Cada empresa familiar é única, sendo essencial entender o “DNA” da família empresária. As famílias empresárias se diferenciam por diversas características, idade e nível de escolaridade dos fundadores, formação dos filhos, estrutura e cultura familiar, estágio e velocidade de crescimento da empresa, desempenho, estrutura societária. Entretanto, todas possuem desafios quando o tema é a sucessão, dado ser um processo complexo que demanda muito diálogo entre os membros da família.
Apesar da vasta gama de fatores influenciadores no processo, é essencial que haja muita sensibilidade e habilidade para a condução do processo de sucessão. Acrescenta-se a esse rol de influências as possíveis alterações na propriedade das empresas e geralmente, costumam ocorrer mais conflitos na 2ª geração onde são comuns as divergências entre a gestão e a estratégia, desentendimentos e correntes de opinião. Nesse momento, os desafios perpassam os limites entre família e empresa sendo ideal que o planejamento sucessório ocorra o quanto antes, sem aguardar o envelhecimento dos fundadores. Por certo, o desafio no processo está em garantir a continuidade saudável da empresa.
No planejamento de sucessão empresarial, a governança corporativa atua direcionando o estabelecimento do plano sucessório como tema relevante, dado a necessidade da proteção e perpetuação do patrimônio da família empresária. As dificuldades no processo sucessório geram entraves a serem enfrentados de frente pelos empresários no sentido de perpetuarem seus negócios. Dessa forma, as famílias empresárias devem se preocupar em abordar, discutir, e trazer para a pauta estratégica de evolução da empresa, a estruturação do plano de sucessão familiar. Existe um caminho ainda longo a ser percorrido para corrigir os impactos causados pela sucessão, tanto para o sócio fundador empreendedor que será sucedido, quanto para aquele que precisa ser escolhido e preparado para suceder assumindo a gestão profissionalizada da empresa. Nesse momento, o conselho consultivo pode ser visto como o fórum adequado para tratar de forma equilibrada, justa e tempestiva as necessidades relacionadas a propriedade, a governança corporativa, além de apoiar na orientação e mediação do plano sucessório. Os conselhos consultivos também podem servir de referência aos conselhos de família e às reuniões de sócios.
Fato que cada empresa familiar é única e há a necessidade de produzir um plano específico de sucessão condizente com o perfil e características da família empresária evitando problemas e imprevistos inerentes ao processo. No que concerne a demografia das empresas familiares no Brasil e sua evolução por gerações, o SEBRAE aponta que muitos empreendedores mergulham no seu próprio negócio tendo o impulso de uma ideia ou um sonho e outros tantos, por pura necessidade. Em pesquisa, a CONAJE - Confederação Nacional dos Jovens Empresários, reforçou que 70% dos jovens empresários decidem empreender motivados pelo sonho de ter um negócio próprio, pela identificação de uma oportunidade de negócio, para ter mais independência e não menos importante, pela oportunidade em continuar o negócio da família.
Pelo artigo do IBGC, publicado em nov./21, adicionado ao perfil do empreendedor brasileiro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar e representam 65% do PIB brasileiro, empregando 75% dos trabalhadores brasileiros, o que demonstra a importância das famílias empresárias para a sociedade brasileira. “Apesar dessa alta representatividade no cenário atual brasileiro, 70% das empresas não sobrevivem além da geração do fundador e apenas 5% conseguem chegar a 3ª geração”.
Udo Kurt Gierlich, conselheiro consultivo e de administração em Empresas Familiares cita que “Dentre tantas, uma das principais causas do elevado índice de insucesso de empresas familiares, está relacionada à falta de coragem e desprendimento para abordar e tratar a tempo e com o devido profissionalismo (via conselheiros externos à família), os assuntos relacionados à sucessão (empresa), estrutura societária (propriedade) e organização familiar (família) de forma isenta e blindada dos temas familiares”
Uma família empresária possui inúmeros desafios considerando a complexidade dos subsistemas que envolvem a Família, a Propriedade e a Empresa. Um dos maiores desafios é a dificuldade de separação dos aspectos pessoais dos profissionais. É notório que a evolução da empresa familiar passa por etapas diferentes conforme desenrolam as gerações. No eixo da empresa, há a etapa da fundação, onde ocorre principalmente a preocupação pela sobrevivência e formalização do projeto do fundador. Na etapa de expansão/formalização, busca-se o estabelecimento de estruturas de gestão, de sistemas e de procedimentos formalizados. E na etapa de maturidade, busca-se a revitalização por meio de processos ou renovações estratégicas. Percebe-se que em cada etapa, diferentes desafios são propostos e envolvem todos os eixos do modelo tridimensional. Portanto, conforme as gerações evoluem, ampliam-se as perspectivas das empresas familiares trazendo maior complexidade na gestão o que exige de fato, o olhar direcionado a importância dos conselhos de família e da abertura para os processos sucessórios bem estabelecidos.
