A recente paralisação do país provocada pela greve dos caminhoneiros é só um dos muitos problemas que a economia brasileira sofre pela falta de planejamento e investimento em infraestrutura. Nos últimos 15 anos, o valor investido no setor correspondeu a apenas 2% do PIB, o que somente cobriu a depreciação do capital. Segundo a consultoria Oliver Wyman, seria necessário duplicar o investimento em infraestrutura pelos próximos 25 anos para atingir a universalização dos serviços básicos com o mínimo de qualidade.
Hoje, o Brasil possui um estoque total de infraestrutura nos setores de Saneamento, Transportes, Energia e Telecomunicações de 36% do PIB, enquanto estima-se que a universalização requer um estoque de 60%. Expandir o volume de investimento exige a mudança do modelo atual. Nos últimos anos, o governo estimulou o investimento em infraestrutura via oferta de crédito subsidiado. Agora, com o Estado falido, os recursos devem vir da iniciativa privada. “Tudo o que o Brasil precisa está mapeado. Quem vai resolver o problema é o investidor, seja nacional ou estrangeiro”, diz Wilson Nigri, da consultoria Cwist.
Mas, para que isso ocorra, é preciso criar condições para atrair o capital, defende a agenda do Codemec (Comitê para o Desenvolvimento do Mercado de Capitais). “A participação do Estado como formulador de políticas estratégicas deve ser debatida com as entidades membros do Codemec, para a operacionalização pelo setor privado desses investimentos”, afirma Thomás Tosta de Sá, presidente da entidade.
O Brasil é atualmente a nona maior economia do mundo, porém ocupa a 73ª posição no ranking de qualidade de infraestrutura do Fórum Econômico Mundial. A precariedade da infraestrutura no país está diretamente ligada ao baixo investimento no setor. “Há o consenso de que existe uma deficiência de infraestrutura no Brasil e os investimentos têm caído nos últimos anos, o que prejudica a produtividade e o desempenho da economia”, diz Carlos Antônio Rocca, fundador e sócio diretor da REP&A Consulting.
De acordo com estudo da Confederação Nacional do Transporte, as más condições das rodovias, por exemplo, deixam o transporte de soja e milho R$ 3,8 bilhões mais caro. Em 2017, circularam por rodovias brasileiras cerca de 1,3 bilhão de toneladas de produtos agropecuários, a um custo aproximado de R$ 105 bilhões, estima o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-Log/USP).
O investimento em infraestrutura atingiu o pico nos anos 70 como parte do projeto de modernização do governo, com taxas médias anuais atingindo quase 7% do PIB. No entanto, a partir dos anos 80, as taxas de investimento diminuíram com os recursos alocados para financiar as despesas crescentes do governo, em detrimento de investimentos públicos. O ano de 2017 foi o pior resultado da história do país (R$ 87 bilhões).
Somente para cobrir a depreciação dos ativos atuais, teriam sido necessários R$ 91 bilhões, segundo o relatório “Quanto precisamos investir até 2038?”, elaborado pelo projeto “Infra2038”. O documento destaca que enquanto o PIB de 2038 será 55% maior que o de 2017, os investimentos em infraestrutura precisarão aumentar em 600%. Em valores acumulados, nos próximos 20 anos serão necessários R$ 8,7 trilhões de investimentos em Energia Elétrica, Saneamento, Telecom e Logística.
Enquanto o percentual de investimento do Brasil em infraestrutura foi de 1,7% do PIB em 2017 e, em 2018, deva ser ainda menor, a média mundial é de 5%. China e Índia investem acima disso, 7% e 5,5%, respectivamente. Mesmo os países que já possuem uma infraestrutura bem desenvolvida e cujo foco é a manutenção alocam mais recursos que o Brasil. “Para mudar esta realidade, é extremamente importante que, entre 2018 e 2019, sejam desenvolvidos novos estudos e projetos que viabilizem novas concessões para que, a partir de 2020, possamos retomar uma taxa relevante de investimento (4,3% do PIB), invertendo a relação entre depreciação e expansão”, explica o estudo do Infra2038.
Não é à toa que os caminhoneiros brasileiros tenham tanto poder. “Temos uma situação grave porque não há malha ferroviária. Há uma carência de planejamento”, destaca o consultor, CEO da Schneider & Cia., Ruy Flaks Schneider. Hoje, a rede de logística do Brasil é ineficiente em comparação com a de outros países em desenvolvimento como China, Chile, Índia e África do Sul. Isso se deve principalmente ao uso excessivo de rodovias em detrimento de outros modais de transporte mais baratos e eficientes, como ferrovias ou hidrovias.
