Orquestra Societária

ENTREVISTA: JOHN ELKINGTON, PAI DA SUSTENTABILIDADE

Celebrando 10 anos da seção “Orquestra Societária”, que estreou na Revista RI – Março.2014, apresentamos uma entrevista exclusiva com o icônico consultor britânico John Elkington, 74 anos, autoridade mundial em Responsabilidade Corporativa e Capitalismo Sustentável, reconhecido como “Pai da Sustentabilidade”. Emm 1994, ele criou o conceito Triple Bottom Line, tripé da sustentabilidade, que corresponde aos resultados de uma organização medidos em termos Sociais, Ambientais e Econômicos, muito próximo dos valores ESG. Elkington fez parte do grupo de fundadores do Global Reporting Initiative (GRI), modelo de relatório de Sustentabilidade com o mais alto padrão de governança; tendo também participado da criação dos Índices Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI) que avaliam globalmente o comprometimento de empresas às boas práticas sustentáveis. Tendo participado de mais de 1.500 conferências pelo mundo sobre o tema, e atuado em mais de 80 conselhos de administração e consultivos, em 2021 foi contemplado com o prestigioso World Sustainability Award.

 “Empreendedor serial”, John Elkington é fundador e principal polinizador da Volans, organização que trabalha com líderes para entender o futuro emergente e desbloquear o valor de mercado de amanhã. Ajudou a criar e incubar diversos movimentos, incluindo o de Sustentabilidade Global, e iniciativas poderosamente moldadas, como os Índices de Sustentabilidade Dow Jones (DJSI), o Global Reporting Initiative (GRI) e o B Lab UK. É autor ou coautor de 20 livros “best sellers”, sendo o mais recente: Cisnes Verdes: O próximo boom do Capitalismo Regenerativo.

A Volans, fundada por ele, aborda alguns dos problemas mais desafiadores do Planeta, ajudando os principais atores a expandirem seu foco da agenda de responsabilidade por meio da resiliência à regeneração. Grande parte do trabalho está no nível do Conselho ou C-suite. A liderança de pensamento deste importante pensador é evidente em Volans Inquiries, incluindo Project Breakthrough, Tomorrow's Capitalism Inquiry e Green Swans Observatory.
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Elkington foi membro do corpo docente do Fórum Econômico Mundial de 2002 à 2008. E em 2009, ficou em 4º. lugar em uma pesquisa internacional, entre os 100 principais líderes de Responsabilidade Social Corporativa, ficando atrás apenas de Al Gore, Barack Obama e da falecida ativista ambiental britânica, Anita Roddick.

Aqui, apresentamos parte das pesquisas e estudos do doutorado concluído por Cida Hess, em Engenharia de Produção, pela UNIP/SP no PPGEP, com foco em Sustentabilidade e contendo entrevistas com especialistas acadêmicos e corporativos. Sendo Sustentabilidade o foco de um extenso esforço desenvolvido ao longo de quatro anos, John Elkington, autoridade mundial em responsabilidade corporativa e capitalismo sustentável, não poderia deixar de ser entrevistado.

Acompanhe a seguir a íntegra da entrevista, realizada virtualmente em duas sessões, nos dias 10 e 21 de julho últimos, interligando Londres, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, aproveitando “brechas” na intensa e concorrida agenda internacional do nosso ilustre entrevistado.

RI: Como o senhor avalia o impacto do movimento de Sustentabilidade no sistema capitalista?

John Elkington: Eu entendo como “fraca” a agenda de Sustentabilidade, incluindo conceitos como “RSC” (Responsabilidade Social Corporativa), “ESG” (Ambiental, Social e Governança) e emissões de efeito estufa “´net zero”. Ao mesmo tempo, algumas pessoas estão começando a se mover na direção de uma Sustentabilidade “mais forte”, com conceitos como “Fronteiras Planetárias”, “Economia Circular” e “Regeneração”. Esse segundo grupo de conceitos está começando a impactar as empresas líderes, pelo menos em termos de sua retórica e, até certo ponto, de suas metas e compromissos futuros. Mas em termos de afetar as estruturas e processos profundos do capitalismo, mal “arranhamos a superfície”. Ainda assim, estamos nos estágios iniciais de um ponto de inflexão, em que as dimensões estruturais e sistêmicas da agenda de mudança provavelmente se colocarão com força na vanguarda da atenção política. Não é por acaso que até mesmo alguns líderes empresariais falam agora da necessidade de uma “mudança de sistema”.

