O dinamismo do Mercado de Capitais está diretamente relacionado a um ambiente regulatório adequado, que privilegia a transparência da informação, potencializa oportunidades, proporciona a geração de emprego e renda e cumpre o seu papel econômico-social de desenvolver políticas públicas. O ambiente regulatório adequado é aquele que, de fato, elimina barreiras, mitiga entraves, estimula a inclusão e a democratização. Frise-se: democratização.
Com o foco em pautas desenvolvimentistas, os anos de 2022 e 2023 têm sido intensos em reformas regulatórias relevantes no Mercado de Capitais, com inegável destaque especial ao Novo Marco Regulatório dos Fundos de Investimento (Resolução CVM 175), que entrará em vigor em 2 de outubro de 2023. Em um contexto de tantas modernizações, é natural que o igualmente importante Marco Regulatório dos Assessores de Investimento (Resoluções CVM 178 e 179), publicado pela CVM em fevereiro de 2023 e cujo início da maior parte de seus dispositivos está em vigor desde 1º de junho, ainda não tenha sido objeto de tantas análises e produções acadêmicas, mas este artigo pretende dar o devido destaque ao tema.
Quando falamos de democratização do Mercado de Capitais estamos nos referindo à abertura, à flexibilização, ao acesso igualitário desse mercado a um gama ampla de investidores, com diferentes perfis, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, investidores de atacado ou varejo. Também estamos nos referindo à proteção desses investidores, educação financeira, limitação de responsabilidades aos riscos assumidos, fluxo adequado de informações e geração de incentivos para o contínuo crescimento responsável do segmento. Neste contexto, o Marco Regulatório dos Assessores de Investimento é um divisor de águas.
Fruto de um produtivo diálogo com a sociedade, as novas regras trazem avanços relevantes. O fim da obrigação de exclusividade, que proporciona aos assessores atuarem como prepostos de um ou mais intermediários, é um desses avanços. Outra modernização normativa está relacionada à possibilidade de as pessoas jurídicas se organizarem e adotarem qualquer tipo societário já admitido na legislação em vigor e que, eventualmente, tende a ser mais atrativo aos sócios. Na esteira das novidades societárias, os sócios das empresas dedicadas à atuação como Assessores de Investimento não precisam mais ser, todos eles, obrigatoriamente, Assessores de Investimento. Isto possibilita a convivência de sócios com perfis diferentes - inclusive aqueles interessados em investir no negócio, sem necessariamente se envolverem com a condução ordinária das atividades. No mesmo sentido, Assessores de Investimentos (antigos Agentes Autônomos de Investimento) agora podem exercer demais atividades dos mercados financeiro, de capitais, securitário, e de previdência e capitalização – contanto que não entrem em conflito com as atividades próprias dos Assessores.
Os aspectos de transparência e governança também foram observados pela CVM, no âmbito da sua competência de regulador informacional e de conduta, quando da preparação das regras. A CVM sinalizou que os Assessores devem prestar informações qualitativas e quantitativas aos investidores, tais como as formas e arranjos remuneratórios, as taxas diretamente cobradas, o percentual de taxa de administração, o percentual de taxa de performance e a diferença entre o custo de aquisição e de venda. Há, ainda, o Termo de Ciência ao investidor, documento que descreve as características essenciais da atividade dos Assessores e reforça deveres dos profissionais em divulgar estrutura remuneratória e potenciais conflitos de interesse ao investidor. E tudo isso de modo claro, em linguagem simples, objetiva e concisa, privilegiando o fácil e rápido acesso.
As Resoluções CVM 178 e 179 também inovaram nos papéis aos intermediários. Com as mudanças, os intermediários passam a ter função mais ativa na fiscalização sobre a atuação dos assessores de investimento. Para que sejam de fácil acesso, deverão manter atualizadas em seus websites as informações qualitativas exigidas pelas novas regras. Além disso, deverão enviar extratos trimestrais aos investidores com as informações quantitativas exigidas. Novamente, as informações devem ser claras, íntegras e verdadeiras, suficientes para bem informar o investidor, sem exageros, privilegiando o que é relevante e evitando excessos (information overload). Quanto aos investidores profissionais, a Resolução 179 se faz dispensável – mostrando mais uma vez a preocupação da CVM com as sutilezas do Mercado de Capitais, e com a necessidade de dar mais dinamismo às relações entre profissionais qualificados do mercado.
Frise-se, aqui, que parte específica da Resolução 179 relacionada à transparência de custos e remuneração dos assessores entra em vigor em janeiro de 2024. Não obstante o prazo, a CVM estimula, desde já, que os participantes se organizem, com previsibilidade, para atender adequadamente os dispositivos regulatórios e, consequentemente, os investidores.
Adicionalmente, se faz relevante apontar o fato de que o Marco Regulatório dos Assessores de Investimento é uma retribuição e um reconhecimento da CVM a esses profissionais que, ao longo dos últimos anos, auxiliaram e impulsionaram o Mercado de Capitais no Brasil. Também por isso, as novas regras abriram caminhos para que os Assessores consigam desempenhar, de forma ainda mais intensa e organizada, a sua função de levar o Mercado de Capitais para todas as regiões do nosso país, desde os grandes centros urbanos até as cidades do nosso poderoso interior. E tomando por base dados históricos, as perspectivas de crescimento são interessantes.
Em 1º de abril de 2017, 4.866 profissionais possuíam registro para atuar como, até então intitulados, Agentes Autônomos de Investimento. Exatos seis anos depois, em 1º de abril de 2023, o total de profissionais registrados chegou à marca de 22.982, um aumento de mais de 400% dentro do período apresentado.
Agora, vejamos a quantidade de pessoas físicas com custódia na depositária de renda variável da B3 no mesmo período: 550.033, em 2017, e 5.287.100, em 2023. E, ainda, na quantidade de negócios por pregão da Bolsa de Valores: 1.445.149, em 2017, e 8.878.466, em 2023.
Em meio a um cenário de pandemia e demais adversidades externas dos últimos anos, como o grave conflito entre Rússia e Ucrânia, é inegável afirmar que a capilaridade do Mercado de Capitais gerada, inclusive, pelo desempenho dos Assessores de Investimento, tem promovido um papel benéfico para a saúde econômico-financeira brasileira.
Um Mercado de Capitais forte oferece às empresas variadas opções para captação de recursos, permitindo o financiamento de projetos de robustez, expansão, inovação e investimentos em longo prazo. Aos investidores, oportunidade de diversificar a obtenção de renda e retornos financeiros, além de incentivos à poupança e à promoção de crescimento econômico sustentável. Ao país, geração de emprego e renda.
As expectativas com a observação prática do novo Marco Regulatório dos Assessores de Investimento são, sim, positivas. Em especial, pelo fato de haver um nítido reconhecimento da importância e da busca de orientação profissional na tomada de decisões de investimento. E, à medida que a consciência sobre a educação financeira aumenta, os Assessores terão a oportunidade de fornecer informações valiosas para ajudar os investidores a tomar decisões mais fundamentadas. Na esteira, os profissionais precisarão estar cada vez mais atentos ao cumprimento das normas estabelecidas. Ganham os Assessores, ganham os investidores, ganha o Mercado de Capitais e ganha o Brasil.
João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br