De acordo com o levantamento da Empresa de Planejamento e Logística do governo federal (EPL), 65% da carga do país é transportada por meio das rodovias e só 15% circulam por ferrovias. Outros 11% são transportados por cabotagem (quando um navio se desloca entre portos do mesmo país); 5% por hidrovias; 4% por dutovias; e só 0,2% por via aérea. “Comparando com EUA e China, países de tamanho similar, os problemas do Brasil se destacam: temos cerca de 200 vezes menos estradas pavimentadas do que os EUA e a nossa rede ferroviária tem apenas 10% do tamanho da dos EUA e da China”, destaca o estudo da Oliver Wyman.
O setor de transportes apresenta o maior déficit e requer uma taxa de investimento 131% maior que a observada entre 2011 e 2016 para atingir o investimento alvo de 2% do PIB e cobrir um déficit equivalente a 14% do PIB em 25 anos. Já a área de saneamento, apesar de necessitar de um volume menor de investimentos, 0,4% do PIB, ainda assim requer um aumento de 132% no investimento corrente para atingir o alvo de 0,44% do PIB. Nos outros setores, o aumento necessário é de cerca de 50%.
Rocca lembra que o aumento do investimento em infraestrutura pelo setor privado é a alternativa para a retomada do crescimento econômico. “Neste segmento, há elevada demanda e falta de oferta. Mas o governo demonstra problemas fiscais e é difícil falar em aumento do investimento governamental. Portanto, deve-se criar condições para o setor privado”, declara. Desengavetar os projetos de infraestrutura também é uma forma de reduzir a taxa de desemprego, hoje ao redor de 13%.
Modelo equivocado
O baixo investimento na infraestrutura está relacionado ao modelo adotado nos últimos anos, em que o governo se colocou como protagonista do processo. Segundo a Oliver Wyman, o modelo de investimento estatal mascarou os problemas de coordenação e estruturação, assim como deficiências e disfunções na legislação, regulação e forma de contratação. “Essas questões aumentam o risco e o custo dos projetos e têm gerado incentivos perversos que afetam a qualidade dos serviços ofertados à população. O pouco que temos investido é gasto em projetos caros e de baixo retorno para a população”, explica o documento.
A consultoria destaca a necessidade de criar um ambiente de negócios favorável ao investimento privado e que estimule a alocação eficiente de recursos como o caminho para gerar um fluxo crescente de recursos para o desenvolvimento sustentável do setor. Mas, ao invés de criar bases regulatórias neste sentido, o posicionamento do governo foi utilizar os recursos do BNDES para investimentos em infraestrutura. “É preciso tirar a muleta do BNDES, que pode se tornar apenas um investidor semente por ter um corpo técnico qualificado. O resto é mercado”, ressalta Schneider.
Diante da necessidade de redução dos gastos do governo e ajuste fiscal, o banco estatal será menos agressivo. Neste sentido, novas formas de financiamento devem ser encontradas. A tendência é de que os projetos passem a ser viabilizados via mercado de capitais, que ainda se mostra tímido como financiador. “Não existe um player que vá substituir o BNDES de forma automática. Os projetos vão sofrer com a falta de financiamento, ao menos enquanto o mercado encontre uma solução”, diz Alberto Faro, sócio de Infraestrutura do Machado Meyer Advogados.
Criada ao final de 2011, a Lei 12.431 foi uma iniciativa do governo brasileiro com o objetivo de ampliar as alternativas de financiamento da economia e promover o mercado de capitais como fonte de recursos de longo prazo, especialmente para projetos de infraestrutura. As isenções fiscais para investidores de Debêntures Incentivadas de Infraestrutura e de Fundos de Investimentos com recursos alocados para o segmento foi uma solução de mercado definida pelo governo e que foi muito bem aceita. No entanto, ainda cumprem seu papel de forma incipiente. Na média, desde 2012, a participação do mercado fica em 10% do total de financiamento de projetos de infraestrutura.
Desde a primeira emissão de debêntures deste tipo até março deste ano, o BNDES desembolsou cerca de R$ 300 bilhões em projetos de infraestrutura, enquanto o mercado financiou pouco menos do que R$ 35 bilhões. “O valor financiado pelo mercado nos últimos anos é muito pequeno se observamos que a carteira dos investidores institucionais soma mais de R$ 4 trilhões”, observa Rocca.