RI: Quais tendências para este sistema o senhor identifica nos próximos anos?

John Elkington: Se a história servir de guia, as perturbações econômicas e políticas que estamos vendo são precursoras de deslocamentos ainda maiores. Em vez da globalização, estamos vendo partes do mundo se movendo em direção a formas de “desglobalização”, em vez da unidade global em torno da definição e abordagem de questões-chave de segurança, estamos vendo clusters regionais cada vez mais ideologicamente orientados; e em vez de um desejo de paz, vemos os estágios iniciais de uma aceitação relutante da inevitabilidade da guerra. A história nunca se repete, ou não exatamente, mas padrões profundos sugerem que a agenda da Sustentabilidade agora mudará do foco em soluções globais para abordagens mais regionais e locais, antes de finalmente retornar ao nível global. O momento desse ciclo não é claro, embora seja inevitável. Os atuais “campeões de soluções globais” – entre eles o secretário-geral da ONU, António Guterres – parecem cada vez mais desesperados. Quando na história ouvimos um secretário-geral dizer: ‘Estamos na estrada para o inferno climático’? Não temos, nem ouvimos, ninguém atacando o setor de combustíveis fósseis como cúmplice quase criminal do processo. A agenda da Sustentabilidade está se tornando política – e politizada.

RI: A globalização trouxe grandes benefícios, mas também aumentou muito as desigualdades, ao colocar uma quantidade substancial de riqueza nas mãos de um pequeno grupo de pessoas. Como o senhor analisa esse processo?

John Elkington: Sim, a globalização trouxe benefícios, incluindo – se acreditarmos nas histórias – tirar 300 milhões de chineses da pobreza. Mas, novamente, isso é a história andando em círculos ou, pelo menos, em grandes ciclos. Concentrações massivas de riqueza e poder seguem quase todos os grandes avanços econômicos ou tecnológicos. Pense em carvão, petróleo, plásticos, computação pessoal. Cada vez mais essas concentrações desenvolvem características descontroladas como o rico lobby para novos tipos de privilégio. E todas as vezes, eles devem ser quebrados, seja por revolução, guerra ou durante depressões econômicas. Poderíamos optar por evitar tais resultados, mas os líderes políticos têm todos os incentivos para obscurecer as questões e obscurecer as escolhas. Com efeito, muitos deles traem os interesses mais amplos e de longo prazo de suas economias e sociedades. O colapso segue o boom, não apenas econômico, mas também político. Os economistas falam de “Momentos Minsky”, em que os mercados financeiros se soltam de suas amarras, ignorando realidades que as gerações anteriores haviam conquistado com dificuldade, uma experiência dolorosa. Também vemos “Minsky Moments” em relação à política, com as pessoas não apenas se esquecendo como a guerra pode ser, mas também como decisões e ações aparentemente inocentes podem “lubrificar ainda mais a ladeira escorregadia”.

RI: Recentemente, o CEO da BlackRock, Larry Fink, que tem estado na vanguarda da adoção de padrões ESG pelo mundo dos negócios, deixou de usar o termo, dizendo que se tornou “muito politizado”. Mas a maior gestora de ativos do mundo não mudou sua postura em questões ESG. Qual é a sua opinião sobre isso?

