Orquestra Societária

SUSTENTABILIDADE & ESG: SIM, QUESTÕES DE DIREITOS HUMANOS

É com grande satisfação que informamos que esta e as duas próximas edições concluem “com louvor” o nosso projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, iniciado em fevereiro de 2022, como parte integrante do doutorado de Cida Hess, iniciado em agosto de 2019 e finalizado em junho de 2023, na UNIP – Universidade Paulista.

Na edição passada, concluímos as entrevistas planejadas nesta seção: Orquestra Societária com 12 conselheiras certificadas pelo IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Ao longo dessa intensa jornada de dois anos de aprendizado e troca de experiências, algumas premissas de nosso projeto foram aprimoradas e convidamos, além das conselheiras certificadas pelo IBGC e altamente qualificadas e experientes, outras que, efetivamente, agregaram valor ao nosso projeto.

A todas as conselheiras participantes dessa jornada, nossa gratidão pela disponibilidade em compartilhar seus conhecimentos e experiências conosco e com os leitores da Revista RI, conduzida pelo diretor editorial Ronnie Nogueira.

Nosso projeto foi dividido em três blocos de entrevistas, contendo quatro entrevistas em cada um deles. Os blocos I e II, respectivamente, contemplaram as conselheiras Olga Stankevicius Colpo (edição 258), que cunhou o nome deste projeto, Cátia Tokoro (259), Deborah Patrícia Wright (260) e Eliane Aleixo Lustosa (261), Debora Santille (267), Heloísa Belotti Bedicks (268), Gabriela Baumgart (269) e Neusa Maria Bastos Fernandes dos Santos (270). As análises das contribuições das conselheiras dos blocos I e II foram publicadas nas edições 266, 272 e 274.

No bloco III, foram entrevistadas as conselheiras Cláudia Pitta (edição 275), Sandra Guerra (276), Denise Hills (278) e Vânia Borgerth (279), cujos principais insigths são objeto da presente edição; naturalmente, de maneira breve e não exaustiva, tamanha a riqueza de suas reflexões.

Um projeto de dois anos como o nosso não deixaria de ter surpresas, com o avanço e aprimoramento da jornada. E as nossas surpresas foram excepcionais! Nesse longo e enriquecedor projeto, entrevistamos Sonia Consiglio (edição 265), premiada pela ONU pelos seus importantes esforços em prol da sustentabilidade.

Na presente edição, a ser complementada pelas duas próximas com novas e imprescindíveis análises, dois são os nossos objetivos:

1. As principais conclusões do bloco III de entrevistas dessa incrível jornada, focando o vértice Social ou S do ESG, além do chamado set mínimo ESG.

2. Apresentar as bases conceituais e de melhores práticas do projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita.

ANÁLISES PRELIMINARES SOBRE AS ENTREVISTAS DO BLOCO III DO PROJETO ESG: UMA PARTITURA QUE ESTÁ SENDO ESCRITA
A seguir, apresentamos os destaques que selecionamos para a presente edição, à luz das valiosas contribuições das conselheiras do bloco III, considerando as questões a elas apresentadas.

1. Práticas, entre diretrizes e ferramentas, visando criar diferenciação na dimensão Social ou S do ESG

Dada a amplitude da dimensão S, percebem-se diferenças e alguma convergência nas respostas apresentadas:

  • A criação de uma cultura ética é imprescindível para viabilizar e sustentar os programas de DEI - Diversidade, Equidade e Inclusão. Para isso, um diagnóstico da cultura vigente da organização se faz necessário; a análise de sua maturidade implicará a criação de programas direcionados à sua realidade. Em tempo, ESG, assim como a governança corporativa foi no passado, ainda é visto como um “check list vazio e superficial”, sendo que a ética necessariamente precede a ambos.
  • ESG deve ser “governado”, sendo o G de Governança sua “força-motriz”. Há várias ferramentas no mercado para estabelecer indicadores, sendo que a escolha será personalizada, dependendo do negócio – é muito importante que a escolha seja customizada! O mais importante é que se parta do propósito da organização.
  • Falar sobre S significa falar sobre direitos humanos. Os temas do S são extensos e complexos e abrangem as demais dimensões: DEI, citado acima, representatividade, comércio justo, rastreabilidade, valorização da origem dos produtos e da cadeia envolvida em sua produção, salário digno, clima, bem-estar e outros. A sociedade passou a discutir mais sobre as desigualdades pelo Planeta, impulsionada pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
  • É a dimensão social que “amarra” as demais dimensões do ESG, porque os seres humanos usufruirão dos benefícios e sofrerão pelos impactos negativos das demais dimensões. Os direitos humanos ensinam a “olhar para dimensão social além dos números”. É preciso ter profissionais qualificados, com “soft skills alinhados à cultura organizacional”. Máquinas são substituíveis e podem ser trocadas, mas o ser humano tem alma. Para a organização incorporar a dimensão S, precisa olhar para o seu corpo funcional e enxergar as diferenças.