De forma simplificada, uma empresa familiar é aquela em que há pessoas da mesma família envolvidas na fundação, no âmbito administrativo ou na parte acionista, o que não significa que existam somente pessoas da mesma descendência. Podem existir administradores fora do âmbito familiar e uma certa profissionalização da gestão, ou membros da família participarem como diretores. A empresa familiar se divide em subsistemas: gestão ou empresa, propriedade e família.
Segundo a PwC em 2021, a prioridade de empresas familiares no Brasil era proteger o core business ou sobreviver: expandir para novos mercados ou segmentos de clientes, aumentar o uso de novas tecnologias, buscar aquisições ou fusões estratégicas e aumentar o envolvimento da próxima geração em decisões e gestão estavam listados nas agendas prioritárias das empresas familiares. No atual cenário brasileiro onde o alto grau de empreendedorismo é desproporcional a solidez e a perenidade das empresas no longo prazo, afirmam que “a maioria das empresas familiares brasileiras está segura quanto à clareza dos papéis e à força da liderança dentro da empresa”. Já em 2023, a PwC aponta que o foco atual é transformar para conquistar confiança, demonstrando que as empresas familiares buscam elencar novas prioridades para proteger seu legado englobando o olhar para a credibilidade transmitida aos stakeholders, clientes, funcionários, familiares e público em geral promovendo o sucesso e a vantagem competitiva dos negócios.
Segundo Farhad Forbes, presidente da Family Business Network International, o DNA de qualquer empresa familiar traz na sua essência a habilidade de conciliar família e negócios ou emoções e empreendedorismo revelando a necessidade de uma “estreita colaboração com as novas gerações dos futuros proprietários e da definição de estruturas e práticas de governança familiar para profissionalizar a empresa.” Isso envolve a criação de mecanismos de resolução de conflitos para lidar com disputas e o restabelecimento da confiança com os stakeholders (partes interessadas) trazendo questões práticas dos princípios de governança embasados em propósito e valores, compromisso com ESG e prestação de contas e transparência. Finaliza indicando que, “considerando que as empresas familiares representam juntas 70% da economia global, elas podem ter um papel especial na restauração da confiança e na promoção de um modelo de negócios mais sustentável.”
Faz parte de um esforço permanente o estabelecimento de estruturas fortes de governança familiar. Lidar com conflitos nunca foi fácil para as empresas familiares e àquelas com princípios de uma boa governança e preocupação com a perenidade do DNA cultural, a sucessão deve ser tratada com rigor de planejamento, antecipando turbulências de transição geracional. Os conselhos consultivos são estruturas vantajosas para direcionarem o plano sucessório nas empresas familiares. Pensar na sucessão da gestão construindo um caminho para uma transição entre gerações da família empresária ou orientar a profissionalização do negócio é essencial para a perenização do legado, por amor a família e pela perpetuação do patrimônio.
Luciana Tannure
é especialista em estratégia de negócios, mentora empresarial e de desenvolvimento de lideranças, e palestrante. Board Member, Conselheira Consultiva certificada, Vice coordenadora da Comissão de Governança e Estratégia Empresarial pela Board Academy BR. Executiva com mais de 28 anos de experiência em empresas nacionais e multinacionais. Engenheira pela PUC-RJ com MBA em Gestão Empresarial pela FGV e pós-graduação em Finanças Corporativas e Sistemas de TI.
luciana.tannure@gmail.com