John Elkington: Larry Fink foi ousado e corajoso ao abraçar as agendas ESG e climáticas - e ao desafiar os CEOs das empresas nas quais eles eram investidores a fazer o mesmo. Agora, porém, no contexto do fervor ideológico que tomou conta de tantos membros do Partido Republicano americano, você pode ver facilmente as falhas que podem levar os EUA a um novo período de conflito civil. Dito isso, acho que podemos ver a resistência contra o ESG e a BlackRock como positiva, no sentido de mostrar que as pessoas com capital irrecuperável e outras formas de interesses investidos estão despertando para a natureza e a escala das transformações energéticas que estão começando acontecer. E também para o tamanho das desvantagens quando a maioria deles erra essa ligação. Os críticos do ESG dizem que não é capitalismo. Como se o capitalismo fosse algum texto sagrado. Em vez disso, é como um genoma, evoluindo o tempo todo. Ao fazer tais afirmações, esses críticos demonstram como não têm noção de como seu “amado capitalismo” evolui para sobreviver. Como resultado, eles se encontrarão presos no lado errado da história. E seus bens também. A guerra da América contra a escravidão foi muito mais do que isso, claramente. Mas há outra guerra civil em andamento. De fato, o impulso global acelerado para deixar de lado nossos escravos de energia fóssil e seus mestres será muito mais doloroso do que se tivéssemos escolhido agir em boa ordem e no tempo certo. Atraso é igual a dor de longo prazo, embora nem sempre para aqueles que atrasam ou financiam ações de adiamento.

RI: As informações ESG já são obrigatórias em 29 países dos 36 pesquisados ​​pela CMF e SLC. O trabalho realizado pelo Capital Markets Forum (CMF) e pelo Securities Law Committee (SLC) foi apresentado em reunião do C-ESG pela Allen & Overy LLP. Como o senhor vê esse movimento?

John Elkington: Encorajador, em muitos aspectos. Os dados ESG representam um nível mínimo de entrada na agenda de Sustentabilidade, uma condição necessária para o progresso. Mas uma questão fundamental é: quem fará o quê com esses dados? Quem irá transformá-los em inteligência de mercado valiosa e eficaz? Elementos disso já estão acontecendo, claramente. Mas uma das razões pelas quais tenho prestado cada vez mais atenção à Inteligência Artificial (IA), na última década, é que considero um fator decisivo para a Sustentabilidade. Não há como fazer o que precisa ser feito apenas com nossos cérebros humanos padrão. Nós precisamos de ajuda. Usada da maneira correta, a IA pode nos ajudar a entender os negócios – e políticas – das novas realidades impostas no que os cientistas chamam cada vez mais de “Época do Antropoceno”, a primeira vez na história da Terra em que uma única espécie tem efeitos globais iguais ou superiores às forças geológicas.

RI: O ISSB emitiu recentemente os primeiros padrões – IFRS S1 e S2 – de divulgações relacionadas à Sustentabilidade nos mercados de capitais em todo o mundo, criando uma linguagem comum para divulgar o efeito dos riscos e oportunidades relacionadas ao clima, nas perspectivas de uma empresa. O senhor acredita que isso ajudará as empresas a se tornarem mais conscientes?

John Elkington: Uma situação de 'Torre de Babel', com terminologias e padrões concorrentes, fornece álibis perfeitos para aqueles que querem fazer pouco... ou nada. Ter um consenso global emergente só pode ser uma coisa boa, especialmente quando também envolve, por exemplo, as recomendações da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima. Vale a pena lembrar que a contabilidade financeira convencional levou 500 anos para evoluir. Portanto, embora o progresso na contabilidade, relatórios e avaliações de Sustentabilidade muitas vezes pareça glacial, estamos subindo a curva muito mais rápido desta vez.

RI: O senhor criou o conceito do Triple Bottom Line em 1994. Em 2020, lançou “Cines Verdes”, clamando por uma mudança de sistema que sirva as pessoas, o Planeta e a prosperidade. Como pioneiro dessas discussões, como avalia os movimentos americanos anti-ESG, que querem limitar a utilização de critérios ESG na gestão e alocação de capital?

John Elkington: O Triple Bottom Line alcançou ampla adoção, como acontece com a Global Reporting Initiative (GRI), o Dow Jones Sustainability Indexes e mais de 6.000 B Corporations. O movimento ESG foi construído nessa base. Ainda assim, acho que a resistência é inevitável, dada a natureza cada vez mais esquizofrênica da política americana. Mas, igualmente, sem sentido. O Texas, geralmente, tem que pagar mais dinheiro por seus empréstimos do que na antiga ordem. Então, vejo os movimentos anti-ESG muito parecidos com o movimento pró-Brexit em meu próprio país. Compreensível, talvez, mas delirante e um ato de automutilação. Tão impulsionado pela ideologia, que está disposto a ignorar as evidências do mundo real, mesmo a um custo crescente para aqueles que votaram a favor - ou de outra forma apoiaram - a ideologia. O fato de muitos políticos de direita em todo o mundo optarem por não acreditar nas mudanças climáticas não sinaliza melhor conhecimento. Em vez disso, sinaliza uma dissociação da realidade, que – como acontece com todos os Minsky Moments – raramente termina bem.

