de emergências eficiente, baseado em inteligência de dados, atualizado conforme a dinâmica de transformação do território, com o mapeamento correto das áreas de risco, os equipamentos e os recursos necessários para a resposta e, também, com papéis e responsabilidades é básico para uma resposta mais assertiva nesses casos. Quanto mais assertiva a resposta, maior a chance de minimizar o sofrimento e evitar danos secundários. A perspectiva de desastres climáticos cada vez mais constantes torna esse tema ainda mais urgente. Nós, enquanto uma sociedade de risco, não podemos mais postergar essa decisão de fazer a coisa correta.
RI: Lições aprendidas são fundamentais. O compartilhamento de experiências e soluções dão celeridade. O que poderia nos relatar sobre o que tem feito de concreto em sua atuação profissional?
Flávia Soares: Viver uma situação catastrófica é algo realmente avassalador e que nos deixa muitas marcas pessoais e profissionais definitivas. A minha experiência não foi diferente. Ter que dar respostas efetivas, sob pressão, em um ambiente hostil e caótico, trabalhando exaustivamente, me ensinou muito sobre como é importante os profissionais que estão na linha de frente serem amparados e cuidados. Hoje, após 5 anos trabalhando em um processo de reparação, tenho convicção de que as lições aprendidas devem ser registradas e compartilhadas. Culturalmente nós temos muita dificuldade de aprender com nossos erros, supervalorizamos os acertos e isso nos faz perder tempo repetindo padrões ultrapassados de comportamentos que já se mostraram ineficientes. Temos recebido em Brumadinho muitas instituições públicas e privadas, universidades, ONGs, representantes de comunidades e investidores para conhecerem nossas ações de reparações e essa troca tem sido muito rica. No início de setembro deste ano recebemos uma comitiva das Secretarias da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) e do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) do Rio Grande do Sul para uma Visita Técnica - Projetos VALE S.A, composta pelo secretário da Agricultura, Clair Kuhn, pelo diretor do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária, Caio Efrom, pelo pesquisador e coordenador do Plano ABC+RS, Jackson Brilhante, pela assessora técnica Isa Osterkamp, pela coordenadora da Assessoria de Educação para a Sustentabilidade, Mariela Secchi, e pela analista ambiental da Divisão de Flora, Natália de Lazari. Foram vários dias percorrendo o campo, conversando com atingidos, grupos produtivos e equipe técnica. Foram dias muito intensos e valiosos (referências 1 e 2). Os aprendizados são imensos e variados, mas o mais importante deles, na minha opinião, é o diálogo constante e transparente estabelecido e mantido com todas as partes interessadas e a valorização das potencialidades endógenas de cada território. A participação direta, coordenada e com metodologia social adequada tem ajudado a reparar os danos, reconstruir as bases sociais e econômicas e projetar o futuro. Sabemos que ainda há muito o que fazer e não podemos, enquanto sociedade, deixar de aprender com tudo isso.
2. https://www.diariooficial.rs.gov.br/materia?id=1139670xx
Iniciemos a entrevista com Paula de Freitas Candido, que tivemos a satisfação de conhecer e conversar sobre o paralelo entre os desastres ocorridos no Rio Grande do Sul, em 2024, e em Nova Orleans, em 2005, há cerca de 19 anos.
Paula Candido é especialista em Governança Corporativa, com mais de 20 anos de experiência no suporte a Conselhos de Administração e Diretoria Executiva de grandes organizações. Formada em Relações Internacionais pela Universidade Candido Mendes, com Pós-Graduação em Corporate Governance pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Participou da estruturação de sistemas de governança em empresas de destaque, contribuindo para a criação do sistema de Governança Corporativa, com foco na implementação de boas práticas, promovendo a longevidade e a sustentabilidade organizacional. Atualmente, coordena o Escritório de Governança Corporativa da Prodesp, empresa pública de tecnologia do Estado de São Paulo. Cofundadora da Governance Tree, consultoria dedicada ao desenvolvimento de sistemas de governança personalizados, para o cumprimento de objetivos estratégicos e a promoção da sustentabilidade corporativa.
