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INVESTIMENTOS DE LONGO PRAZO: SÓ EXISTE UM CAMINHO

Pode parecer arrogância de minha parte afirmar objetivamente que só existe um caminho para alocação de recursos em investimentos ou aplicações de longo prazo. Esse caminho tem alguns requisitos básicos para que a trilha seja menos pedregosa.

1. Os investimentos corporativos devem levar em consideração os fatores ambientais, sociais e de governança (ASG) e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

2. A existência de uma política de investimentos verdes e sociais em que Governo defina as prioridades e viabilidade de sua execução, mapeando o potencial existente setorialmente.

3. A construção de um mercado secundário de títulos corporativos.

4. Atenção especial para os investimentos em educação e tecnologia verde.

Isso exige uma sintonia fina entre as ações Top down e Bottom up de modo a que tenhamos a dimensão exata do que fazer, como fazer, onde fazer. Temos como instrumentos, Títulos e Investimentos Verdes e Sociais. Os quesitos 1 e 2 definem o diálogo na direção de uma parceria público-privado.

O quesito 3 vai tornar possível a combinação de longo prazo com liquidez, o facilita a entrada dos investidores institucionais inclusive os fundos de Pensão de pequeno e médio porte. Carregar investimentos por prazos muito longos, em especial nas circunstâncias atuais de crise econômica que estamos ainda passando, o fator liquidez é fundamental.

A questão Tecnologia é um caso especial no Brasil. Somos muito dependentes do exterior. É fato. A retomada do crescimento tem de passar por uma mudança de paradigma na questão da tecnologia verde. O Governo deve ter um papel indutor no desenvolvimento de P&D. Criar condições para ter um sistema educacional eficiente e uma cultura de tecnologia que esteja engajado com as tendências globais.

ODS 9 - Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

Temos um enorme potencial para desenvolvimento do mercado de longo prazo verde, superior ao da indústria marrom. Atualmente, a maior parte dos títulos verdes estão concentrados nos setores de energia, florestas e agro-business, que somados atingem a até o presente US$3,7 bilhões contra US$44 bilhões nos EUA e US$49 bilhões na China (ver Green Bonds Alternativas para Financiamento na Agricultura Brasileira, CBI, fev 2018). Os investimentos no Brasil são inferiores aos da Austrália, que tem uma população 85% inferior à do Brasil.

Agropecuária e pesca, etanol, biodiesel e carro elétrico, saneamento e gestão de resíduos, green buildings, energia solar e geração distribuída, estão batendo na porta do mercado. Energia eólica e florestas tem um caminho longo a longo prazo. O que falta para decolarmos?

Evitamos as discussões sobre “modelo de investimentos fora da caixa” com receio de que vá comprometer a relação risco-retorno exigida. O problema é que estamos avaliando a questão do risco e do retorno sem levar em consideração as externalidades nos modelos de investimentos.

Dessa forma os custos ambientais e sociais são transferidos para a sociedade, que por sua característica difusa vai exigir do Governo, via política fiscal, a adoção de ações compensatórias. O Governo está com sua capacidade de investimentos comprometida para adoção de medidas de compensação de externalidades negativas. O Terceiro Setor tem tido um papel preponderante na mitigação dessas externalidades.

A previdência social está sufocando as contas públicas apoiada pela mão da corrupção que abala a confiança dos investidores no país. É urgente a sua reformulação pelo menos com a instituição da idade mínima para que possamos pensar o Brasil sem estrangulamentos.

O Brasil é um celeiro de oportunidades não apenas quando falamos de mitigação de externalidades negativas como também na geração de investimentos que gerem externalidades positivas, muitos deles apontados acima.

A maioria deles exige, entretanto, que pensemos “negócios” de forma diferente. O Brasil está mudando e não é diferente do fenômeno global de transformação da maioria dos países ocidentais. O mundo oriental não foi incluído nesse contexto pois ainda é desconhecido para nós. A China começou seu processo de transformação em 1978, mas as mudanças começaram a gerar influências nos anos 90 do século XX. O muro de Berlim foi derrubado em 1989. A Índia entrou na “onda” também nos anos 90. China e Índia somados representam 40% da população mundial e a Ásia tem 60%. Ásia e África terão o maior contingente de população jovem. De fato, o mundo está mudando para valer.