RI: Na base do recall que o senhor promoveu no conceito Triple Bottom Line, em 2018, estava a necessidade de uma transformação sistêmica, ou seja, a criação de sistemas de mercado que possam oferecer resultados nas três dimensões ao mesmo tempo. Em uma de suas declarações, há cerca de dois anos, o senhor disse: “Precisamos de ganhos exponenciais”. Até que ponto avançamos nessa direção de forma concreta? Ainda falta muito para que a transformação sistêmica e os ganhos exponenciais se concretizem?

John Elkington: O recall do produto foi descrito pela Harvard Business Review como o primeiro de um conceito de gerenciamento. A ideia não era que o Triple Bottom Line fosse uma má ideia, mas, sim, que muitas vezes era mal interpretado e mal aplicado. O processo desencadeou nossa investigação do “Capitalismo de Amanhã”, que resultou em uma série de projetos que apontam o caminho a seguir para negócios e mercados. Um dos meus think-tanks favoritos é o RethinkX, com sede no Vale do Silício e no Reino Unido. Eles exploram as tendências exponenciais que já impactam setores como transporte e mobilidade, pecuária e laticínios, energia e finanças. Para onde quer que olhem, vêem as mesmas trajetórias: “gradualmente, e depois de repente”, como disse certa vez Ernest Hemingway. Vamos dar apenas um exemplo do que está acontecendo agora na frente exponencial. O mundo levou 22 anos para instalar seu primeiro terawatt de energia solar. O segundo e terceiro terawatts agora chegarão nos próximos cinco anos. Isso é mudança exponencial.

RI: Em 2020, o senhor lançou o livro “Cisnes Verdes: O próximo boom do Capitalismo Regenerativo”. Será essa a solução para salvar o Planeta?

John Elkington: Não nas tendências atuais. Nas trajetórias atuais, nada do que estamos fazendo salvará o Planeta – ou, mais significativamente, a nossa espécie e a nossa civilização. Assim como a má administração das terras agrícolas desencadeou o fenômeno Dust Bowl (tigela de pó) nos Estados Unidos, na década de 1930, a má administração de nossos solos, florestas, rios e oceanos está preparando o terreno para os desertos de amanhã, na terra, no céu e no mar. As evidências científicas – que os governos acham que podem ignorar se quiserem – agora sugerem que vamos derrubar o teto de aquecimento global de 1,5°C, estabelecido há menos de 10 anos. Lembre-se que este não foi um ponto de passagem: foi um ponto em que os cientistas concluíram que seriam acionados pontos de inflexão “imparáveis”. Também fomos alertados, entre outros, por Greta Thunberg e pelos movimentos estudantis climáticos. Mas o que quer que digamos em nossa defesa, fechamos os olhos, surdos. Agora, aqui estamos nós. A ciência está saindo da escala. E qualquer um que leia ficção científica moderna notará como o foco agora mudou da exploração do espaço profundo para o caos climático. Não no tempo profundo, mas bem dentro de nossas próprias vidas. Dito isso, as tendências do Cisne Verde nos mercados, na política e no domínio cultural ainda podem fazer uma grande diferença - e ajudar algumas empresas. Alguns setores e economias são bem-sucedidos, enquanto outros falham. Mas quanto mais deixarmos de lado as decisões difíceis, mais difíceis e dolorosas serão as mudanças inevitáveis ​​quando elas forem impostas a nós.

RI: Considerando a complexidade para determinar padrões globais para medir a evolução das práticas sustentáveis das empresas, qual é o conjunto mínimo dessas práticas que poderia indicar um forte compromisso corporativo com a Sustentabilidade e padrões de medição relacionados?