RI: Considerando as melhores práticas em governança, o que deve ser reforçado no caso do Rio Grande do Sul ou, de forma mais abrangente, em situações de desastres?
Paula Candido: No caso da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul ou mesmo em qualquer outra situação de desastre, é fundamental o reforço genuíno de uma governança que busque integrar os princípios ESG (ambiental, social e governança), visando uma Governança Climática robusta. É necessário que os estados estejam preparados ao acontecimento das tragédias, construindo infraestruturas adequadas, realizando planejamento preventivo e, sobretudo, com resiliência. A parceria entre governos e empresas (PPP – Parceria Público e Privado) precisa ser direcionada à criação de políticas que protejam as populações mais vulneráveis, de forma que elas façam parte dos planos de risco, mitigação e adaptação. Este planejamento deve estar alinhado à Agenda 2030 da ONU, principalmente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis (ODS 11), do qual destaco e resumo algumas metas até 2030, aplicáveis a esta entrevista: 1) Garantir o acesso a habitações seguras, adequadas...; 2) Aumentar a urbanização inclusiva e sustentável; e 3) Reduzir o número de mortes e o número de pessoas afetadas por catástrofes. Estas medidas não só mitigam os danos durante eventuais desastres, como também auxiliam a sociedade a se recuperar de forma eficiente, equitativa e com celeridade.
RI: O que ocorreu em Nova Orleans também foi devastador. Qual paralelo pode ser feito entre as duas calamidades?
Paula Candido: O furacão Katrina em Nova Orleans (2005) e as enchentes no Rio Grande do Sul (2024) guardam evidentes semelhanças. Ambas as tragédias expuseram as falhas na governança climática, a infraestrutura inadequada e insuficiente e a notável falta de políticas preventivas. No caso de Nova Orleans, as falhas nos diques, que cederam ao volume e força das águas, deixaram as comunidades totalmente expostas aos impactos da furação e as respostas governamentais foram lentas e tardias. No Rio Grande do Sul, a falta de uma infraestrutura resiliente para lidar com as enchentes provocadas pelas chuvas intensas e a resposta governamental também lenta resultaram em consequências devastadoras semelhantes. Em ambos os eventos ficou claro que as populações mais vulneráveis foram as mais impactadas, o que reforça a necessidade de estratégias de inclusão social nos planos de recuperação, com uma governança pública que leve em consideração a necessidade de todos, o que chamamos de Governança de Stakeholders, o que significa considerar todos os grupos impactados, não apenas determinados setores. Novamente reforço, uma governança climática mais robusta e planejamento preventivo de infraestrutura preparada para enfrentar desafios climáticos, que serão cada vez mais comuns é premente.
RI: Qual é a sua recomendação para a estruturação de políticas públicas que garantam o atendimento a todos os afetados?
Paula Candido: Acredito que o foco seja a criação de políticas públicas que abranjam a prevenção de eventos climáticos, não apenas a reação aos desastres. Isso percorre a construção de infraestruturas resilientes e a criação de políticas públicas inclusivas, bem como a adoção de medidas que considerem as necessidades de toda população, considerando suas particularidades, principalmente das comunidades mais vulneráveis. Tais políticas devem estar alinhadas a padrões globais, como as valiosas diretrizes da Agenda 2030 da ONU, visando a sustentabilidade e a resiliência a longo prazo. É urgente, nos cenários de tragédias recorrentes, que os governos integrem a adaptação e a mitigação dos impactos climáticos em suas políticas, a fim de que possamos estar melhor preparados para enfrentar futuros desastres. O G20 – fórum de cooperação econômica internacional que reúne as maiores economias do mundo, e a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, têm defendido práticas que promovam infraestrutura verde e políticas de longo prazo para enfrentar as crises climáticas. A Governança de Stakeholders, defendida por ambos, destaca a necessidade de priorizar a inclusão social e a equidade nos planos de mitigação e recuperação. A inclusão dessas comunidades nos processos de decisão não é apenas um ato de responsabilidade social, mas também um pilar para uma governança eficaz e sustentável. A Agenda 2030 da ONU, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 1 (Erradicação da Pobreza) e 10 (Redução das Desigualdades), também reforça a importância de políticas públicas que protejam as populações mais vulneráveis contra os impactos de desastres naturais. Recomendo, ainda, o investimento robusto em educação, divulgação e comunicação clara e acessível a toda população, a fim de ampliar a consciência sobre como agir em situações emergenciais, o que somente se torna efetivo a partir de um planejamento cuidadoso, multidisciplinar e participativo.
