Ponto de Vista

TRAIÇÃO CLIMÁTICA: O PREÇO DA COVARDIA CORPORATIVA

Após os recentes anúncios de saída de BlackRock, Goldman Sachs, J.P. Morgan, Morgan Stanley, Bank of America, Citibank e Wells Fargo de seus compromissos climáticos, foi a vez da NZAM (Net Zero Asset Managers) anunciar que precisava de uma pausa para reflexão, suspendendo temporariamente algumas de suas atividades.

Fomos um dos membros fundadores da NZAM em 2020, conscientes da importância de os gestores de ativos incorporarem questões climáticas em seus investimentos e descarbonizarem seus portfólios. Apesar de apoiarmos a iniciativa, desde o início tínhamos críticas à sua falta de ambição, defendendo, por exemplo, a inclusão do Escopo 3 (emissões indiretas) nos compromissos das gestoras. No entanto, a pausa para reavaliação parece apontar para uma flexibilização dos objetivos, quando, na verdade, o momento exige maior rigor.

Esse retrocesso também repercutiu no Brasil. A JBS (sempre eles!) mudou sua narrativa, afirmando que seus compromissos de zerar emissões até 2040 eram apenas aspirações, não promessas – apesar das palavras “compromisso”, “promessa” e do slogan "Nada menos do que isso não é uma opção" estarem presentes em seus materiais de comunicação.

Toda essa movimentação, às vésperas da posse de Trump como presidente dos EUA, escancara uma verdade dolorosa: a crise climática deixou de ser tratada como uma questão científica e passou a ser encarada como um tema ideológico.

O debate legítimo entre os espectros políticos deveria focar em como resolver o problema, com cada lado apresentando suas abordagens. Em vez disso, discute-se a existência ou não de um problema, que na ciência há consenso como inquestionável.

Esses recuos expõem uma realidade incômoda: tais compromissos nunca foram sérios. Foram movimentos oportunistas, reflexo de interesses de curto prazo dessas instituições. Foi o mesmo oportunismo que motivou a adesão inicial que levou à debandada atual. Oportunismo: nunca foi sobre o planeta ou sobre a vida humana.

A BlackRock, por sua posição de destaque no setor e histórico de defesa da integração dos riscos climáticos em decisões financeiras, merece atenção especial. Durante anos, a empresa liderou uma narrativa global que posicionava a crise climática como central para a preservação de valor no longo prazo. Essa postura criou um padrão de conduta no setor e encorajou outras instituições a assumirem compromissos semelhantes. Agora, com sua decisão de recuar, a BlackRock enfraquece o ecossistema de cooperação que ajudou a construir.

Ainda mais preocupante é o impacto fiduciário dessa decisão. Incorporar os riscos climáticos à análise financeira não é uma escolha ideológica, mas uma obrigação de boa governança. As mudanças climáticas impactam profundamente as finanças. Riscos físicos comprometem cadeias de suprimentos e desvalorizam ativos imobiliários. Já os riscos de transição envolvem a reprecificação de ativos diante de regulações mais rigorosas, avanços tecnológicos disruptivos e mudanças no comportamento do consumidor, que podem tornar modelos de negócios obsoletos e causar perdas irreversíveis para empresas despreparadas. Ignorar esses fatores é falhar no dever de proteger os interesses de longo prazo dos investidores.

Se essas instituições nunca compreenderam as implicações reais da crise climática, sua adesão a compromissos foi ilegítima, marcada por busca de validação pública. Caso tenham compreendido e, ainda assim, optado por recuar, a falha ética é ainda mais grave: priorizaram interesses de curto prazo dos acionistas em detrimento dos melhores interesses de seus clientes.

A questão climática transcende ciclos políticos e exige liderança com visão de longo prazo. Ao abandonarem seus compromissos, essas instituições revelam uma miopia perigosa.

Ainda conectando finanças a clima, vale lembrar que a inação climática também traz custos financeiros diretos e indiretos que não podem ser ignorados. Eventos climáticos extremos, como os incêndios ocorridos na California no início de 2025 e a inundação sem precedentes ocorrida no Rio Grande do Sul em 2024 são exemplos de eventos que já resultam em bilhões de dólares em prejuízos para seguradoras, governos, empresas, agricultores e famílias.

Além disso, cadeias de suprimento globais se tornam cada vez mais vulneráveis, comprometendo setores inteiros e gerando flutuações na disponibilidade e nos preços de commodities, especialmente as agrícolas. Não por acaso, o preço dos alimentos foi o maior vilão da inflação brasileira em 2024 e a quebra de safra levou quase a totalidade dos FIAGROs a prejuízos bilionários para os seus investidores. É impossível dissociar clima de finanças, evidenciando a necessidade de incorporar estratégias de mitigação climática em qualquer análise financeira robusta.

Paradoxalmente, a agenda climática no mercado de capitais americano ganhou força durante o governo Trump (2017-2020). O potencial impacto negativo do abandono de compromissos – incluindo o Acordo de Paris – mobilizou investidores conscientes a intensificarem suas ações e vozes.

Embora o abandono da pauta por instituições relevantes seja frustrante, também é um catalisador para aqueles que entendem a criticidade da situação se desdobrarem e fazerem muito mais.

Além dos legitimamente comprometidos, novos atores surgirão para ocupar o espaço deixado por aqueles que, mesmo sem nunca terem realmente entrado, escolheram partir.

Nota: Artigo publicado originalmente no Valor Pipeline em 20/01/2025.


Fábio Alperowitch
é fundador e CIO da fama re.capital.
fabio@famarecapital.com


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