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Atualmente, a Instrução CVM nº. 301, publicada em 1999, em resposta à edição da Lei Antilavagem (Lei nº. 9.613/1998), regulamenta o tema na esfera de atuação da Comissão de Valores Mobiliários. Na época do seu lançamento, o Brasil empenhava esforços para concretizar sua admissão como membro efetivo do Grupo de Ação Financeira (GAFI), organismo intergovernamental, criado em 1989, responsável por desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais para dissipar os fluxos de capitais ilícitos, visando à proteção do Sistema Financeiro Internacional. O Brasil conseguiu sua admissão em 2000, após ter sofrido sua primeira avaliação pelos demais membros.
Faz-se oportuno frisar que a aderência ao GAFI e às respectivas Recomendações que ele emite é voluntária e facultativa. Ainda, para que ela seja realizada, os países devem se submeter a uma série de exigências, implementando mecanismos de combate à lavagem e ao financiamento do terrorismo em seus ordenamentos jurídicos e estruturas organizacionais. Os que optam por não as adotarem, ou não as cumprirem em um grau de aderência mínima, poderão ser incluídos em listas emanadas por ele, passando a ser classificados como high-risk and non-cooperative jurisdictions, sem prejuízo da possibilidade de sanções serem emanadas por outros organismos internacionais.
Diante disso, essas jurisdições podem acabar sofrendo restrições na realização de negócios e consequentes impactos nos fluxos de capitais e em outros indicadores econômicos. Por exemplo, no caso de serem impostas restrições de importação e exportação a esses países, os investidores estrangeiros podem ficar mais cautelosos para investir e as agências de classificação de risco podem rebaixar suas notas e as das empresas lá sediadas (públicas ou privadas). Isso tudo pode afetar as suas balanças comerciais, uma vez que gera impactos diretos na economia.
Ao longo dos anos, o Brasil, a fim de acompanhar as constantes transformações e os desafios que surgiram com o aprimoramento dos mecanismos utilizados por criminosos para as práticas de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo, alterou três vezes a Lei Antilavagem, promulgou as Leis nº 13.170/2015 e nº 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo) e modificou cinco vezes a Instrução CVM nº 301/1999, dentre outras inovações, as quais foram motivadas, sobretudo, pelas Recomendações emitidas pelo GAFI e pelos trabalhos elaborados pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla).
Em que pesem as diversas mudanças ocorridas, faz-se pertinente ressaltar que houve uma ampliação do conjunto das condutas puníveis pelo advento da Lei nº 12.683/2012, a qual modificou a Lei Antilavagem. Pela redação anterior, apenas bens provenientes de alguns crimes graves descritos no art. 1º, como tráfico de drogas e terrorismo, eram passíveis de punição. A referida norma, em consonância com a onda legislativa de terceira geração, tornou a ocultação do produto de qualquer delito ou contravenção penal, por menor que seja, como caracterizador do crime de lavagem de dinheiro.
Além disso, ela incluiu, no rol de pessoas obrigadas do art. 9º da Lei Antilavagem, novos supervisionados. Essas “pessoas obrigadas” são responsáveis por identificarem seus clientes, manterem seus respectivos registros e eventualmente comunicarem operações financeiras ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a fim de gerar informações relevantes para que ele possa desempenhar, adequadamente, o seu trabalho de inteligência financeira.
No mesmo ano, o GAFI introduziu formalmente, no âmbito de sua Recomendação nº 1, o Risk Based Approach, o qual consiste na utilização da abordagem baseada em risco como ferramenta de gestão de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLDFT), tendo se tornado consenso mundial. Na prática, espera-se que as instituições tenham a capacidade de identificar, analisar, compreender e mitigar os riscos de LDFT na condução dos seus negócios.
Nessa toada, em novembro de 2016, a CVM, buscando a adequação da regulamentação vigente às melhores práticas internacionais, publicou o Edital de Audiência Pública SDM nº 09/16, contendo uma minuta de Instrução que dispõe sobre a PLDFT no âmbito do mercado de valores mobiliários. Quando publicada, ela revogará a Instrução CVM nº 301/1999 e as seguintes que a alteraram.
As principais propostas de inovações apresentadas por essa minuta são:
Nesse cenário, em relação à Política Know Your Client, já adotada pelos supervisionados, deve-se destacar que a renda e o patrimônio são alguns dos principais parâmetros desse cadastro e que a necessidade de conhecimento do beneficiário final se deu especialmente, em virtude da Recomendação nº 10 do GAFI. Isso porque, apesar de essa figura já estar inserida na Instrução CVM nº 301/1999 desde a alteração realizada com o advento da Instrução CVM nº 463/2008, a CVM ainda não definiu seu escopo. Inclusive, o primeiro esforço brasileiro nesse sentido foi feito pela Receita Federal, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.634/2016, à luz da Recomendação nº 24 do GAFI.
Dessa maneira, em sintonia com os modelos já elaborados pela Financial Crimes Enforcement Network (Federal Register vol. 81, nº 91, Department of the Treasury), pela União Europeia (Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 20/05/2015) e pela RFB, a CVM, na minuta de Instrução em questão, procurou definir como beneficiário final: “a pessoa natural, ou grupo de pessoas naturais que, efetivamente, direta ou indiretamente, possua, controle, influencie significativamente um cliente pessoa natural, pessoa jurídica ou outra estrutura jurídica em nome do qual uma transação esteja sendo conduzida ou dela se beneficie”, presumindo-se “influência significativa” o caso de a pessoa deter mais de 25% do capital da entidade.
Sendo apenas uma minuta, é natural que ainda esteja sujeita a diversos ajustes, os quais são necessários e muito bem-vindos para que se busque o aperfeiçoamento da redação de tão relevante dispositivo, cuja importância foi reconhecida, inclusive, pelo G20 – o qual, no âmbito do Anti-Corruption Action Plan, editou, em 2014, o High Level Principles on Beneficial Owner.
No Brasil, sua importânciase justifica não só em função dos recentes casos de corrupção que vêm sendo desvelados no país, mas também para que sirva de propulsor para um maior aprimoramento da transparência, no que tange os setores públicos e privados, e para que se possa proporcionar um mercado de capitais mais seguro para todos os investidores.
Na atual conjuntura, uma das grandes missões da CVM é regulamentar o tema sem engessar o dinamismo inerente ao mercado de valores mobiliários, fazendo com que o ambiente local eventualmente venha a se tornar menos atrativo que o de outros mercados emergentes, o que poderia gerar prejuízos econômicos e financeiros ao país. Dessa maneira, antecipa-se que, em que pesem todas as transformações que estão por vir, essas mudanças não devem ser encaradas como formas de restrição à realização de negócios, mas, sim, de fomento à concretização de um mercado mais íntegro e menos vulnerável à realização de lavagem de capitais e ao financiamento do terrorismo.
Por fim, ressalta-se que a PLDFT é um mecanismo que visa minimizar os riscos de que as instituições participantes do mercado possam ser involuntariamente utilizadas para o cometimento de crimes. Nesse sentido, as iniciativas trazidas pela CVM buscam o aperfeiçoamento das ferramentas de prevenção e de combate à LDFT já existentes, a fim de contribuir para que o Brasil possa alcançar, cada vez mais, uma melhor avaliação por parte do GAFI.
Júlia Dantas Saavedra
é bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), integrante da Liga Acadêmica de Ciências Criminais da UNIRIO e coautora do livro "Direitos Humanos e Terrorismo no Brasil" (CRV Editora).
juliad.saavedra@gmail.com