RI: Como comentamos na introdução desta coluna Orquestra Societária, as notícias sobre a calamidade ocorrida no Rio Grande do Sul desapareceram da mídia, dos meios de comunicação (redução: 98%). Os problemas estão longe de serem resolvidos. Qual é a sua opinião sobre isso?
Paula Candido: Infelizmente isso é muito recorrente em tragédias dessa magnitude. O ciclo de notícias geralmente é curto, outros assuntos midiáticos tomam seu lugar, e a sociedade logo desvia seu foco, mesmo quando os impactos resultantes dos desastres se mostrem longe de terem uma solução. Fato é que as consequências dessas tragédias são profundas e de longo prazo. Mesmo depois que a mídia deixa de cobrir os eventos resultantes, os desafios para as comunidades afetadas persistem, seja na recuperação de suas residências, seja na retomada das atividades econômicas ou mesmo ao acesso a recursos para sobreviver ou recuperar o básico de cidadania, como seus documentos. Minha avaliação é que a governança pública precisa manter o foco e atenção na recuperação dessas regiões, com políticas sustentáveis, de longo prazo e no suporte contínuo, para garantir que as pessoas afetadas não fiquem esquecidas após o fim da cobertura midiática, prolongando os danos e sofrimentos.
RI: Quais lições aprendidas com o furacão Katrina podem ser aplicadas ao Rio Grande do Sul?
Paula Candido: Podemos notar que tanto a tragédia com o furacão Katrina, como com as enchentes do Rio Grande do Sul expuseram as limitações do poder público às respostas emergenciais necessárias. Nos dois casos, a falta de políticas preventivas, de planejamento a longo prazo e uma eficiente gestão de riscos resultaram em respostas tardias, com impactos severos. Como em Nova Orleans, que a reconstrução levou anos (e continua) e, em muitos casos, foi marcada pela desigualdade social, no Rio Grande do Sul, o setor agrícola foi duramente afetado, com plantações destruídas e a logística de distribuição comprometida. As lições de Nova Orleans mostram que a falta de planejamento para a reconstrução pode agravar ainda mais as disparidades sociais. A recuperação deve ir além da reconstrução física e incluir a construção de uma economia resiliente e sustentável, que leve em conta os impactos das mudanças climáticas. Sabemos que a recuperação será lenta e onerosa., então, será necessário planejamento estratégico, fontes de financiamento subsidiadas, acompanhamento e controle da execução orçamentária e celeridade às soluções. A Governança de Stakeholders e os princípios ESG são essenciais para assegurar que a recuperação econômica seja inclusiva e sustentável, alinhada à Agenda 2030, da qual destaco outro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, o número 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura (ODS 9), que preconiza o investimento em infraestrutura resiliente e sustentável. Como em Nova Orleans, no Rio Grande do Sul as enchentes agravaram uma situação já frágil, com cidades urbanas e zonas rurais mal preparadas para lidar com desastres naturais. Em ambos, a dimensão social reflete um problema central: as populações mais afetadas são as menos preparadas para enfrentar esses eventos. A Governança de Stakeholders exige que essas populações sejam parte integrante do planejamento de mitigação e adaptação climática, algo que foi negligenciado em ambos os casos. Comunidades rurais e de baixa renda, que já enfrentavam desafios sociais e econômicos, foram as mais prejudicadas e continuam a ser as que mais sofrem com a lenta recuperação. As tragédias no Rio Grande do Sul e em Nova Orleans reforçaram a urgência de empresas e governos enfrentarem os reais desafios trazidos pelas mudanças climáticas e construírem uma ponte sólida para um futuro mais resiliente, equitativo e sustentável. A integração da Governança Climática nas estratégias governamentais com PPPs será a peça-chave para enfrentar os desafios impostos pelos eventos que continuarão a acontecer, conforme previsão dos meteorologistas, muito mais extremos.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Agradecemos as excelentes entrevistas concedidas por Flávia Soares e Paula de Freitas Candido, que nos brindaram com lições aprendidas nacionais e internacionais, planejamento e políticas, melhores práticas e soluções implementadas.