No quadro a seguir, apresentamos o que nos parecem ser termos-chave das quatro reflexões anteriores:

 TERMOS-CHAVE MENÇÕES
Direitos humanos 2
Cultura da organização 2
Seres humanos – pessoas 1
Propósito 1
Governança corporativa 1

Note-se, no quadro acima, que o tópico direitos humanos emergiu apenas na penúltima e última entrevistas. Sem perder de vista que todos os demais tópicos são muito importantes para a dimensão S, esse tópico específico nos chama a atenção.

É interessante também notar o aparente contraste entre a visão de duas conselheiras: ESG governado pelo G versus ESG com o S amarrando as três dimensões. A nosso ver, todavia, não existe incoerência, pois se a governança é a base, as pessoas, de fato, permeiam as três dimensões.

2. Práticas mais críticas, em termos de gestão estratégica de riscos e derivadas / intensificadas pela pandemia COVID

As entrevistadas trouxeram, para esta questão, não apenas pontos apresentados anteriormente, mas também novos insights, enriquecendo o conteúdo de suas respostas:

  • A pandemia evidenciou o tamanho da nossa interdependência. A gestão de riscos passou a ser ampliada, para agregar riscos geopolíticos, de mudanças climáticas, de pandemias. Ao mesmo tempo, aprendizados diversos poderiam ter sido mais profundos: sobre o que é ser líder, empresário, conselheiro ou executivo “realmente empático”.  
  • A pandemia trouxe situações terríveis, no Brasil e ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, os conselhos de administração passaram a entender o S do ESG mais profundamente. Empresas tomaram medidas de diversas ordens, para não deixarem de existir, com foco, especialmente, nas pessoas e nos fornecedores, criando empatia.
  • A empresa necessita entender que os seus impactos não são opcionais. Que ao utilizarem recursos de todos os tipos na realização de suas múltiplas atividades, geram impactos positivos e negativos. Para que a organização seja mais desejada, atraia talentos, conquiste mais mercado e gere um círculo virtuoso, ela deve tomar decisões conscientes, as quais produzam mais impactos positivos e neutralizem os negativos. Devem ter uma gestão de impactos consciente (relacionados à cultura e à ética; e relacionados às externalidades).
  • A gestão estratégica requer um olhar de alma aos seres humanos, a fim de que a convivência entre as pessoas na organização seja cada vez melhor. Faz-se necessário enxergar a realidade de cada funcionário, pois ninguém gosta de pensar que sua ausência não será sentida. Ao mesmo tempo, trata-se de gestão de riscos, sendo que os profissionais requerem treinamento, conversa e monitoramento.

No quadro seguinte, apresentamos, a partir do exposto, o que consideramos ser novos termos-chave, que não emergiram nas respostas da questão anterior:

 TERMOS-CHAVE  MENÇÕES
Gestão de riscos 2
Gestão de externalidades & impactos 2
Conselhos de administração 1
Missão 1
Visão 1
Olhar de alma 1

Sem deixar de valorizar todos os demais temas que também emergiram, note-se que o tópico olhar de alma, assim como direitos humanos na questão anterior, também é singular, tendo sido empregado na última entrevista.

Note-se também a gestão de riscos e a gestão de externalidades & impactos, que estão entrelaçadas, sendo a primeira mais abrangente. E observamos, ademais, que externalidades e impactos podem ser positivos ou negativos, favorecendo ou não a organização.

