A famosa frase de Nelson Rodrigues, publicada no jornal carioca "Correio da Manhã" em 17 de fevereiro de 1954, "Jovens, envelheçam!", atualmente está completamente fora de moda. Parece que a tônica hoje é: velhos, rejuvenesçam. Assim, é natural que o conselho dos mais velhos, outrora valorizado, tenha perdido muito do seu valor na sociedade contemporânea.
Se o costume de ouvir os mais velhos está em desuso, a vontade dos mais velhos de continuar a dar conselhos parece não ter diminuído. Ao menos este é o meu caso, o que é agravado pelo fato de eu carregar nos ombros 38 anos de magistério.
Com esta edição da Revista RI, cuja publicação ocorre próxima da comemoração do Dia dos Pais de 2023, resolvi refletir sobre minha experiência como pai.
Olhando para trás, de nada tenho tanto orgulho, nada me realiza tanto, como o tempo e o esforço que dediquei e dedico na tentativa de ser um bom pai. Não que eu seja ou tenha sido um exemplo de bom pai, nem de perto consegui ser um pai como meu conterrâneo Marcos Piangers, autor do best-seller "O papai é pop".
Para começar, não queria ser pai. Hoje, revisitando o passado, vejo que a minha recusa se devia a um medo imenso de fracassar. Felizmente, a decisão de ter filhos foi tomada por minha companheira de jornada, Celina. Para ela, ser mãe era mandatório, era seu mais profundo projeto de vida.
O famigerado Plano Collor me pegou em meio a uma troca de emprego, e fiquei um ano desempregado. Um dia cheguei em casa e encontrei um sapatinho branco com um exame embaixo.
Fui tomado por um pavor impressionante, as pernas tremiam, comecei a suar frio e tive que me sentar para não cair. Neste momento tocou o telefone, daqueles antigos enormes ligados a um fio, sob protestos da Celina atendi e do outro lado da linha veio a notícia de que tinha sido aprovado em um concurso para professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Some o desempregado e nasce um projeto de pai.
Fui pai aos 33 anos, e para que você tenha uma ideia do meu apego a crianças, preciso lhe contar que a Júlia foi o primeiro bebê que peguei no colo. Assim, durante toda a gestação, sempre fui atormentado pelo medo de não me apegar à minha futura filha. Ledo engano, assim que ela chegou no quarto da maternidade, fui tomado pelo maior amor que jamais imaginei sentir, o que só foi igualado quando o Gustavo nasceu.
Todo aquele amor que não esperava sentir me levou a outros medos ainda mais profundos. Como conseguiria sustentar meus filhos? Como daria conta das despesas com educação? E até preocupações mais prosaicas, será que um dia conseguiria bancar uma viagem à Disney para meus filhos?
Entretanto, o fato de ser pai me fez nascer um medo ainda mais profundo e sombrio: o medo da morte. Meu pai faleceu quando eu tinha 10 anos e meus irmãos tinham 6 e 4 anos, deixando minha mãe muito jovem com dificuldades financeiras.
Sou fruto de uma das últimas safras da geração Baby Boomer, quando os papéis de gênero eram geralmente mais tradicionais. Muitas vezes, o pai era visto como o provedor financeiro, enquanto a mãe era vista como a principal responsável pela casa e pelo cuidado dos filhos. Já não era meu caso, pois a Celina era professora da Federal de Santa Catarina quando nos casamos, portanto, o papel de pai tradicional felizmente não me cabia.
Não fui participativo na época das fraldas, do que me arrependo. Porém, logo que eles cresceram um pouco, penso que fui muito dedicado. Sempre quis ter uma filha valente, sempre desafiei a Júlia ao extremo. Sim, hoje tenho uma filha que tem uma coragem que me surpreende e é uma empresária de sucesso. Porém, tenho plena consciência de que exagerei na dose, dificultei a vida dela mais do que precisaria.
Quando o Gustavo nasceu, pensei que já era um pai experiente. Ledo engano! O que funcionava para a Júlia não funcionava para ele. Assim, descobri que educar um filho não é como o oleiro que molda o barro segundo seu projeto, mas se assemelha ao trabalho do lapidador de diamantes. Se não respeitar a pedra, o resultado será desastroso. Hoje, Gustavo é um homem que me enche de orgulho: extremamente focado e com um forte senso ético. Ainda muito jovem, tornou-se um empresário de sucesso.
Para superar meus medos de não poder dar o suporte financeiro aos filhos, sempre trabalhei muito. Além das aulas na UFSC, viajei muito dando cursos e palestras. Porém, todo o tempo livre que tinha era integralmente dedicado à família. Muito desse tempo passamos na antiga casa que tínhamos em Bocaina, a fazenda onde me criei.
Lá criei um mundo imaginário cheio de histórias de onças que falavam, árvores que nasciam do umbigo, antigas histórias de sacis e outros personagens do nosso folclore. Em 2001, quando minha carreira estava indo muito bem, tive a coragem de atender ao chamado da Celina e fomos morar um ano no Canadá com os filhos. Depois, em 2009, quis repetir a dose e ficamos mais um ano em Bruxelas. Foram dois anos incríveis de forte união familiar.
Hoje, os filhos são adultos e trouxeram para nossa família os queridos Marcos e Maria Cícera. Temos uma família que superou todos os meus mais otimistas desejos, e por isso sinto todo o orgulho que mencionei no início deste artigo.
Infelizmente, nunca tive um modelo do que era ser um bom pai. Fui e sou um pai cheio de medos, de inseguranças e de falhas. Porém, uma coisa eu tenho certeza: em cada dia desde que fui pai, não medi esforços para ser hoje um pai melhor do que fui ontem. E, certamente, minha contribuição para o sucesso da família é minúscula diante do que fez a Celina e das qualidades dos filhos, genro e nora.
Assim, chego ao conselho que gostaria de dar para aqueles que pretendem ou são pais recentes. Filhos não precisam de perfeição, podem sobreviver e crescer com nossas falhas, podem até superar a ausência. Porém, pais e mães raramente superam o arrependimento de não terem se dedicado aos seus filhos. Se você ainda tem tempo, dedique o melhor de você para seus filhos, para que um dia você não precise dizer as frases mais tristes que já escutei: “eu não vi meus filhos crescerem!”.
Em nossa busca por sucesso na vida, muitas vezes nos concentramos excessivamente em nossas carreiras e objetivos financeiros, negligenciando a importância fundamental da família. Uma carreira de sucesso pode nos proporcionar conforto e estabilidade financeira, mas não devemos esquecer que a construção de relações verdadeiras requer tempo de qualidade. Como não canso de afirmar: nenhum sucesso financeiro compensa um fracasso familiar.
Com este artigo, gostaria de homenagear todos os pais, sejam eles biológicos ou não, que se dedicam à tarefa desafiadora e fantástica de amar e educar.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br