Nesta intensa jornada, com o propósito de entender as causas e os desdobramentos da catástrofe do Rio Grande do Sul, temos compartilhado conhecimentos e práticas com grande potencial de prevenção e ajuda em situações de riscos climáticos. Todavia, nada poderíamos fazer sozinhas e, portanto, agradecemos a dedicação das pessoas com visão humanitária e grande conhecimento profissional que participaram de três edições da Revista RI: 283 a 285.
Em tempo, durante o replanejamento dos artigos e entrevistas da Orquestra Societária, que foi redirecionado ao Rio Grande do Sul, temos conversado muito sobre os casos de escândalos e desastres que lideraram as manchetes dos jornais e as mídias como um todo e que, sem aviso prévio, desapareceram! Quais foram as soluções para estes escândalos, caros leitores? Não é pertinente indagar?
Por fim, nossa próxima edição permanecerá fiel à catástrofe do Rio Grande do Sul, trazendo mais informações, boas práticas e insights para mitigar as consequências dos impactos causados pelas chuvas.
Quanto ao fechamento do projeto ESG: Uma partitura que está sendo escrita, com os resultados e conclusões das entrevistas com 13 conselheiras, publicadas nesta Revista RI, está previsto, em nosso planejamento, para a edição 287.
Cida Hess
é Assessora da Presidência da Prodesp para Negócios Estratégicos. Sócia fundadora da Orquestra Societária Business. Palestrante e mentora. Doutora em Engenharia de Produção, com foco em Sustentabilidade, pela UNIP/SP, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUCSP, economista e contadora, com MBA em finanças pelo IBMEC. Conselheira fiscal e coordenadora do Comitê Econômico e Auditoria (CEA) da FNQ. Coordenadora da Comissão Temática de Finanças e Contabilidade, professora de Finanças para Conselhos da Board Academy e do Legado e Família. Head do Comitê de Inovação e Tecnologia do 30% Club Brazil e Embaixadora da Board Academy. Colunista da Revista RI desde 2014 e do Portal Acionista desde 2019 e conselheira editorial da RI desde 2023. Coautora dos livros Inovação na Gestão Pública (Ed. Saint Paul, 2012) e Orquestra Societária – a Origem (Editora Sucesso, 2018).
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é Assessora da André Mansur Advogados Associados e tem atuado como executiva financeira, conselheira administrativa, fiscal e consultiva (presentemente, da Orquestra Societária Business), engenheira e professora universitária. Certificada como CNPI-P pela APIMEC Nacional, é mestre em Administração, graduada em Engenharia Elétrica e graduanda em Direito pela PUC Minas. Tem pós-graduação e especialização na UFMG e no IBMEC, respectivamente, e treinamentos nacionais e internacionais, especialmente em Finanças Corporativas, Gestão da Estratégia e Governança Corporativa. É colunista da Revista RI, desde 2008, e do portal Acionista, desde 2019, integrando o Conselho Editorial da RI, desde 2023. Coautora dos livros Visões da Governança Corporativa (Editora Saraiva, 2010) e Orquestra Societária – a Origem (Editora Sucesso, 2018).
mbran2015@gmail.com