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É fundamental destacar que os analistas de investimentos constituem um dos grupos de usuários mais relevantes dos relatórios corporativos. Esses profissionais convertem as informações alfanuméricas divulgadas pelas empresas em (i) precificação de ações, (ii) definição de taxas de juros para concessão de empréstimos e financiamentos, e (iii) recomendações sobre compra, venda ou manutenção de investimentos financeiros.
Nesse contexto, é importante revisar alguns atributos centrais da valoração corporativa para entender como as informações sobre sustentabilidade, divulgadas em conformidade com as IFRS S1 e S2, podem auxiliar nessa complexa atividade.
Primeiramente, vale ressaltar que a estrutura das IFRS S1 e S2 se baseia no binômio risco-oportunidade, abordando tanto a informação sobre sustentabilidade de maneira geral (S1) quanto as questões específicas relacionadas às mudanças climáticas (S2). A essência dessas normas está na disponibilização de elementos que permitam aos leitores dos relatórios empresariais avaliarem como esses contextos podem impactar a capacidade de geração de valor ao longo do tempo – ou seja, como as divulgações sobre sustentabilidade podem influenciar o fluxo de caixa no curto, médio e longo prazo.
Assim, é relevante lembrar que a análise financeira baseada no modelo fundamentalista geralmente se apoia na elaboração de um fluxo de caixa descontado que incorpora os riscos e oportunidades inerentes à tese de negócios de uma empresa. Nesse processo, três variáveis centrais podem ser ajustadas para incluir a informação sobre sustentabilidade: (a) taxa de crescimento; (b) prazo de projeção; e (c) taxa de desconto.
No que tange à taxa de crescimento, ou decrescimento dependendo do contexto, as informações de sustentabilidade relativas ao S2 podem ser usadas para avaliar como os efeitos das mudanças climáticas podem impactar a relação de oferta e demanda, afetando diretamente as receitas de vendas e(ou) prestações de serviços.
Por exemplo, suponha que um analista esteja avaliando como a transição energética pode influenciar as receitas de uma empresa do setor de óleo e gás. Nesse caso, informações sobre investimentos da empresa em capital expenditure (“Capex”) e em pesquisa e desenvolvimento (“R&D”) para a criação de combustíveis com menor impacto ambiental são cruciais para ajustar as projeções de receitas, considerando o crescimento potencial advindo de um novo portfólio de produtos.
De forma similar, restrições regulatórias que limitem a continuidade de determinados produtos ou serviços considerados inadequados por políticas públicas para mitigar as mudanças climáticas também devem ser consideradas. Imagine que a operação de termoelétricas à base de carvão mineral seja vista como excessivamente prejudicial ao meio ambiente e que essa atividade enfrente restrições comerciais e dificuldades de acesso a crédito. Um analista poderia, então, incorporar uma redução nas projeções de receitas e um aumento nas despesas financeiras.
Outro aspecto essencial na modelagem financeira baseada no fluxo de caixa descontado é a periodicidade com que se espera que esses eventos afetem as disponibilidades da empresa avaliada. À medida que o analista incorpora esses fatores na projeção, ele se afasta da álgebra determinística e adentra o campo das probabilidades, utilizando cenários e atribuindo pesos estatísticos a cada um deles. Esse procedimento é comum na formulação de um fluxo de caixa descontado.
Portanto, é crucial que o analista tenha clareza sobre o que considera curto, médio e longo prazo. As informações divulgadas de acordo com as IFRS S1 e S2 podem auxiliar nessa definição, exigindo que as empresas divulguem dados sobre sustentabilidade que permitam compreender se e quando esses efeitos impactarão o fluxo de caixa.
Para ilustrar, suponha que uma empresa divulgue que um projeto de lei criando um mercado de créditos de carbono no Brasil foi aprovado e entrará em vigor no próximo ano. Nesse caso, espera-se que a empresa indique como a implementação desse ato legislativo afetará seu orçamento, especialmente se as disposições da nova lei impactarão imediatamente os custos e despesas devido à necessidade de adquirir créditos de carbono.
Outra situação, voltada para o médio e longo prazo, poderia ser ilustrada por divulgações indicando que uma organização está reformulando suas plantas industriais para se alinhar a uma economia de baixa emissão. Nesse caso, baixas de investimentos e aumento da capitalização visariam garantir que os produtos oferecidos nos próximos cinco a dez anos atendam às preferências dos clientes.
Por fim, a determinação da taxa de desconto é um dos pilares fundamentais do modelo de fluxo de caixa descontado. Compreender como os riscos e oportunidades de sustentabilidade podem influenciar essa taxa é crucial para incorporar as informações das IFRS S1 e S2 nas análises dos analistas.
Usualmente, a taxa de desconto utilizada nos modelos de valoração empresarial decorre do custo médio ponderado de capital (“WACC”). A grande vantagem do WACC é que sua obtenção não é complexa e, no caso de companhias listadas e com liquidez, o custo do capital próprio pode ser calculado por meio do beta, que mede a covariância entre os retornos das ações da empresa e os de uma carteira de mercado hipotética.
No entanto, a premissa teórica subjacente ao cálculo do custo do capital próprio é que os preços das ações refletem de maneira eficiente as informações disponíveis sobre uma empresa. Ou seja: (i) os agentes econômicos são racionais; (ii) as informações divulgadas são robustas; e (iii) os agentes incorporam essas informações aos preços dos ativos de forma eficiente. No campo da informação sobre sustentabilidade, porém, são necessários ajustes ou complementos a essa lógica.
Vale destacar que existe uma retroalimentação entre a determinação do preço de uma ação via WACC e a utilização dos próprios retornos acionários como fonte para o cálculo do WACC. Essa retroalimentação torna-se ainda mais relevante quando consideramos informações sobre sustentabilidade que podem alterar significativamente o risco de um empreendimento, mas que ainda não foram refletidas nos preços das ações.
Considere, por exemplo, uma empresa que enfrenta dificuldades para obter autorizações para explorar recursos naturais em uma determinada área. Se esse contexto não estiver divulgado de forma consistente, auditável e fidedigna, o risco de frustração de receitas devido a uma eventual negativa para essa exploração pode não estar sendo adequadamente incorporado na taxa de desconto.
Em resumo, podemos listar alguns pontos que respondem à questão que motiva este breve artigo: o que os analistas de investimentos precisam saber sobre as IFRS S1 e S2? A resposta é: (a) esses normativos buscam apresentar informações robustas sobre a sustentabilidade empresarial, que possam ser auditadas e sejam fidedignas; (b) as informações sobre sustentabilidade ampliam o conjunto informacional utilizado pelos analistas em sua modelagem financeira; e (c) o mais importante, cabe sempre aos analistas decidir como incorporar essas informações em seus modelos de fluxo de caixa.
Eduardo Flores
é Professor do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP. Membro do Advisory Council of IFRS Foundation e Coordenador Técnico do CBPS.
eduardoflores@usp.br