3. Set mínimo ESG

A questão do set mínimo ESG foi tratada no bloco II do projeto e retomamos o tema no bloco III, para sua maior elucidação. Quando consideramos conjuntamente as respostas de todas as conselheiras entrevistadas dos dois blocos, concluímos que uma única convergência relevante se extrai de todas as respostas: não existe tal set mínimo, cada empresa deve analisar a sua realidade, seu setor, suas atividades, seu capital humano e, principalmente, seu propósito.

Duas reflexões, associadas a entrevistas do bloco III, em linha com o exposto acima, aqui se destacam:

  • O set mínimo, o patamar mínimo da questão acima é o da conformidade, o cumprimento da Constituição Federal, das leis trabalhistas, ambientais, de proteção ao consumidor, entre várias outras. A Constituição pauta os direitos humanos. Se tudo isso fosse cumprido, estaríamos avançados na Agenda 2030 da ONU. O Brasil estaria em outro patamar de desenvolvimento social, ambiental, econômico e de governança.
  • Não existe cartilha mínima de sustentabilidade. Os gestores da empresa é quem devem dizer qual é o set mínimo, destacando-se a importância do reporte. Reportar é uma oportunidade para a organização de se mostrar ao mercado, de contar a sua própria história, a fim de que os públicos externos não venham a tentar advinhar.

No quadro seguinte, apresentamos os termos-chave emergentes das opiniões anteriores, ambos com uma menção:

TERMOS-CHAVE
Constituição Federal e leis
Cartilha de mínima de sustentabilidade

Note-se, por fim, que o tópico Constituição Federal e leis, a exemplo de direitos humanos e olhar de alma, também é singular.

Sobre cartilhas de sustentabilidade, são elas válidas?

Certamente, sempre ao comando dos conselhos de administração. Todavia, em nossa visão, construir um Modelo de Gestão Sustentável (MGS), sob o comando dos conselhos, timoneiros organizacionais, é uma dos meios mais poderosos de introjetar a sustentabilidade e ESG no DNA organizacional. Talvez muito mais do que cartilhas.

TÓPICOS INSTIGANTES PARA A GESTÃO SUSTENTÁVEL
Todos os tópicos constantes nos três quadros anteriores são cruciais para a dimensão Social do ESG, de acordo com as nossas entrevistadas. Neste artigo, focalizamos aqueles por nós considerados singulares, tendo emergido apenas no bloco III: direitos humanos, Constituição Federal e leis e olhar de alma.

1. Sobre direitos humanos, a Constituição Federal e as leis

A dimensão Social ou o S do ESG é, de fato, uma questão de direitos humanos.

Direitos Humanos talvez seja a disciplina mais importante dos Cursos de Direito do nosso País e no dia a dia dos cidadãos – empresários, empregados, governantes e outros públicos.

É tão importante, que deveria ser ministrada em todos os cursos de graduação do Brasil, não apenas em Cursos de Direito, sem deixar de reconhecer a importância de outros conhecimentos jurídicos elementares para os brasileiros.

Os direitos humanos têm uma longa trajetória, passando pela construção dos direitos individuais (de 1ª geração), sociais (2ª geração), daqueles emergentes a partir das Grandes Guerras e da polarização inerente à Guerra Fria (3ª geração), como o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos e ao meio ambiente equilibrado e, mais recentemente, dos direitos decorrentes do processo científico e tecnológico e do avanço das democracias (4ª geração). Há quem advogue que a humanidade avança para mais gerações, além da última.

Nossa Constituição Federal, além de embasar toda a legislação nacional e organizar o estado brasileiro, é uma carta de direitos fundamentais, ou seja, de direitos humanos nela positivados, isto é, explicitados (escritos). A Constituição e as leis integram o chamado ordenamento jurídico nacional que tem, em sua base, os princípios e normas contidos na Carta Magna.

Sob o ponto de vista da sustentabilidade e de ESG, em treinamentos sobre esses temas, deveríamos defender a inclusão de conhecimentos, ainda que elementares, sobre direitos humanos, a Carta Magna e as leis por esta suportadas? Nossa resposta é sim, deveríamos.

Isso contribuiria para conscientizar a cúpula das organizações e stakeholders relevantes sobre os fundamentos dos três vértices do ESG: meio ambiente, social e governança. Aliás, o S do ESG não seria o único beneficiado.

2. Sobre o olhar de alma

Seria viável o olhar de alma à luz da realidade das empresas e demais organizações da economia?