John Elkington: Admiro o trabalho que as plataformas business-to-business como o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) estão fazendo – e, sem dúvida, estaríamos muito melhor se todas as empresas do mundo adotassem as melhores práticas que essas plataformas destacam. Mas a liderança corporativa não será suficiente. Mesmo os líderes corporativos mais celebrados estão reclamando que os mercados de hoje não apenas falham em incentivar mudanças positivas o suficiente, mas, muitas vezes, continuam a recompensar empreendedores, modelos de negócios, indústrias e garantir economias. As empresas não podem fazer o que agora precisa ser feito. Só os governos podem. E como tem sido fascinante observar a União Européia, que se orgulhava de ser líder com seu Green New Deal, lutando para acompanhar o impacto e as implicações da Lei de Redução da Inflação do presidente Biden, que tem sido um grande impulso para aqueles que desenvolvem soluções para mudanças climáticas.

RI: Fundos que se “vendem” como opostos a considerações de investimentos ambientais, sociais ou de governança (ESG) tiveram uma queda na atração de novos investidores, conforme afirmou a empresa de pesquisa Morningstar no mês passado. O senhor acha que isso pode ser uma tendência?

John Elkington: Sim, é provável que seja uma tendência, visto que nem mesmo os mercados financeiros podem ser estúpidos para sempre. Mas não acho que esse tipo de desafio vá acabar. Uma questão fundamental é que todos esses tipos de pessoas agora se encontram do lado errado da história. As discussões sobre ativos ociosos costumavam soar acadêmicas e remotas – mas estão se tornando um perigo claro e presente para todos os tipos de investidores que fizeram as apostas erradas.

RI: Diante desses desafios, há muito trabalho a fazer para salvar o Planeta e todas suas espécies. O senhor acredita que as pessoas com as quais está falando sobre essas questões estão conscientes e estão trabalhado em prol da Sustentabilidade?

John Elkington: Conscientes, sim. Trabalhar para tentar encontrar soluções, sim. Mas tentar ou conseguir mover-se na velocidade certa, com a urgência certa, nas direções certas, nem sempre é claro para mim. Quero dizer, estive recentemente em Barcelona com jovens inovadores e empreendedores e realmente fiquei impressionado com o número de pessoas que depois enviaram e-mails e me contactaram pelo LinkedIn. Não há dúvida de que há interesse lá. E não há dúvida de que os mais jovens, inclusive no Brasil, onde um estudo recente mostrou muito claramente que os jovens estão realmente preocupados com as mudanças climáticas. Mas acho que os políticos ainda não entenderam direito. E eu sei que se você olhar para o Brasil com Bolsonaro e depois com Lula, não há dúvida de que, desde que Lula voltou ao poder, os incêndios na Amazônia diminuíram. Mas ainda há uma quantidade absurda de destruição dos ecossistemas da floresta tropical. Portanto, seria muito fácil dizer, simplesmente, porque conversei com muitas pessoas legais, conhecedoras e comprometidas que o mundo está indo na direção certa - e que algumas partes do mundo estão começando a ir na direção certa - mas ainda não entendemos adequadamente a natureza e a escala dos desafios que estão chegando a nós muito rápido. Vamos acordar a tempo? Vamos agir no nível apropriado? Eu não tenho certeza. Eu escolho acreditar que podemos e escolho acreditar que os líderes de nosso mundo o farão. Mas ainda terá muita gente que não agirá a tempo.

RI: Desde a publicação de seu livro “Canibais com garfo e faca”, seu estilo de vida e consumo mudaram?

