Governança

GOVERNANÇA PARA PMEs: E A INTERFACE COM AS PRÁTICAS ESG

No ano de 2015 o professor Vladimir Barcellos Bidniuk escreveu um artigo chamando a atenção para a necessidade da implementação da governança corporativa para as pequenas e médias empresas (PMEs), citando inclusive as startups. Vou pedir licença ao ilustre professor e usar a mesma expressão que ele usou no início da sua narrativa, mencionandoque“ É de pequeno que se aprende”. Inclusive recomendo a leitura do artigo na Revista RI - Dez.2014 (no.189).

A Governança Corporativa é uma prática sine qua non para o funcionamento das grandes empresas e ao longo do tempo temos visto que essa discussão é pertinente para as pequenas e médias empresas (PMEs). Diferente de 2015, estamos assistindo à ascensão dos critérios ESG como estratégias para serem alinhadas com os negócios para promover lucratividade e qualificar a reputação. Felizmente o ESG traz a governança entre seus critérios, mas a maturidade das práticas no Brasil ainda é incipiente. Por outro lado, várias experiências internacionais ratificam o pressuposto que governança faz bem sim a todo tipo de empresa.

A experiência internacional nos reserva alguns bons exemplos de adoção de práticas de GC para PMEs. Em um primeiro momento, pode-se pensar que haverá aumento de custos1, mas na verdade o custo estará relacionado com a disponibilidade de engajar a equipe em um planejamento que seja implementado com disciplina e consistência. A disciplina em olhar para o planejamento com foco na governança deve entregar em curto e médio prazo credibilidade junto a possíveis investidores fornecedores e até mesmo os próprios clientes.

O Institute of Directors afirma que a adoção de GC revela uma atividade prudente em relação ao risco e ajuda a organização a se relacionar melhor com a sociedade.2 Acrescenta-se, como citei o Professor Vladimir, que quanto mais cedo a GC for adotada, melhor será para a cultura corporativa do negócio.

Podemos encontrar então vários exemplos de práticas de governança adaptados às PMES oriundos de outros países.

Sri Lanka
O Institute of Chartered Accountants of Sri Lanka possui um Guia de Governança Corporativa para PMEs como um mecanismo para criar processos, sistemas e controles relevantes e incentivar comportamentos apropriados para garantir a sustentabilidade a longo prazo de uma organização. O guia traz à tona princípios como accountability, transparência e valores éticos e discute a implementação dentro de uma estrutura que considera a estratégia, a estrutura da empresa e responsabilidades.

Dubai
Dubai segue a mesma linha que Sri Lanka publicando o Código de Governança Corporativa para pequenas e médias empresas. No documento há a afirmação que a economia de Dubai está diretamente relacionada com o crescimento dos pequenos e médios negócios. O CGC traz nove pilares que devem sustentar os negócios: adotar um framework de governança corporativa, plano de sucessão, transparência com os shareholders, Conselhos Consultivos, mandato para os conselheiros, manter registro contábil para auditoria, controle interno de riscos, reconhecer as necessidades dos stakeholders e formular um framework para regular a relação da família com o negócio.

Hong Kong
Em Hong Kong há um guia para GC em pequenas e médias empresas publicado há algum tempo e que já tem publicada a 3ª edição. Apresenta cinco princípios fundamentais:

1. Cumprir a lei.
2. Respeitar as partes interessadas
3. Reduzir o custo de capital estabelecendo e mantendo uma reputação sólida.
4. Identificar e gerenciar os riscos.
5. Adotar e desenvolver sistemas que aumentam a qualidade da tomada de decisão.

Austrália
O Governance Institute of Australia também possui um guia para PMEs. Essa instituição afirma que uma GC é importante independentemente do seu porte e que nesse caso, os administradores compõem os acionistas da empresa. Defende-se uma governança alicerçada em organização da tomada de decisão e execução de processos adequados; isso deve apoiar maior transparência, protegendo os tomadores de decisão e garantindo confiança àqueles que lidam com o negócio.

África do Sul
O Institute of Directors in South Africa possui uma iniciativa que apresenta um guia para conselheiros no que diz respeito aos desafios da governança que devem ser enfrentados pelos pequenos e médios negócios.

Reino Unido
Publicado Fundação de Pesquisa do Institute for Family Business (IFB) o guia Corporate Governance in Large UK Family Firms traz elementos de governança destacando o papel dos conselhos e suas características.