Ressaltamos a importância do olhar de alma, expressão consistente, no plano da Ciência Administrativa, com a pirâmide das necessidades humanas propostas pelo psicólogo estadunidense Abraham Maslow, a qual contemplamos nesta Revista RI (edição 227). Trata-se de necessidades que extrapolam aquelas de natureza material.

O olhar de alma é imprescindível à jornada sustentável das organizações, que necessitam implementar não apenas modelos de gestão, mas modelos de gestão sustentáveis. E conforme discorremos na edição 272, as pessoas permeiam toda a Orquestra Societária, uma organização que dá nome a esta coluna, sendo impulsionada pelo que temos tratado como Modelo de Gestão Sustentável (MGS),

Deixamos a seguir, sobre o olhar de alma, uma mensagem para reflexão dos leitores:

Se você tiver consciência de que lidera seres humanos os quais, além de um corpo físico, têm uma alma, terá muito maior chance de ser bem-sucedido em suas decisões organizacionais. O desafio será operacionalizar, no dia a dia, metodologias para desenvolver soft skills. Independentemente do seu modus operandi, não deixe de aprender sobre os direitos humanos e fundamentais.

PRÓXIMO PASSO: COMO APLICAR O APRENDIZADO À ORQUESTRA SOCIETÁRIA?
Desde março de 2014, ao longo de 10 anos, temos desenvolvido, nesta Revista RI e coluna, os constructos Orquestra Societária, Modelo de Gestão Sustentável (MGS) e Sinfonia Corporativa, que foram objeto de estudo durante o mestrado (2016 e 2017) e doutorado de Cida Hess (2019 a 2023).

Representamos tais constructos neste artigo (duas figuras), lembrando que Orquestra Societária (superior), é uma organização comprometida com a ética e o propósito, governança corporativa e sustentabilidade, cuja chave de ignição é o MGS.

O MGS, por seu turno (indicado na figura superior e detalhado na inferior) é a chave que energiza e interconecta os cinco vértices da Orquestra: do Modelo de Negócio e a Estratégia às Pessoas, Reconhecimento e Cultura (em sentido de giro horário).

Quanto à Sinfonia Corporativa (ver figura superior), esta é o grande resultado de todo o esforço organizacional, abrangendo não apenas resultados de natureza econômico-financeira, mas também alinhamento entre interesses de stakeholders e riscos sob controle.

As duas próximas edições, que encerram, após dois anos, o projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, conterão reflexões sobre a Orquestra Societária, o MGS e a Sinfonia Corporativa, conectando-os aos conhecimentos advindos das 13 entrevistas realizadas com conselheiras de administração:12 planejadas e 1 extraordinária, com Sonia Consiglio.

Nesse sentido, as perguntas que procuraremos responder são as duas seguintes, à luz das visões de todas as nossas entrevistadas:

  • Devemos enriquecer o design dos constructos supracitados ou mesmo criar novos constructos?  
  • Se positivo, de que forma?

Agradecemos as valiosas contribuições recebidas ao longo desses 10 anos e mantemos nosso convite aos leitores desta prestimosa Revista RI à reflexão sobre o conteúdo deste artigo, colocando-nos à disposição para conversarmos sobre as críticas e sugestões, que serão muito bem recebidas.

Orquestra Societária

Modelo de Gestão


Cida Hess
é CEO da Orquestra Societária Business, doutora em Engenharia de Produção, com foco em Sustentabilidade, pela UNIP/SP, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUCSP, economista e contadora, com MBA em finanças pelo IBMEC. Executiva, conselheira, palestrante, coordenadora da Comissão Temática de Finanças e Contabilidade e professora da Board Academy e do Legado e Família. Colunista da Revista RI desde 2014 e do Portal Acionista desde 2019 e conselheira editorial da RI desde 2023.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica Brandão
é assessora do escritório André Mansur Advogados Associados e chair do Conselho Consultivo da Orquestra Societária Business. Mestre em Administração pela PUC Minas, graduada em Engenharia Elétrica e graduanda em Direito pela mesma Universidade, é pós-graduada em Administração pela UFMG e MBA em Finanças pelo IBMEC. Tem atuado como executiva financeira, conselheira, engenheira e professora universitária, é colunista da Revista RI desde 2008 e do portal Acionista desde 2019, sendo conselheira editorial da RI desde 2023.
mbran2015@gmail.com


Continua...