John Elkington: Esta é uma boa pergunta. Em rápida retrospectiva, meu primeiro livro foi lançado em 1980 e o sétimo foi o “Guia do Consumidor Verde”, em 1988, que, basicamente, tentava fazer com que pessoas comuns como consumidores, cidadãos, mudassem suas compras, seus comportamentos e assim por diante. Voltando à sua pergunta, tornei-me vegetariano há 45 anos. E eu o fiz, em grande parte, e minha família também, na época, porque estava preocupado que a produção de carne se tornasse uma indústria cada vez mais problemática. E agora as evidências sugerem que isso é verdade. Mas também fiz porque quando eu tinha 6 anos fui levado para conhecer um matadouro. Meus pais não sabiam disso, eram apenas trabalhadores rurais. Eu manifestei interesse em saber para onde eles estavam indo, então eles me levaram. Eu vi coisas que tiveram um impacto profundo em mim. Eu mantive um mesmo carro desde então, por cerca de 40 anos. Nos últimos dois anos não tive carro, porque em Londres existe a Zona de Emissões Ultrabaixas para proteger ou melhorar a qualidade do ar. Os carros mais antigos são, simplesmente, banidos das estradas e o nosso, apesar de ser um bom carro, estava fora dos controles estabelecidos. Algumas semanas atrás, comprei um carro elétrico pela primeira vez, mas, ainda assim, me sinto mal por ter um carro. Portanto, nem sempre estou vivendo de acordo com os princípios, pois, mesmo que eu decida ter um carro elétrico e que agora viaje muito menos de avião do que antes do lockdown imposto pela COVID, ainda assim, provavelmente, estou em quase um país diferente por semana. E, portanto, há muitos aspectos do que fazemos que não são sustentáveis. Temos muita sorte, porque na área de Londres em que vivemos, tudo é reciclado, todo tipo de material – plásticos, metais, papel e etc. – tem uma lixeira própria. Então, nós fazemos isso. Mas fazemos o suficiente? Não, acho que não. Mas, novamente, quero dizer que tenho muita sorte de morar em uma cidade que tem um eficiente sistema de metrô, que significa que não preciso usar carro quando vou à cidade. Eu viajo de trem e de metrô. Mas acho que se um grande número de pessoas em todo o mundo reduzisse o consumo de carne, seria uma das melhores coisas que poderíamos fazer. E então, apenas neste País, no Reino Unido, um estudo publicado esses dias, dizia, basicamente, que se os britânicos não desistissem, mas apenas reduzissem seu consumo, isso seria igual a tirar 8 milhões de carros das ruas. Isso seria um grande progresso. Enfim, resposta complicada para uma pergunta simples.

RI: No ano passado, o senhor concedeu uma entrevista para a Folha de São Paulo e falou sobre revolução. Como podemos fazer esta revolução – não no velho estilo, mas uma nova revolução?

John Elkington: Bem, a velha revolução é, basicamente, trocar um grupo de pessoas poderosas por outro e, geralmente, colocando o grupo anterior contra a parede e atirando neles ou algo parecido. Não imagino que vamos evitar guerras e guerras civis em particular no futuro. Acho que elas vão acontecer, pois é a maneira como operamos como espécie. Quando estive na Espanha recentemente, estava dizendo às pessoas que o conflito na Ucrânia será visto no futuro como muito parecido com a Guerra Civil Espanhola na década de 1930. Foi um pequeno campo de testes para a guerra muito maior que veio depois. Então, acho que o conflito vai acontecer, mas acho que há um conjunto de revoluções que são muito diferentes, que estão sendo parcialmente aceleradas, por exemplo, pelo conflito na Ucrânia. Como, por exemplo, a tecnologia drone, que é incrivelmente importante para monitorar ecossistemas e corpos d'água e poluição e assim por diante. Junto com a inteligência artificial, essa tecnologia está sendo muito utilizada na guerra. Então, tudo está começando a ser feito mais rápido do que seria feito de outra forma. Mas acho que a revolução não é só da tecnologia, embora se você pensar em inteligência artificial, pense em sensoriamento remoto por satélite, fermentação de precisão na área de alimentos, agricultura regenerativa. Há muitas coisas que estão acontecendo agora, revolucionárias em seu caráter e no sentido de que irão derrubar uma ordem existente. Elas substituirão as pessoas que investiram em carvão por pessoas que não investem em carvão. Elas substituirão as pessoas que investem em petróleo e gás natural por pessoas que não investem, que investem em eficiência energética, energia renovável, hidrogênio, todos esses diferentes veículos elétricos, tecnologia de bateria, o que for. E acho que o interessante é que, novamente, como o caos climático, as pessoas pensam que muito disso acontecerá no futuro. Isso realmente não vai acontecer durante a minha vida, e nós não vamos passar por isso. Estamos começando a ver empresas como a Ford Motor Company, nos Estados Unidos, fazendo algo que trabalhei com ela. Trabalhei com Bill Ford quando ele era CEO há 20 anos e lembro-me de dizer aos engenheiros da Ford sobre o que Elon Musk estava fazendo. Isso foi entre 2003 e 2004, apenas citando a Tesla e eu me lembro muito bem do que eles disseram em resposta: que experimentaram veículos elétricos há 100 anos e não funcionaram e não ia funcionar de novo. Mas a revolução está acontecendo em nossas ruas e está acontecendo muito mais rápido do que aquelas pessoas imaginavam. A tal ponto que a Ford agora se dividiu em duas empresas, o que seria impensável há 20 anos. Há 10 anos, eram impensáveis... E eles o substituíram por um negócio focado no legado do que a Ford faz, que são os motores de combustão interna. E os veículos elétricos, que são os novos negócios. Agora, não sei se a Ford terá sucesso nisso, porque os instintos e reflexos das empresas tradicionais nem sempre são o que é necessário com essas novas áreas de negócios disruptivos. Mas quando penso em revolução, em parte quero dizer que é tecnologia, são modelos de negócios, é uma consciência crescente entre o público, principalmente os mais jovens. Que eles foram traídos por pessoas mais velhas, que escolheram ignorar um conjunto de problemas que vão definir as expectativas e perspectivas de vida dos mais jovens. E eles estão ficando com raiva, estão começando a protestar. Não é apenas Greta Thunberg, embora eu ache que ela tem sido incrivelmente poderosa. Isso levará à revolução, isso levará ao sangue nas ruas, porque há algo sobre os seres humanos, particularmente as pessoas poderosas que pensam que podem se proteger, que podem ignorar o futuro. E, geralmente, a história sugere que eles não podem... não para sempre. Mesmo que eles se estabeleçam em um refúgio ou bunker seguro e confortável na Patagônia ou na Nova Zelândia ou onde quer que seja, está chegando a hora em que as pessoas simplesmente dizem que teremos que fazer as coisas de maneira muito diferente. Então, novamente, uma resposta muito longa e extensa para sua pergunta, mas acho que quando penso em revolução, penso em tipos tradicionais de revolução. Mas também estou pensando nas revoluções industrial, tecnológica, econômica, psicológica e cultural.