União Europeia
A Confederação Europeia das Associações de Conselheiros publicou o documento Corporate Governance Guidance and Principles for Unlisted Companies in Europe. Esse material defende claramente a governança corporativa como uma ferramenta para responder aos desafios sociais atuais, particularmente questões ambientais e sociais.

Governança Corporativa para PMEs no Brasil
Impossível falar de GC no Brasil sem mencionar o referencial do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o Código de Governança Corporativa que, mesma forma como em outros países tem uma recomendação para ser utilizado em PMEs fazendo adaptação de seus princípios. Iniciativa do IBGC que merece destaque é o guia de Governança Corporativa para Startups & Scale-ups.

O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) é outra instituição que vem estimulando práticas de governança. No âmbito das PMEs a recomendação inclui a adoção de ações como adoção de código de conduta, plano de sucessão empresarial, remuneração de sócios, realização e transparência para demonstrações contábeis, compliance, etc.

A interface entre ESG e Governança para PMEs
No Brasil ESG para pequenas e médias empresas causa espanto. Por outro lado, há muita desinformação ou falta de informação de como as PMEs podem se beneficiar de um planejamento alinhado com ESG. Recentemente, a Associação Brasileira de Normas Técnicas publicou a ABNT PR 2030 para ser um referencial de orientação técnica para organizar as práticas ESG nas empresas. Você pode ler sobre esse tema na Revista RI 270 onde pude descrever aspectos dessa prática recomendada.

A primeira consideração a fazer é que muitas obrigações presentes no cotidiano da empresa são critérios inclusos na agenda ESG. Dessa forma, compliance, segurança da informação, privacidade e controles internos são práticas que devem fazer parte do cotidiano e que compõem critérios ESG.

A segunda consideração pertinente é sobre a existência de compromissos voluntários. Eles podem agregar valor aos produtos e serviços da empresa como a Agenda 2030 e mesmo os documentos de planejamento para enfrentamento das questões climáticas publicados por alguns Estados da Federação.

O aspecto da cadeia de valor é outro ponto importante para se pensar em inserir as premissas ESG na estratégia do negócio. As PMEs são importantes atores a dar suporte para a operação de muitas grandes empresas (incluo as startups) e daí a importância da adoção de uma jornada ESG. Do lado do consumidor, vê-se uma crescente cobrança para produtos e serviços mais sustentáveis.

Um estudo de revisão realizado recentemente menciona que há poucos referenciais sobre incorporação de princípios de sustentabilidade nas práticas de GC para PMEs. Por outro lado, essa mesma pesquisa menciona que os principais tópicos que vem sendo estudados são: tamanho do conselho, diversidade do conselho, independência do conselho, executiva feminina, concentração de propriedade e tamanho da empresa. Urge que se integre à GC das PMEs os temas relacionados com mudanças climáticas, políticas de diversidade e inclusão, transparência e responsabilidade e manutenção de registros robustos de informações sobre as atividades das PME.

Mesmo assim o CPA Australia - ESG Centre of Excellence explica que existe uma oportunidade chave para as pequenas empresas integrar ESG e governança. Isso deve ser feito por meio da implementação de conselhos. Além de recomendar os princípios de governança para as PMEs, o CPA Australia recomenda entre outros aspectos:

  • Atrair conselheiros com uma mistura ideal de habilidades e experiência para facilitar a inovação e melhorar a tomada de decisões;
  • Fornecer novas redes que facilitem as conexões e o acesso a recursos.

Alinhado com nossa ABNT PR 2030, o Corporate Governance Institute recomenda algumas práticas prioritárias para as PMEs, entre elas: estabelecimento de políticas e procedimentos claros, nomear um conselho, separar papeis do dono e do presidente do conselho, implementar controles internos, responsabilidade e transparência, implementação de políticas e procedimentos, avaliações de risco e monitorar conformidade com leis e regulamentos.

Os referenciais descrito nesse artigo não esgotam a discussão sobre a utilização da GC nas PMEs, mas é certo que a relevância para sua implantação está dada. Os referenciais internacionais certamente contribuirão para a implementação da GC nas PMEs no Brasil, especialmente se considerarmos a natureza familiar da maioria das empresas.

Alberto Malta Junior
é fundador da Empresa Office K-InTech, consultoria voltada para ESG e treinamentos. Farmacêutico, mestre em Gestão de Tecnologia e Inovação pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Processos Educacionais, especialista em ESG, escritor, professor universitário, Conselheiro em Administração pela FGV e coordenador da Comissão ESG da Board Academy.
amjrmalta@gmail.com


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