Segundo a pesquisa do Santander baseada nos dados do Ministério da Fazenda, as debêntures de infraestrutura atingiram somente R$ 9,1 bilhões em 2017. O valor corresponde a somente 12,6% do total de investimentos das obras enquadradas na lei. Mesmo com a retirada do BNDES, a estimativa da instituição financeira é de que dos R$ 100 bilhões investidos em 2018, somente R$ 9 bilhões venham do mercado de capitais e R$ 27 bilhões sejam financiados via banco de fomento. “O mercado começa a responder, mas ainda há muito a ser aprimorado em termos de consistência das operações. Há a busca pela segurança jurídica e credibilidade. Tais fatores devem levar ao volume maior de operações. Os setores mais estáveis em termos de marco regulatório acabam sendo priorizados”, afirma Faro.
Até o início da crise econômica que assolou o Brasil nos últimos anos, o BNDES aparecia como o grande financiador de obras de infraestrutura. No auge, o BNDES investiu R$ 70 bilhões em 2014, mas em 2017 foram R$ 27 bilhões. Além de volumosos, os empréstimos do BNDES sempre foram oferecidos em condições melhores que as do mercado. O posicionamento mudou com a aprovação da criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) para substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nos financiamentos do banco. A TLP deve convergir para um valor mais próximo do oferecido pelo mercado.
Para Faro, há outras formas de o BNDES continuar a fomentar o investimento em infraestrutura, em conjunto com o mercado de capitais. Uma delas seria optar pelo financiamento multilateral, com a participação da instituição como financiadora, o que daria mais credibilidade ao projeto para atrair outros investidores. Outro modo é o BNDES dar o aval ao projeto, vinculando ao seu crédito à garantia de pagamento a outros credores. “O grande desafio é tornar as emissões mais consistentes, atraindo os investidores internacionais”, observa.
Nesta mesma linha de pensamento, o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, durante o Fórum de Investimentos Brasil, realizado ao final de maio último, anunciou que vai destinar R$ 5 bilhões para o investimento em cotas de fundos de infraestrutura. A participação da instituição está limitada a 30% do capital total do fundo. O objetivo da medida, em parceria com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) é estimular o mercado de crédito no setor.
Os recursos serão alocados de duas formas. Na primeira modalidade, o BNDES poderá adquirir até 30% das cotas de fundos já existentes ou que estejam em processo de captação. Existem mapeados 75 fundos voltados ao segmento de infraestrutura que somam R$ 4,1 bilhões. Na segunda, o BNDES fará uma seleção dos gestores para criar fundos novos de investimentos em infraestrutura.
O BNDES e o BID anunciaram a criação de um fundo para financiamento de projetos de infraestrutura no Brasil, com capital de US$ 1,5 bilhão (30% do BNDES e 10% do BID). O restante será captado com o setor privado, sobretudo investidores institucionais. Os recursos do fundo serão destinados ao financiamento de projetos de transporte, energia, água e saneamento, além de infraestrutura social, como obras nas áreas de saúde e educação.
Falta capital?
“Se há confiança na economia, na política e na regulação, dinheiro não é o problema. Existe dinheiro. Ele está dentro do país financiando a dívida pública. O problema é a insegurança em aplicar nos projetos de infraestrutura”, destaca Nigri. O posicionamento é um consenso do mercado. “Do ponto de vista de recursos, não há dúvidas de que existem recursos suficientes, desde que haja condições básicas para investir”, concorda Rocca. Em abril deste ano, a Dívida Pública Mobiliária Interna (DPMFi), em circulação no mercado nacional, somava R$ 3,524 trilhões.
As condições básicas envolvem a elaboração de projetos de boa qualidade, com boa perspectiva de geração de fluxo de caixa e marcos regulatórios estáveis. Os governos precisam melhorar a qualidade técnica e o detalhamento das licenças ambientais, projeções de demanda, projeções de custos de construção (Capex), projeção de custos operacionais (Opex) e planejamento executivo, antes de publicar os projetos para consulta pública e licitação. Isso só é possível com a execução antecipada do projeto básico detalhado do empreendimento. “São dois desafios. O primeiro está relacionado à elaboração de bons projetos e o segundo à necessidade de respeito aos contratos, com agências reguladoras independentes e qualificadas. Os investidores devem correr os riscos normais de um projeto e não de natureza regulatória”, complementa Rocca.
Os projetos são caracterizados pelos fluxos de caixa e perfil de risco, que abrange elementos que podem afetar a previsibilidade dos fluxos de caixa, influenciando a decisão dos investidores. A Lei de Concessões (Lei 8.987/96) afirma que “todos os riscos da concessão deverão ser transferidos para o concessionário privado”. Entretanto, existem riscos que o investidor privado não consegue gerenciar ou controlar. Transferir riscos não-gerenciáveis ao privado implicará na necessidade de maior retorno sobre o investimento, ou inviabilizará o projeto por falta de investidores e financiadores para o mesmo.
