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Restrição da CVM para recompra de ações pode tornar o programa restritivo
Em fevereiro deste ano, a Superintendência de Relações com Empresas (“SEP”) da Comissão de Valores Mobiliários divulgou o Ofício-Circular 02/2018, documento que é emitido anualmente para orientar os emissores sobre os principais procedimentos a serem observados no envio de informações e sobre interpretações referentes a aspectos relevantes da legislação e regulamentação societária que devem ser considerados pelas companhias abertas.
Em um dos itens, o Ofício estabelece que “a negociação com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados por parte dos acionistas controladores, diretores e membros do conselho de administração deve ser observada durante todo o prazo de vigência do programa de recompra”.
Na versão de 2018, porém, foi suprimido o trecho, contido em ofícios-circulares passados, esclarecendo que “a vedação à negociação deverá ser observada nos períodos em que a sociedade estiver efetuando as aquisições ou alienações, e não necessariamente, durante todo o prazo de vigência do programa”.
Essa alteração teve o efeito de tornar mais restritivas as transações dos administradores, o que, supostamente, reduz o risco de que a formação de preço das ações seja afetada mutuamente pelas negociações da companhia e dos administradores, mesmo que não sejam transações diretas.
Entretanto, a restrição da negociação pelos administradores foi tão severa que põe em risco a utilização do instrumento. Não se pode deixar de considerar que a prática é amplamente difundida em todo o mundo como instrumento de criação de valor para acionistas e viabilização de programas de alinhamento de interesses entre acionistas e administradores. Trata-se, portanto, de um instituto indispensável no mercado de capitais contemporâneo.
Um programa já consagrado
O programa de recompra, nos termos autorizados pela Instrução CVM nº 567/15, é um instrumento comumente utilizado pelas companhias abertas que visa garantir eficiência e celeridade às aquisições de ações emitidas pela própria empresa. A instrução estabelece os parâmetros dentro dos quais a diretoria definirá as oportunidades de recompra, evitando a realização de constantes reuniões societárias.
Conforme previsto na Instrução CVM nº 358/02 a cada operação desse tipo deve ser aprovada pelo conselho de administração e ser objeto de fato relevante. Assim, de um lado, eliminam-se burocracias desnecessárias e, de outro, garante-se a adequada e irrestrita divulgação de informações ao mercado sobre as aquisições das ações da própria companhia.
Diante da eficiência desse instrumento, a prática usual do mercado é estabelecer programas de recompra com vigência de médio a longo prazos. Dentre as companhias com maior liquidez que integram o índice IBrX 100, o tempo médio dos programas de recompra é de um ano. Além disso, é comum que sejam aprovados programas de recompra subsequentes, de modo que a companhia sempre esteja sob a vigência de um programa de recompra.
Assim, o posicionamento da SEP de que os controladores, diretores e membros do conselho de administração devem observar a vedação à negociação de ações da companhia durante todo o prazo de vigência do programa de recompra traz como consequência, em muitos casos, a proibição quase absoluta a que essas pessoas negociem ações da própria companhia, a qualquer tempo.
Essa medida revela-se excessiva, pois se apoia na presunção de que todos os controladores, diretores e membros do conselho de administração estariam acompanhando as avaliações sobre as oportunidades de recompra durante todo o prazo de vigência do programa e, portanto, teria prévio acesso a informações relevantes, o que não nos parece razoável presumir.
É importante destacar que a recompra de ações também é um instrumento utilizado pelas companhias para viabilizar planos de remuneração de administradores baseados em ações, conforme citado na própria Instrução CVM nº 567/15. Esta severa restrição poderia tornar esses programas ineficientes, na medida em que a proibição de negociar por longos períodos acarretaria perda de liquidez para os administradores.
Adicionalmente, entendemos que o objetivo tutelado pelo artigo 13, §3°, II, da Instrução CVM nº 358/02 já é satisfatoriamente atingido ao proibir que as pessoas anteriormente mencionadas negociem ações da companhia sempre que estiver em curso alguma operação efetiva de aquisição ou alienação.
Cabe destacar que nos termos da Instrução CVM nº 567/15, art. 6º, o prazo máximo para que a companhia negocie as próprias ações é de 18 meses contados da aprovação em assembleia ou reunião do conselho de administração.
O Ofício-Circular de 2018 amplia a vedação, uma vez que ela passaria a perdurar por todo o período em que vigorar o programa (máximo de 18 meses) e não apenas nos momentos em que a sociedade estiver efetuando as aquisições ou alienações.
Diante disso, a Abrasca pretende apresentar consulta à CVM sobre a alteração promovida pela SEP em relação ao tema. A ideia é sugerir que a amplitude de modelos de programas de recompra existentes no mercado brasileiro indica que a regulação da CVM deve prever espaço para que cada companhia previna potenciais conflitos de acordo com seus padrões de governança corporativa.
Alfried Plöger
é presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA)
abrasca@abrasca.org.br