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CONSELHEIROS INDEPENDENTES: O VALOR E A RESPONSABILIDADE DA ATUAÇÃO COM AUTONOMIA

O Conselho de Administração tem papel central na estrutura de governança das companhias abertas. É por isso que, desde a versão original da Lei 6.404/1976, esta importância está refletida na alocação de poderes-função estratégicos para este órgão social, que é competente para, dentre outras atribuições, fixar a orientação geral dos negócios da companhia.

Como contraponto aos relevantes poderes-função que lhes são atribuídos, espera-se de todos os membros do Conselho de Administração uma observância em estrito cumprimento aos deveres que lhes são atribuídos pelos artigos 153 e seguintes da Lei 6.404/1976.

Dentre os citados deveres, destaca-se o caput do art. 154 da Lei 6.404/1976 ao prever que: “[o] administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”. O §1º deste mesmo art. 154 da Lei 6.404/1976 prossegue e estabelece que: “[o] administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os membros deveres que os demais, não podendo, ainda que para a defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.

A legislação societária é expressa ao disciplinar que todos os administradores têm deveres em relação à companhia e não para com os acionistas que os indicaram. Todos os administradores devem atuar com independência em relação aos seus acionistas constituintes e devem representar a pluralidade acionária.

A evolução e o amadurecimento das discussões sobre governança corporativa, no Brasil e no mundo, trouxeram relevância e destaque à figura dos “conselheiros independentes” dentro dos Conselhos de Administração, como uma medida de reforço em relação a estes cuidados de independência e autonomia.

Nos Estados Unidos, a promulgação da Lei Sarbanes-Oxley (“SOX”), em 2002, como resposta a escândalos corporativos observados por lá, trouxe a obrigatoriedade de companhias abertas adotarem comitês de auditoria compostos, exclusivamente, por membros independentes do conselho. A Lei teve como intuito fomentar uma série de reformas para aumentar a chamada responsabilidade corporativa, além de melhorar as divulgações financeiras e combater fraudes corporativas e contábeis.

Voltando os olhos para a Europa, é possível destacar boas práticas em dispositivos contidos da Diretiva dos Direitos dos Acionistas (Shareholder Rights Directive), além de recomendações e sinalizações apresentadas em códigos de governança corporativa, tais como o da União Europeia e o do Reino Unido.

No Brasil, de maneira complementar aos aspectos amplos da nossa Lei 6.404/1976 e da Lei 13.303/2016 (“Lei das Estatais”), há de se ressaltar a importância e qualidade dos Códigos do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), dos regulamentos de segmentos especiais de listagem da B3 e, mais recentemente, dos aperfeiçoamentos gerados por meio da Lei 14.195/2021 (“Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios”).

No contexto destes regulamentos e códigos de adesão voluntária, há um reforço ainda maior dos aspectos caracterizadores de independência e autonomia em relação aos membros do Conselho de Administração, com o propósito de que o Conselho de Administração das companhias abertos seja, tanto quanto possível, representativo das pluralidades acionárias (i.e., acionistas controladores, acionistas minoritários, acionistas titulares de ações preferenciais sem direito de voto e, conforme o caso, até mesmo, outros stakeholders).

Por conta da edição da Lei 14.195/2021, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) teve a oportunidade de disciplinar a matéria, por meio da Resolução CVM 168/2022.

Após um processo de diálogo e escuta ativa junto à sociedade e aos participantes do Mercado de Capitais, a CVM determinou o critério mínimo de 20% de membros independentes em Conselhos de Administração de companhias abertas registradas na categoria A, que possuam valores mobiliários admitidos à negociação em mercado de bolsa por entidade administradora de mercado organizado e ações ou certificados de depósito de ações em circulação.

Além de ter concretizado a iniciativa legislativa no plano regulatório, a CVM, por meio da regra, contribuiu para o aprimoramento do ambiente de negócios e das práticas de governança corporativa das companhias brasileiras. Sem perder de vista esses objetivos, a Autarquia buscou, ainda, não elevar custos para as companhias, por entender, inclusive, que menos custos geram mais oportunidades.