RI: Muito se fala sobre a importância da educação. O sistema educacional está adequado para transformar o mindset e preparar as pessoas para fazerem escolhas diferentes de consumo?

John Elkington: Minha resposta é muito simples: não. Principalmente os sistemas públicos de educação na maioria dos países, com algumas exceções – Vietnã, Singapura – não são adequados para esse propósito. E muitas vezes, dizem os Ativistas, não há tempo suficiente para educar a próxima geração com todos esses desafios, temos que agir agora. Minha resposta é que o investimento mais importante que qualquer sociedade faz é em seu sistema educacional. Mas quando digo isso, não me refiro apenas à educação dos jovens de um mundo e economia moldados pelos idosos, refiro-me também à reeducação dos idosos. Porque como a vida, a expectativa de vida expande as pessoas. Tenho 74 anos, meus pais viveram até os 90. Eu não tenho expectativas, mas as pessoas estão cada vez vivendo mais. Mas à medida que envelhecem, elas se tornam mais conservadoras, quero dizer, querendo menos ver a disrupção do mundo. Elas querem que seus fundos de pensão sejam seguros e confiáveis e isso significa não investir em setores disruptivos de alto risco, investir em combustíveis fósseis, porque pensam em garantir um retorno e tendem a votar em políticos conservadores, às vezes em políticos populistas. Em meu próprio país, a Grã-Bretanha, a população mais velha votou com muito mais energia no Brexit do que os mais jovens. E, felizmente, os mais jovens estão entrando na economia. Mas acho que veremos esse padrão repetido de novo, e de novo... e de novo. E isso tem aspectos de uma geração, não apenas tensão. Por vezes, será um conflito intergeracional e, então, a educação é crucial. Para todos nós, não apenas para os jovens, como eu disse, temos que nos preparar para o que vem a seguir. Há novidades na internet, que trouxe todos os tipos de novas formas de educação ao alcance das pessoas. De repente, há acessos através do Google aos livros do mundo ou a todos os sites internacionais a ou qualquer outra coisa. Portanto, se você optar por educar-se, as opções são muito maiores do que antes. Mas então, tem o risco da mídia social, como os russos estão fazendo e assim por diante. O risco da desinformação está acelerando o tempo todo. No evento que participei agora em Barcelona, conversei com o CIO da Telefônica sobre esses personagens falsos na internet. Muitas pessoas não querem vacinas como a educação. Acho que a vacinação é um dos avanços tecnológicos mais importantes dos últimos 100 anos e vejo a educação como uma forma de vacinação contra o tipo de pandemia mental do futuro. A educação é importante e fundamental e devemos dar muito mais atenção tanto a ela quanto termos mais respeito pelos professores, em todos os níveis e em nossos sistemas.

