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Ponto de Vista |
A cultura de uma sociedade é viva e dinâmica por natureza. As grandes mudanças sociais impactam principalmente indivíduos que têm maior disposição à receptividade, marcadamente crianças e jovens. Indivíduos que crescem como contemporâneos tendem a absorver de forma significativa as mudanças da cultura.
O conceito de geração pode ser utilizado como etapas da vida: criança, adolescente, adulto ou idoso. Porém, também podemos utilizar para definir pessoas que nasceram em determinadas épocas. Este conceito floresce particularmente com a escola filosófica alemã do início do século XX. Por esta definição são de uma mesma geração aquelas pessoas que incorporaram o zeitgeist, que pode ser traduzido como “espírito do tempo”. Ou seja, o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo numa dada época.
Da mesma forma que é difícil definir quando acaba a vida adulta e começa a velhice, é difícil precisar quando existe uma grande mudança cultural que altere o espírito do tempo. De uma maneira não precisa diz-se que a geração Y chamada de Millennials é formada pelos que nasceram entre meados dos anos 1980 e meados dos anos 1990. Portanto os últimos Millennials estão entrando agora no mercado de trabalho já dividindo vagas com os primeiros membros da geração Z (quem nasceu após os primeiros anos da década de 90).
Pesquisas têm demonstrado que os Millennials estão poupando abaixo do que seria recomendado. No Reino Unido eles poupam apenas 4,6% da sua renda, o que é bastante preocupante. Porém, é no mesmo Reino Unido que vem se firmando uma nova e tendência entre os trabalhadores mais jovens do mundo. São pessoas que poupam parcelas muito significativas das suas rendas, frequentemente chegando a mais de 50% dos ganhos. Em resumo, escolhem viver de forma modesta com objetivo de se aposentar cedo.
O movimento desencadeado pelos adeptos desse estilo de vida está sendo chamado de FIRE, que é o acrônimo em inglês para Financial independence, retire early ou, traduzindo de forma livre, independência financeira, aposente-se cedo. Os adeptos do FIRE procuram viver da forma mais austera possível economizando o máximo que conseguem, frequentemente superando os 50% dos rendimentos com o objetivo de se aposentar o quanto antes.
Inspiração para o FIRE
Existem vários locais na internet que propagam as vantagens de se levar uma vida espartana para poder se aposentar cedo. Duas tendências antigas se fundem para embasar o FIRE. Uma é a ideia muito popular na minha juventude de tentar trabalhar ao máximo para juntar um milhão de dólares e viver de renda. A outra, um tanto mais antiga, que é a pregação da vida simples inspirada de forma distante pelo americano Henry David Thoreau.
Filósofo, naturalista e ativista anti-impostos, Thoreau nasceu em uma família de classe média alta americana em 1817. Foi um eterno insatisfeito com o modo como seus conterrâneos viviam e consumiam. Em 1845 resolveu ir morar em um terreno de um amigo no meio de uma floresta. Construiu uma pequena cabana e tentou viver de forma autossuficiente.
O terreno em que Thoreau foi viver se transformou em um parque ecológico. Sua pequena cabana foi reconstruída e recebe milhares de visitantes todos os anos. O livro que escreveu baseado em sua experiência, Walden, ou A Vida nos Bosques, tornou-se uma bíblia ecológica e embasa em muitos aspectos os movimentos atuais como Vida Simples e o próprio FIRE.
A ideia que fundamenta o planejamento de juntar logo um milhão de dólares era de que com um milhão e uma renda anual de 6% seria possível conseguir 5 mil dólares mensais. Assim, não seria mais preciso trabalhar.
Thoreau plantou batatas e produziu o próprio pão. Apesar de ele ter obtido algum sucesso na tentativa de autossuficiência, seu sonho não durou muito. Thoreau retornou à civilização dois anos depois.
Assim como Thoreau, a maioria dos adeptos da prática de trabalhar duro para chegar a um milhão de dólares acabar descobrindo que não conseguiria chegar nem perto de obter um retorno de 6% ao ano. E no caminho para juntar um milhão de dólares os Millennials acabam criando necessidades muito superiores àquelas que a renda do seu um milhão poderia comprar.
O Millennial que nasceu nos anos 60
Quando olho para o passado vejo que de certa forma adotei uma mistura destas duas abordagens em minha própria vida. Eu comecei trabalhando muito jovem, aos 14 anos, como auxiliar de um corretor de imóveis. Muito antes do Google Maps existir, meu trabalho era ser guia para os clientes chegarem aos imóveis que estavam à venda. Pouco tempo depois consegui um emprego como servente, como chamavam na época os office boys.
Quase formado fui trabalhar em uma estatal do setor elétrico. Tinha um salário muito bom, mas detestava meu trabalho. Decidi continuar a viver com o mesmo estilo de vida espartano da época de office boy e guardar todo o restante. Tudo que eu queria era ter dinheiro para parar de trabalhar.
Mais tarde abri uma indústria de plástico, um trabalho pouco interessante, mas que me permitia vislumbrar obter meu número mágico, um milhão de dólares, antes dos 40 anos de idade. Isso, novamente, caso eu mantivesse o mesmo estilo de vida de um office boy.
Acabei me tornando professor universitário em tempo parcial. Foi quando descobri uma grande paixão: ser professor. Quando os 40 anos chegaram eu estava fazendo meu doutorado. Agora, aos 57, já poderia me aposentar. Mas adoro o que faço! Se tiver muita sorte pretendo estar ainda na ativa ao chegar aos 70 anos.
Meu plano inicial não deu certo. Mas me deixou um enorme legado: o estilo de vida simples. Não tão simples quanto os do office boy, mas com a consciência que me acompanha de sempre evitar gastar com bens que servem para demonstrar riqueza, os chamados bens posicionais.
Minha aposta é que os Millenials adeptos do FIRE vão acabar descobrindo que trabalhar é muito bom. Poucos de fato vão querer parar aos 40 ou 50 anos. Mas torço que aprendam que uma vida simples está longe de ser uma vida pobre.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br