A Resolução CVM 168, em seu art. 6º, explicita que o enquadramento do conselheiro independente deve considerar sua relação com (i) a companhia, seu acionista controlador e seus administradores; e (ii) as sociedades controladas, coligadas ou sob controle comum. Adicionalmente, a regra dispõe que, para os fins da verificação do enquadramento do conselheiro independente, não é considerado conselheiro independente aquele que: (a) é acionista controlador da companhia; (b) tem seu exercício de voto nas reuniões do conselho de administração vinculado por acordo de acionistas que tenha por objeto matérias relacionadas à companhia; (c) é cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta ou colateral, até segundo grau do acionista controlador, de administrador da companhia ou de administrador do acionista controlador; e (d) é ou foi, nos últimos três anos, empregado ou diretor da companhia ou do seu acionista controlador.

A norma da CVM também aborda que, para os fins da verificação do enquadramento do conselheiro independente, há situações a serem analisadas de modo a verificar se implicam perda de independência do conselheiro independente em razão das características, magnitude e extensão do relacionamento. São elas:

I – tem vínculo de parentesco por afinidade até segundo grau com acionista controlador, administrador da companhia ou administrador do acionista controlador;

II – é ou foi, nos últimos três anos, empregado ou diretor de sociedades coligadas, controladas ou sob controle comum;

III – tem relações comerciais, inclusive de prestação de serviços ou fornecimento de insumos em geral, com a companhia, o seu acionista controlador ou sociedades coligadas, controladas ou sob controle comum;

IV – ocupa cargo com poder decisório na condução das atividades de sociedade ou entidade que tenha relações comerciais com a companhia ou com o seu acionista controlador;

V – recebe outra remuneração da companhia, de seu acionista controlador, sociedades coligadas, controladas ou sob controle comum além daquela relativa à atuação como membro do conselho de administração ou de comitês da companhia, de seu acionista controlador, de suas sociedades coligadas, controladas ou sob controle comum, exceto proventos em dinheiro decorrentes de participação no capital social da companhia e benefícios advindos de planos de previdência complementar; e

VI – fundou a companhia e tem influência significativa sobre ela.

É perceptível que a configuração de conselheiros independentes sugere a existência de um sistema baseado em controle e em equilíbrio na gestão da companhia. Eles são uma fatia relevante do mecanismo de checks and balances, contribuindo para mitigar e evitar práticas inadequadas, gestão ineficiente e, até mesmo, comportamento antiético. Há de se esperar, portanto, uma atuação ativa desses conselheiros, com potencial crítico e construtivo, acalorando ideias e assegurando que as práticas éticas e de governança corporativa sejam mantidas.

A favor de uma postura mais autônoma, está o fato de os conselheiros independentes não estarem diretamente envolvidos em operações do dia a dia da companhia, permitindo com que tenham visão mais holística, porém, objetiva e imparcial, das ações que ocorrem na instituição. Essa postura, inclusive, é vista como determinante para garantir que as decisões sejam tomadas com base no melhor interesse da empresa, e, não, em favorecimento de determinado grupo específico. Menos propensos a ter conflitos de interesses em comparação com os conselheiros vinculados a grupos específicos, a presença de conselheiros independentes tende a resultar, ainda, em maior transparência no âmbito da entidade.

Para concluir, vale destacar mais um traço interessante de regras objetivas, tal qual a Resolução CVM 168: a oportunidade de avaliar a substância ali descrita. No contexto de preparação para a chamada ‘temporada de assembleias de companhias abertas’, momento em que companhias tendem a conviver com debates relacionados à eleição de administradores, há a possibilidade de testar, na prática, o conceito de conselheiro independente.

Portanto, a esses profissionais, um recado valioso: estejam comprometidos com decisões boas e adequadas para a companhia. Sentar-se à mesa pressupõe responsabilidade e postura ativa diante de fatos e atos, com um exercício responsável de direitos e prerrogativas.


João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br


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