RI: ESG: modismo, sobrevivência ou conscientização?

John Elkington: É uma moda, sim. E desencadeou um “frenesi alimentar” nos mercados financeiros. Mas, pelo menos em minha opinião, sinaliza uma consciência crescente de que os velhos modelos de economia e criação de valor estão nos servindo muito mal. Os jovens – e um número crescente de líderes empresariais e investidores – sentem cada vez mais que agora enfrentamos um conjunto de riscos existenciais. Eles vêem que a maioria dos políticos não tem coragem de enfrentar o desafio, então vão procurar novos tipos de líderes. Minha opinião é que a evidência está agora no populismo, quer você olhe para o histórico de Trump, Johnson, Erdogan, Modi ou Duterte. Esses “líderes” podem se apegar ao poder em alguns lugares, mas não atenderam às necessidades presentes – muito menos às do futuro. Alguns podem argumentar sobre a necessidade de líderes empresariais se posicionarem e fazerem política. Na verdade, estamos, atualmente, analisando as melhores práticas em termos de defesa corporativa e lobby. Mas precisamos de líderes políticos eleitos democraticamente, não de pessoas como Trump – cuja atração era em grande parte baseada na história distorcida e oca que ele contou sobre seu sucesso nos negócios. O desafio de salvar o mundo é cada vez mais político – e exigirá novas gerações de líderes políticos que estejam prontos para os desafios futuros, ao contrário de muitos dos políticos de hoje.

RI: Para finalizar, qual é a sua visão sobre o futuro da Sustentabilidade?

John Elkington: A Sustentabilidade é um conceito que existe desde meados da década de 1980, passando por períodos de excitação, de perda de atenção, de energia e de impulso. Neste momento, certas partes do mundo, não em todos os lugares, sentem que precisam falar sobre Sustentabilidade. Mas estão fazendo isso ao mesmo tempo em que há evidências de que a emergência climática piora a cada dia. Então há dissociação entre as pessoas entenderem que precisam usar a linguagem, mas ainda não entenderam a necessidade de agir. Desta forma, os ciclos serão mantidos, entre altos e baixos. Mas penso que daqui a 100 anos, em diferentes formas e linguagens, o conceito de Sustentabilidade será o mesmo que o conceito de democracia, de liberdade, de grandes ideias que surgem de vez em quando. E essa ideia de se preocupar com o Planeta, cuidando das gerações futuras, não só dos seres humanos, mas de todas as espécies, é relativamente nova para as sociedades industriais, mas já existe nas comunidades indígenas há muito tempo. Em minha opinião, Sustentabilidade veio para ficar, mas não será uma linha reta daqui até 2123, ou quando for.

Nota: Para saber mais sobre as obras e trabalhos de John Elkington, acesse: Sites: volans.com e johnelkington.com; Twitter: @volansjohn e @volanshq; Linkedin: uk.linkedin.com/in/john-elkington-2907568

Cida Hess
é doutora em Sustentabilidade pelo PPGEP da UNIP/SP, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUCSP, economista e contadora, com MBA em finanças pelo IBMEC. Executiva, conselheira, palestrante, coordenadora da Comissão Temática de Finanças e Contabilidade e professora da Board Academy. Colunista da Revista RI desde 2014 e do Portal Acionista desde 2019.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica Brandão
é mestre em Administração pela PUC Minas, especialista em finanças e estratégia, engenheira eletricista e graduanda em Direito. Executiva, conselheira e consultora de organizações, além de professora universitária. Colunista da Revista RI desde 2008 e do Portal Acionista desde 2019.
mbran2015@gmail.com

Ronnie Nogueira
é publisher e diretor editorial da Revista RI.
ronnie@imf.com.br


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