Se analisarmos o mundo antes da 2ª guerra constatamos que a geração de externalidades era também de proporções relevantes. A diferença é que a população de hoje é 3 vezes maior do que 1950 e 10 vezes maior que 1800. Portanto se não levarmos a sério a questão das externalidades, as populações atingidas apesar da menor participação relativa, representam em quantidade absoluta mais do que a população total existente no início da revolução industrial.

No Brasil, a população, apesar de ser classificada como emergente, envelhece dentro de padrões dos países do hemisfério norte. Temos os problemas de obesidade dos países desenvolvidos e padrões de desnutrição ainda próprios de países com níveis de pobreza relevante.

Um contraponto positivo é o fato de termos 30 milhões de vegetarianos (pesquisa do Ibope 2018), o dobro de seis anos atrás. Esta população exige padrões alimentares que estão relacionados ao bom uso do solo, contribuindo para a redução de degradação. A esse respeito, veja o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável - ODS 2 “acabar com a fome, promover a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. O Brasil tem um papel preponderante, não apenas para atender suas necessidades, mas também como player global na oferta de alimentos.

O saneamento básico com esgoto tratado está na faixa de 54%, sendo que no Rio de Janeiro está na faixa dos 40% e em São Paulo pouco acima dos 60% (ver Instituto Trata Brasil). A falta de adequada gestão de resíduos e logística reversa acaba transformando rios, lagos e praias em casos de degradação ambiental e de saúde pública. A área de construção civil mostra dissociação com a oferta de saneamento criando sobrecarga na rede. O saneamento básico está considerado no:

ODS 6 - “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e o saneamento para todos”. Temos muito que evoluir em termos de infraestrutura urbana.

O principal impacto da falta de saneamento e adequada gestão de resíduos está no seu impacto sobre a educação fundamental, desnutrição e na saúde pública. O resultado da ação integrada só pode ser medida no longo prazo com melhor capacidade de aprendizado, aumento da produtividade no trabalho e bem-estar. Educação e Saúde estão considerados nas:

ODS 3 - “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”.

ODS 4 – “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.

Os recursos ambientais estão sendo exauridos a uma escala supra planetária. O ciclo econômico não pode ser compreendido de forma simplista em que qualquer atividade econômica começa pela extração de recursos naturais, passando pelo seu processamento agrícola, industrial e no setor serviços e posterior destinação de resíduos pelos participantes da cadeia de fornecedores até o consumidor final.

Reciclagem, Reuso e Redução de resíduos e materiais usados são iniciativas que devem fazer parte da Nova Economia e sua adaptação só é possível dentro de uma visão de longo prazo. Essas urgências ambientais estão contempladas nos ODS 12 - “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”:

ODS 13 - “Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos,

ODS 14 - “Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”,

ODS15 - “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”.

O ODS 15 e o ODS 2 reforçam que o Brasil deve ter um papel importante na economia agrícola, mas construindo-se uma modelo de produção que preserve as florestas, a malha hidrográfica e a biodiversidade.

O que devemos levar em conta não é apenas o retorno dos investimentos, mas também os benefícios fiscais que investimentos dessa natureza podem propiciar e que podem implicar em uma nova política tributária para investimentos verdes.

Da mesma maneira que abordamos sobre os principais setores econômicos e sociais importantes para a transformação econômica do Brasil, relacionando com os objetivos do ODS, poderíamos fazer a mesma decomposição dos fatores ASG ou ESG em inglês. Isso será fundamental para a melhor compreensão dos investidores não só dos institucionais como também de pessoas físicas que são os verdadeiros investidores via Fundos de Pensão, Previdência Aberta e Assets e por meios próprios.

A Apimec está sensível a esse conjunto de mudanças e, além dos eventos que promove para os profissionais do investimento para o seu processo de aprendizado sobre o assunto, estará incluindo questões de sustentabilidade na prova de certificação de analistas, no segundo semestre do corrente ano, consciente de sua importância para o desenvolvimento das gerações futuras de analistas e da importância para a sua inserção no mercado de títulos de dívida.

E um mercado secundário forte será fundamental para desenvolvimento deste mercado. Nesse caminho não faltarão recursos para o crescimento do mercado e dos investimentos a longo prazo.


Eduardo Werneck
é vice presidente da Apimec Nacional.
eduardo.werneck@apimec.com.br


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