“Há um trabalho ainda incompleto no âmbito das PPPs e concessões para melhorar as opções de financiamento e o custo de capital dos projetos. O trabalho não depende da criação de novas leis: é necessário que o setor público tenha processos decisórios de maior qualidade antes, durante e depois das concorrências públicas de PPPs e concessões”, explica Bruno Pereira, sócio da Radar PPP. Para ele, é fundamental que haja comunicação social de maior qualidade, para o cidadão compreender minimamente a importância de certa PPP ou concessão; é fundamental que o setor público seja de fato um bom promotor do projeto, interessado em ampliar o nível de competição das concorrências. “É necessário que o setor público não apenas pareça ser, mas que efetivamente seja coerente e coeso durante todo o ciclo de vida do projeto, da priorização, passando pela licitação e a gestão do contrato de concessão ou PPP”, complementa.
O problema é que os projetos atuais apresentados apresentam riscos além do próprio negócio, pois falta um ambiente legal e regulatório mais claro e estável e que seja propício para o investimento e a provisão de serviço eficiente e com qualidade. “Essas mudanças são fundamentais para mitigação de risco e condição necessária para reverter o atual déficit de infraestrutura. Nesse contexto, três pontos se destacam: o licenciamento socioambiental, o papel das agências reguladoras e a responsabilização civil dos servidores públicos”, explica o estudo da Oliver Wyman.
Segundo Nigri com a inflação sob controle e os juros em queda, será necessário que os investidores institucionais aumentem a diversificação de seu portfólio. Mas, para que eles corram o risco de financiar projetos de infraestrutura, é preciso que o governo cumpra seu papel em prover segurança no cumprimento das regras. “É preciso que eles enxerguem que o capital será remunerado e devolvido”, diz.
O prazo de investimento em debêntures de infraestrutura é longo, o que leva às maiores exigências de regulação. Faz parte deste arcabouço regulatório estabilidade de regras e respeito aos contratos, transparência e ações executivas céleres por parte do Estado. “São aplicações do tipo comprar e segurar, o que gera a necessidade de maior estabilidade. As demandas de infraestrutura tendem a crescer”, afirma Schneider.
Regulação
As reformas dos anos 90, incluindo a criação de agências reguladoras e privatizações, foram um passo fundamental para estimular o investimento em infraestrutura. As agências atuam na definição de estruturas legais e na garantia do cumprimento dos requisitos contratuais e de serviço. No entanto, ainda é preciso que seja garantida sua independência para que a atuação seja mais técnica do que política. “Alguns elementos que interferem na governança e na independência dessas entidades poderiam ser modificados para aumentar a eficácia da sua atuação”, destaca a consultoria Oliver Wyman.
Contratos de longo prazo (cerca de 15 a 35 anos) entre o setor público e o investidor privado estão sujeitos a múltiplos ciclos eleitorais, sendo necessário a atuação de agências reguladoras setoriais tecnicamente capacitadas e financeiramente independentes do Executivo. No entanto, atualmente há a falta de autonomia decisória, orçamentária e financeira, pois as agências estão sob o controle direto dos Ministérios. Como o seu financiamento é propenso a interferências, cria-se instabilidade.
“Vemos a ingerência política nas agências regulatórias. O princípio básico é que elas devam ser técnicas e confiáveis e não que estejam sujeitas a interesses políticos”, pondera Rocca. Ele lembra que as agências devem ser vistas como órgãos do Estado e não de governo, pois, além de fiscalizarem a qualidade do serviço em benefício da população, também devem garantir uma regulação estável e confiável no longo prazo, única forma de tornar o fluxo de caixa de uma concessão mais seguro e previsível.
É preciso ainda que haja melhor clareza nos critérios de elegibilidade de dirigentes para que se aumente a tecnicidade das decisões, em detrimento à política. Segundo um estudo da FGV, menos de 60% dos dirigentes das agências federais têm trajetória profissional relacionada com a função de dirigente da entidade reguladora.
Na tentativa de fortalecer as agências reguladoras, o PL 6621/2016 está em análise na Câmara dos Deputados. O projeto abrange a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras. O objetivo é aumentar a autonomia, melhorando a sua capacidade de decisão e a robustez técnica das escolhas, aprimorando a transparência. “Se aprovado, um dos grandes avanços será a definição de regras mais objetivas para a nomeação dos cargos de dirigentes, com exigência, por exemplo, de dez anos de experiência no campo de atividade da agência reguladora ou em área conexa”, afirma a Oliver Wyman.